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Falta estímulo para despertar consciência de coletividade, diz sociólogo

O sociólogo e professor da PUC-PR Lindomar Wessler Boneti é enfático ao afirmar que, nas comunidades em que há maior participação popular nas atividades e discussões do dia a dia, a tendência é de que as pessoas votem com mais consciência ao escolher seus representantes. Segundo ele, o envolvimento de todos nos assuntos que dizem respeito à comunidade faz surgir o sentimento de que é necessário buscar soluções coletivas -- e não apenas individuais -- para os problemas. Na opinião de Boneti, porém, é preciso que haja mais estímulos para que esse debate ocorra -- papel que ele atribuiu, em boa parte, à imprensa.

Qual a importância da iniciativa de pessoas comuns em prol da comunidade, substituindo o papel dos políticos em determinados casos, nos quais há omissão do poder público?

É extremamente importante o envolvimento das pessoas não vinculadas ao poder político em prol da comunidade. Assim, qualquer pessoa exerce um papel político. Mas eu penso que existem papéis diferentes entre o exercício do papel político do cidadão e o exercício do papel político das administrações públicas e mesmo dos parlamentares. Não cabe aos cidadãos a ação direta, isto porque o controle social está em mãos do Estado. Mesmo que se constitua de uma ação executada por meio de uma ONG, sempre se tem -- e deve ter -- o acompanhamento e o controle do Estado. Cabe ao cidadão a organização política da comunidade, a discussão das melhorias da comunidade, a busca de soluções, a reivindicação.

Como isso influencia na participação cidadã das pessoas de maneira geral?

Na medida em que a comunidade é envolvida, formal ou informalmente, na discussão política sobre questões que envolvem a própria comunidade, cria-se um ambiente político, de participação, de exteriorização da opinião pública.

Isso inclui também a maior conscientização política, inclusive no momento do voto?

Quando a comunidade cria um ambiente de discussão sobre o que se quer para a comunidade ou para a cidade, as pessoas criam uma consciência de coletividade. A consciência de coletividade é a conclusão de que a busca de soluções individuais -- como é o caso de vender o voto ou votar em qualquer pessoa sem ponderação -- não é vantajosa para a comunidade e tampouco para si próprio. Assim, o envolvimento das pessoas no debate das necessidades e da busca de soluções para a comunidade ou para a cidade forma a consciência coletiva dos cidadãos. Como consequência, as pessoas irão ponderar em quem votar, buscando informações do passado da pessoa candidata e se perguntando sempre até que ponto aquela pessoa pode contribuir com a comunidade ou com a cidade.

O que falta para que as pessoas entendam como a política está presente no dia a dia de todos?

Falta mais estímulo, mais discussão para despertar essa consciência de coletividade nas pessoas. Na medida em que participa do debate, a pessoa se envolve com as questões, opina e começa a perceber que a busca de soluções individuais não é viável, que as soluções coletivas são as que realmente trarão benefícios, inclusive para a própria individualidade. E a imprensa tem muito o que contribuir para estimular esse debate, como no caso dos Diários Secretos, mostrado pela Gazeta do Povo e pela RPC TV. De uma forma ou de outra, essas informações chegaram aos mais diversos lugares, incluindo aí os bairros mais distantes e da periferia.

Até que ponto escândalos como esse da Assembleia Legislativa do Paraná contribuem por afastar as pessoas da participação política?

Não devemos postular a ingenuidade de que este tipo de prática política é própria do momento atual. O que é próprio do momento atual é o escândalo. Isto é, o escândalo acontece quando a opinião pública se inteira do ocorrido. Não penso que este tipo de escândalo afaste a população de sua participação política. Ao contrário, é motivo de maior participação política da população por meio do debate público. Vejo, portanto, com muito otimismo o nosso momento político, quando práticas políticas antigas estão sendo levadas ao debate público. (ELG)

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Fernando de Gois pode ser considerado, no mínimo, um caso atípico. Enquanto o sonho de boa parte dos brasileiros é conseguir a casa própria, o desejo dele é viver nas ruas de Curitiba. Tudo para retirar das drogas e da criminalidade jovens sem qualquer perspectiva de vida que perambulam sem rumo pela capital do estado. A história de vida de Fernando é apenas um exemplo de como cidadãos comuns tomam para si responsabilidades que deveriam ser cumpridas pelo poder público e conseguem melhorar o cotidiano das pessoas. Iniciativas como essa mostram que nem só de políticos vive a política. Na verdade, ela está presente nas ações que cada cidadão realiza diariamente.

Ex-frade carmelita, Fernando descobriu o que chama de sua "bandeira de luta" quando viveu no Nordeste do país, ainda como religioso. "Vi toda aquela miséria, principalmente de crianças e adolescentes, e percebi que nisso sim eu poderia ser útil", conta. Ele, então, mudou-se para Curitiba e foi viver em uma favela na Vila Lindoia, onde começou a trabalhar com jovens. Mais uma vez, no entanto, ainda sentindo-se menos útil à sociedade do que deveria, decidiu morar nas ruas ao lado dos jovens que escolheu ajudar para o resto da vida.

A realidade encontrada por Fernando, porém, era ainda mais dura do que ele imaginava. "Cansei de enterrar meninos mortos pelas drogas e pela violência. Como o que eles mais me pediam era um lugar para morar, decidi me mobilizar", afirma. Utilizando a ideia de um dos garotos de rua que ajudava, passou a tentar arrecadar fundos para a compra de uma chácara. A congregação alemã Irmãs da Divina Providência doou 80% do dinheiro, enquanto o restante seria doado por Rosy Pinheiro Lima, dona do extinto Cine Glória, na Praça Tiradentes. "Bem nesses dias, um grupo de meninos roubou uma loja de sapatos ao lado do cinema e acabou colocando fogo em tudo. Ainda assim, ela (Rosy) nos ajudou com o dinheiro", lembra.

No dia 2 de outubro de 1993, entrou em funcionamento a Chácara Os Meninos de 4 Pinheiros, instalada em Mandirituba, na região metropolitana de Curitiba. Atendendo jovens de sete a 18 anos, a entidade oferece aulas de informática, música, dança, Inglês, além de desenvolver atividades agropecuárias. "Utilizamos quatro ferramentas pedagógicas: ouvir, acolher, cuidar e transformar. Mas a principal palavra é solidariedade", diz Fernando, que atua como coordenador da organização.

Incentivador do projeto desde que ele foi fundado, o procurador-geral de Justiça, Olympio de Sá Sotto Maior, afirma que todos os jovens que vivem nas ruas merecem ser tratados com respeito e dignidade, sobretudo porque "nenhum deles escolheu viver à margem da sociedade". "Eles precisam ser tratados com cidadania, com uma aproximação feita adequadamente, e não apenas com o camburão social", argumenta. Um dos autores do Estatuto da Criança e do Adolescente, Sotto Maior defende que os jovens devem ter lugar "na família, na escola e também nos orçamentos públicos" e sempre receber tratamento prioritário, conforme prevê a Constituição Federal.

Considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) um dos "50 Jeitos Brasileiros de Mudar o Mundo", a chácara, que hoje atende 81 jovens, já mudou a vida de aproximadamente 400 ex-meninos de rua. "Mas, por mais feliz que eu fique com o projeto, ainda há meninos morando nas ruas. Por isso, ainda quero voltar para as ruas e me solidarizar com aqueles que não têm nada", revela Fernando.

Exemplo de vida

Nascido em Cidade Gaúcha, no noroeste do Paraná, Elias Bonfim veio para Curitiba em 1999 para encontrar outra oportunidade na vida que não fossem as usinas de cana-de-açúcar ou a roça. Depois de trabalhar como auxiliar de pedreiro e de ferramenteiro, virou professor de Informática e Cidadania do extinto Comitê para a Democratização da Informática do Paraná (CDI-PR), na Vila Pantanal. No entanto, apesar do reconhecimento da comunidade, tinha poucas opções de trabalho e pensava em voltar para a sua cidade natal. Foi então que, com a ajuda de um homem que ele sequer conhecia, conseguiu uma bolsa de estudos em um cursinho pré-vestibular e uma vaga de emprego. "A história do Elias mexeu comigo. Como um cara que se esforça tanto não tem uma chance, uma oportunidade? Não tive dúvidas em ajudá-lo", conta o executivo Clecio Chiamulera.

Após dois anos de cursinho, Elias ingressou no curso de Sistemas de Informação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). A aprovação empolgou o jovem, que, mais uma vez com o auxílio de Clecio, foi em busca de recursos para montar um cursinho gratuito para quem não tivesse condições de pagar um particular. Foi assim que, em 4 de março de 2004, surgiu a Organização Não Governamental (ONG) Formação Solidária, inspirada na história de sucesso de Elias. Destinada a jovens que tenham feito o Ensino Médio na rede pública e cuja renda não ultrapasse um salário mínimo (R$ 510), a ONG saiu de uma única aprovação no primeiro ano de atividade para 56 em 2009 -- no total, são 222 alunos que já conseguiram entrar no Ensino Superior. Contando hoje com 29 professores voluntários, o cursinho oferece aulas de segunda a sábado a 140 alunos, em uma escola estadual no bairro Boqueirão.

Coordenador do cursinho desde que ele foi fundado, Elias afirma que, por mais dificuldades que a ONG enfrente, não pretende deixar "a peteca cair". "Se transformarmos a vida de um só, já valeu à pena. É muito gratificante, porque acabo me vendo em muitos alunos", comemora.

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