Serra distribui panfleto que cita Jesus
Em meio à "guerra santa" que vem sendo travada neste segundo turno das eleições presidenciais, em torno de temas como a legalização do aborto e a união civil entre pessoas do mesmo sexo, a campanha do candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, distribuiu ontem, em evento com professores realizado em São Paulo, um santinho com a foto do presidenciável e a seguinte frase: "Jesus é a verdade e a justiça".
Associação de Gays pede o fim do "obscurantismo" na campanha
A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) divulgou ontem uma carta aberta dirigida aos dois candidatos à Presidência, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), na qual critica o tom religioso que vem predominando no debate eleitoral.
Brasília - Para tentar quebrar a resistência do eleitorado cristão, a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, assinou e divulgou ontem uma carta aberta a católicos e evangélicos em que se compromete a garantir a liberdade de culto religioso e a não enviar ao Congresso, caso seja eleita, projeto de lei para descriminalizar o aborto. Também se comprometeu a não propor algum tipo de iniciativa que "afronte a família", sem especificar exatamente quais medidas poderiam estar englobadas nessa promessa tal como a legalização da união civil de homossexuais.
Pressionada tanto pelo segmento religioso como pelos defensores do aborto e da causa gay, o texto de Dilma acabou sendo ambíguo. Na carta, ela se compromete, por exemplo, a não propor a legalização do aborto. Mas não garante que o governo orientará a base aliada no Congresso a votar contra os projetos de lei, em tramitação no parlamento, que buscam descriminalizar a interrupção da gravidez. O texto da petista também não garante que ela vetará qualquer lei que legalize o aborto promessa que deveria constar da carta, segundo acerto de Dilma com 51 líderes evangélicos em reunião na quarta-feira.
Coordenador evangélico da campanha de Dilma, o bispo da Assembleia de Deus e deputado Manoel Ferreira (PR-RJ) reconheceu o recuo, mas minimizou a falta do compromisso no documento. "Ela assumiu solenemente o compromisso [de veto], apesar de não estar na carta", disse ele.
No texto, que será distribuído em templos e igrejas a partir deste fim de semana, Dilma declara ser "pessoalmente contra o aborto" embora ela tenha defendido a prática pelo menos duas vezes: em sabatina no jornal Folha de S.Paulo, em 2007; e em entrevista à revista Marie Claire, no ano passado. Na carta, ela ainda diz que trabalhará para manter a atual legislação sobre o tema, que permite o aborto apenas nos casos de estupro e risco de morte da mãe.
Dilma também foi ambígua, no documento, em relação aos temas de interesse dos homossexuais. Na reunião de quarta-feira com os evangélicos, ela foi cobrada a adotar uma posição contrária ao casamento gay, à criminalização do preconceito contra homossexuais, à adoção de crianças por pessoas do mesmo sexo e à regulamentação profissional da prostituição.
No texto de ontem, não há referência clara a respeito de nenhum desses temas. Dilma optou por assumir o compromisso genérico de que, se eleita, não pretende promover "nenhuma iniciativa que afronte a família". Ela não explica, porém, quais seriam essas iniciativas.
Dilma se refere, de forma um pouco menos nebulosa, ao projeto de lei que criminaliza a homofobia. Ainda assim, a carta não é clara. Ela diz apenas que o "texto [do projeto de lei] será sancionado nos artigos que não violem liberdade de crença, culto e expressão". O temor dos cristãos é que o projeto impeça sermões e pregações contra homossexuais.
Dilma ainda afirmou que o 3.º Plano Nacional de Direitos Humanos, proposto pelo governo Lula, está sendo revisto. O plano, quando foi lançado, no ano passado, causou polêmica por propor a legalização do aborto e da prostituição e defender que hospitais conveniados ao SUS façam operação de mudança de sexo.
A petista ainda diz, na carta, que o documento foi divulgado para "pôr um fim definitivo à campanha de calúnias e boatos" espalhados pelos adversários eleitorais.
Leia a íntegra da carta:
"Se nos calarmos, até as pedras gritarão
Nestes dias, circulam pela internet, pela imprensa e dentro de algumas de nossas igrejas, manifestações de líderes cristãos que, em nome da fé, pedem ao povo que não vote em Dilma Rousseff sob o pretexto de que ela seria favorável ao aborto, ao casamento gay e a outras medidas tidas como contrárias à moral. A própria candidata negou a veracidade destas afirmações e, ao contrário, se reuniu com lideranças das Igrejas em um diálogo positivo e aberto. Apesar disso, estes boatos e mentiras continuam sendo espalhados. Diante destas posturas autoritárias e mentirosas, disfarçadas sob o uso da boa moral e da fé, nos sentimos obrigados a atualizar a palavra de Jesus, afirmando, agora, diante de todo o Brasil: se nos calarmos, até as pedras gritarão! (Lc 19, 40).
2. Não aceitamos que se use da fé para condenar alguma candidatura. Por isso, fazemos esta declaração como cristãos, ligando nossa fé à vida concreta, a partir de uma análise social e política da realidade e não apenas por motivos religiosos ou doutrinais. Em nome do nosso compromisso com o povo brasileiro, declaramos publicamente o nosso voto em Dilma Rousseff e as razões que nos levam a tomar esta atitude:
3. Consideramos que, para o projeto de um Brasil justo e igualitário, a eleição de Dilma para presidente da República representará um passo maior do que a eventualidade de uma vitória do Serra, que, segundo nossa análise, nos levaria a recuar em várias conquistas populares e efetivos ganhos sócio-culturais e econômicos que se destacam na melhoria de vida da população brasileira.
4. Consideramos que o direito à Vida seja a mais profunda e bela das manifestações das pessoas que acreditam em Deus, pois somos à sua Imagem e Semelhança. Portanto, defender a vida é oferecer condições de saúde, educação, moradia, terra, trabalho, lazer, cultura e dignidade para todas as pessoas, particularmente as que mais precisam. Por isso, um governo justo oferece sua opção preferencial às pessoas empobrecidas, injustiçadas, perseguidas e caluniadas, conforme a proclamação de Jesus na montanha (Cf. Mt 5, 1- 12).
5. Acreditamos que o projeto divino para este mundo foi anunciado através das palavras e ações de Jesus Cristo. Este projeto não se esgota em nenhum regime de governo e não se reduz apenas a uma melhor organização social e política da sociedade. Entretanto, quando oramos "venha o teu reino", cremos que ele virá, não apenas de forma espiritualista e restrito aos corações, mas, principalmente na transformação das estruturas sociais e políticas deste mundo.
6. Sabemos que as grandes transformações da sociedade se darão principalmente através das conquistas sociais, políticas e ecológicas, feitas pelo povo organizado e não apenas pelo beneplácito de um governante mais aberto/a ou mais sensível ao povo. Temos críticas a alguns aspectos e algumas políticas do governo atual que Dilma promete continuar. Motivo do voto alternativo de muitos companheiros e companheiras Entretanto, por experiência, constatamos: não é a mesma coisa ter no governo uma pessoa que respeite os movimentos populares e dialogue com os segmentos mais pobres da sociedade, ou ter alguém que, diante de uma manifestação popular, mande a polícia reprimir. Neste sentido, tanto no governo federal, como nos estados, as gestões tucanas têm se caracterizado sempre pela arrogância do seu apego às políticas neoliberais e pela insensibilidade para com as grandes questões sociais do povo mais empobrecido.
7. Sabemos de pessoas que se dizem religiosas, e que cometem atrocidades contra crianças, por isso, ter um candidato religioso não é necessariamente parâmetro para se ter um governante justo, por isso, não nos interessa se tal candidato/a é religioso ou não. Como Jesus, cremos que o importante não é tanto dizer "Senhor, Senhor", mas realizar a vontade de Deus, ou seja, o projeto divino. Esperamos que Dilma continue a feliz política externa do presidente Lula, principalmente no projeto da nossa fundamental integração com os países irmãos da América Latina e na solidariedade aos países africanos, com os quais o Brasil tem uma grande dívida moral e uma longa história em comum. A integração com os movimentos populares emergentes em vários países do continente nos levará a caminharmos para novos e decisivos passos de justiça, igualdade social e cuidado com a natureza, em todas as suas dimensões. Entendemos que um país com sustentabilidade e desenvolvimento humano como Marina Silva defende só pode ser construído resgatando já a enorme dívida social com o seu povo mais empobrecido. No momento atual, Dilma Rousseff representa este projeto que, mesmo com obstáculos, foi iniciado nos oito anos de mandato do presidente Lula. É isto que está em jogo neste segundo turno das eleições de 2010."
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