Assuntos polêmicos como a implantação do voto distrital misto, obrigatório ou facultativo e outros sistemas eleitorais são discutidos em época de eleição. Segundo a professora e cientista política Rachel Meneguello, antes de qualquer mudança no sistema eleitoral brasileiro, a sociedade precisa descobrir o que realmente deve ser feito no país. Ela diz acreditar que a iniciativa popular é o melhor caminho para uma reforma política eficaz. Rachel analisou, em entrevista para a Gazeta do Povo, o cenário atual da política no Brasil. Para a professora, as pesquisas mostram que a oposição está perdendo fôlego, e que isso, caso consolide no dia 3 de outubro, será péssimo para a democracia. O que a senhora acha do atual cenário da campanha nacional e o desempenho dos partidos nestas eleições?
A campanha da Dilma [Rousseff] vai indo muito bem porque ela está baseada no governo Lula, na própria personalidade do presidente. E também há resultados desse governo que permite que ela suba nas pesquisas. Acho que tem um ponto negativo em tudo isso. Não o fato da Dilma estar na frente. O ponto negativo é que estamos perdendo a força de uma oposição e isso é ruim para a democracia. Não vejo nenhum ponto positivo em não ter mais um partido conservador, que sabe argumentar, que é o caso do DEM que praticamente desapareceu nessa campanha com uma proposição específica à direita. Não é o caso de ver positivamente o PSDB sem rumos para a sua própria campanha, porque ainda não encontrou a forma de dar conta do sucesso do candidato do governo. Então esses pontos, pensando na democracia como um todo, são negativos para o funcionamento. Mas também há resultados desse governo, pontos positivos, que deixam a candidata Dilma bem. O problema parte para o outro lado. O problema é da oposição que não conseguiu se definir. A oposição deixou de fazer seu papel?
Sim, não sabe fazer isso. Não soube fazer isso ano passado, no ano anterior. Fora as questões internas partidárias, as dificuldades de lançamento de candidato, a dificuldade do lançamento de um vice-presidente no momento correto. São questões de organizações internas do partido. Já faz tempo que o PSDB não consegue mostrar para a população brasileira qual é sua alternativa. Em que medida a alternativa tucana se contraporia positivamente a proposta do governo Lula. Quais são as principais novidades políticas nestas eleições?
Aí temos de ponderar os resultados do próprio governo para a população brasileira. Estamos em um momento da democracia em que esse voto de massas, o voto das populações que de fato foram beneficiadas neste governo, esse é o voto que vai daqui pra frente decidir os governos. Este governo foi o que o beneficiou. Tudo bem, é uma continuidade de algumas políticas que Fernando Henrique [Cardoso] tinha iniciado, mas o governo Lula aprofundou essas mudanças, atingindo um contingente de famílias e pessoas que são eleitores. Não se trata de ver nisso o populismo, é um equívoco esse tipo de análise que considera a política feita pelo Lula como uma política populista. Foi sim uma política fundada num projeto de partido, mas com um presidente que é maior do que o próprio partido pela sua figura pessoal, por sua trajetória, e que deu conta de responder a demandas de um contingente enorme. Então não é o fato da Dilma ter sido chefe da Casa Civil que a leva a se sobressair. Ela se sobressai porque de fato carrega os benefícios que este governo fez por um contingente de eleitores que decidem as eleições. E acho que essa é a tendência daqui pra frente. Por que os brasileiros não acreditam na política?
Esse não é só um fenômeno brasileiro. Várias pesquisas internacionais mostram que esse desgosto com a política, esse afastamento, é mais generalizado. Seja porque a política tal como ela é feita hoje, com os partidos, com os parlamentos, não está respondendo às necessidades dos indivíduos e as pessoas se sentem distantes de tudo isso; ou porque de fato tem crises internas, escândalos que vão afastando cada vez mais os indivíduos de se interessar pela política. E esse é um dos motivos da minha defesa pelo voto obrigatório. No sentido de que nós temos o dever de construir a democracia; ela não é só um direito, é um dever cívico. E numa sociedade desigual como a nossa, onde as informações são desigualmente consumidas, tem gente que lê mais sobre política, outras menos, e essas pessoas todas fazem parte de um sistema. Então é nossa obrigação nos interessar minimamente pela política, e esse mínimo é o voto. Não podemos abrir mão deste canal. Sobre a questão do voto obrigatório, caso fosse facultativo, quais seriam as mudanças no âmbito das campanhas eleitorais?
Se o voto virar facultativo, talvez a grande mudança seja nas campanhas. Os candidatos terão que motivar as pessoas a votar. Motivar o leitor a ser atraído pela política. Essa é a parte de maior impacto porque os candidatos irão ter de tirar do seu tema de campanha as questões mais subjetivas que poderia estar tratando, políticas sociais, políticas públicas e vão ter de se voltar para essa atração. Na sua opinião, a implantação do voto distrital misto acarretaria numa renovação na política?
Teoricamente sim, mas daqui a muito tempo. O voto distrital é de fato um canal para a aproximação do parlamentar com o eleitor. Essa mudança é importante em qualquer democracia, só que no caso brasileiro ela não pode vir sozinha. Imagina o que significa ter aproximação de candidatos e parlamentares com seus eleitores no estado de São Paulo, onde é altamente competitivo. Ou como no Acre e Amazonas, onde a competição é muito menor e a questão do distrito tem outro desenho. Então ela pode aperfeiçoar a democracia, nós só não sabemos o que queremos resolver no caso brasileiro para saber se o distrital é de fato a melhor saída.
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