Análise
André Gonçalves, correspondente em Brasília.
Serra volta à "oposição". Agora é tarde
Foi preciso aproximar-se da derrota ainda no primeiro turno e ter a filha vitimada por um escândalo de espionagem para José Serra (PSDB) se olhar no espelho e lembrar que é o candidato da oposição. Parece tarde.
Ontem, ele tentou nitidamente recuperar o tempo perdido nos dois debates anteriores, realizados pela Bandeirantes e pelo portal UOL. Se antes o "Zé" se apresentava como o candidato com currículo compatível ao do "Lula da Silva", agora ele só quer ser o oposto de Dilma.
O tucano usou todas as forças para colocar a adversária na parede. Perguntou sobre a destrambelhada relação do governo com o Irã e surfou nas perguntas sobre a quebra de sigilo fiscal promovida por militantes petistas contra pessoas ligadas ao PSDB.
O problema, para ele, é que Dilma está mais treinada do que nunca. Mesmo com problemas na voz e um nítido cansaço, ela conseguiu fugir da pancadaria muitas vezes exagerando no corpo mole, é verdade.
A ex-ministra também foi claramente privilegiada pelo formato do debate. Engessado, o espaço permitiu respostas em apenas 1m30s, tempo irrisório para formular qualquer raciocínio mais complexo.
Encontros como o realizado pela RedeTV!/Folha só reforçam a tese de que as campanhas dos presidenciáveis até aceitam debater, desde que isso acrescente pouco ou quase nada para o eleitor. Em resumo, é como jogar em um campo moldado para beneficiar aquele que não quer perder.
A questão é que Dilma precisava levar uma goleada em rede nacional para ser ameaçada. Privilegiada pelas regras e bem treinada pelos marqueteiros, ela pode até não ter se saído esplêndida (afinal, enfrentar três rivais não é moleza), mas isso não deve significar qualquer grande prejuízo eleitoral.
O fato é que, mesmo que Dilma tenha perdido, isso não significa que Serra, agora "homem da oposição", tenha vencido.
O suposto envolvimento da ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, ex-braço-direito de Dilma Rousseff (PT), em um esquema de lobby para cobrar propina de empresários interessados em fazer negócios com o governo federal e o escândalo de quebra de sigilos fiscais de tucanos e da filha de José Serra (PSDB) centralizaram o debate realizado na noite de ontem pela Rede TV! em parceria com o jornal Folha de S. Paulo. Além de Serra e Dilma, o encontro teve as participações dos presidenciáveis Marina Silva (PV) e Plínio de Arruda Sampaio (PSol). Quando perguntada se colocaria a "mão no fogo" por Erenice Guerra, Dilma disse que tem "até hoje a maior e a melhor impressão da ministra". A petista disse que a acusação publicada pela revista Veja deste fim de semana se refere ao filho de Erenice (Israel Guerra) e deve ser apurada de maneira rigorosa. Dilma afirmou que não vai aceitar ser julgada. Para ela, esse assunto é do governo e não da candidatura. "Não concordo, não vou aceitar que me julguem pelo filho de uma ex-assessora. Trata-se de uma obra eleitoreira e sistemática contra a minha pessoa", afirmou.
O debate de ontem foi o primeiro encontro entre os candidatos à Presidência desde os escândalos de quebra de sigilo fiscal pela Receita Federal e do caso Erenice. Dilma e Serra trocaram acusações duras. A petista acusou o tucano de querer ganhar a eleição "no tapetão". Serra disse que o governo federal persegue oponentes. "O PT usa a democracia de usar o aparato legal para proteger os companheiros e perseguir adversários", disse o tucano. "A Casa Civil é um foco de problemas de corrupção."
Receita
Sobre a quebra de sigilos de dados fiscais, Dilma disse que que "é preciso investigar doa a quem doer o vazamento da Receita Federal". A candidata do PT, no entanto, afirmou que as denúncias estão sendo usadas politicamente. "Discordo dessa espécie de malabarismo de vincular esse vazamento à minha campanha. Em setembro e outubro do ano passado, quando houve irregularidades, não havia campanha. Além disso, os vazadores não são só do PT." A petista disse que, em um eventual governo seu, fará com que os responsáveis por vazamentos sejam punidos.
Serra descartou o uso político da quebra do sigilo para ganhar pontos na eleição. "O que eu deveria fazer, agradecer por ter invadido os dados da minha filha, do meu genro?", questionou. "É um assunto importante para democracia."
Outro temas, como o apoio do Brasil ao Irã e o meio ambiente, também foram abordados no debate. No último bloco, em que candidatos respondiam a perguntas de candidatos, o representante do PSol questionou o tucano sobre a política econômica e Serra disse que, se eleito, irá reduzir a taxa de juros. Perguntada por Dilma sobre suas propostas para a redução da pobreza no campo, Marina Silva defendeu a agricultura familiar e políticas de investimento para aumentar a produtividade no campo.
No primeiro bloco do debate, os candidatos tinham de mencionar o principal sucesso e o principal fracasso do atual governo. Dilma evitou falar sobre os fracassos e enalteceu a distribuição de renda, os ganhos sociais e a geração de empregos do governo Lula. Serra, por outro lado, apontou os escândalos do mensalão, o dossiê dos aloprados e as violações dos sigilos da Receita Federal. Ele também criticou a falta de investimentos em setores como saneamento, saúde e educação.
Plínio de Arruda Sampaio criticou o Bolsa Família por ser, segundo ele, uma solução paliativa. "Só resolve o problema de hoje. E a Dilma já disse que vai restringir gastos, ela já deu o toque", afirmou. Marina Silva, afirmou que nos últimos 16 anos houve um grande retrocesso na política. "Avançamos no social e na economia, mas na política retrocedemos", disse.
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