Na cabeça
Conheça alguns dos programas que o coletivo Casa da Videira desenvolve.
1 "Do meu lixo cuido eu". Composteiras fechadas, com minhocas e torneirinhas para liberar o chorume, são mantidas no fundo do quintal para curtir lixo orgânico. Depois o material é usado nas hortas familiares.
2 Hortas caseiras. São plantadas em pequenas áreas, com o uso de técnicas agrícolas adaptáveis a pequenos espaços. Resgate de plantas como a "Ora pro nobis", cuja folha tem alto poder nutritivo.
3 Alimentos. Produção de manteiga, doces e geleias. Leite vem de sítios de agricultura orgânica em Campo Magro.
4 "Sacolas da videira". Opção à sacola de plástico. São feitas com calças jeans velhas.
5 Sabão da liberdade. Óleo de cozinha usado é recolhido para fabricar sabão, que é vendido, a preços módicos. Embalagem à moda antiga: em papel jornal, amarrada com fio de juta.
6 Jardins livres. Coletivo planta hortas e flores em áreas baldias usadas para outdoors, abrigo de mendigos e de usuários de crack.
7 Bicicleta branca. Criação de entreposto na Rua Pedro Nico para que a população possa emprestar bicicleta para percorrer distâncias de até seis quilômetros.
Quem passa pela Rua Pedro Nico, no Mossunguê, pode até imaginar o que acontece por aquelas bandas: umas poucas casas de madeira de Clotildes e Teresas dividem espaço com condomínios de luxo e espigões que se erguem do chão, anunciando que a Curitiba de antigamente não mora mais ali.Mas não é o caso. Apesar das muralhas e da imponência da Ecoville, um movimento urbano nasce na região mostrando, acreditem, que o tal do mundo novo não é coisa de ficção. Ali, um bosque, o "Dona Justina", está sendo cuidado pelos moradores. O condomínio produz pouco lixo e abriga ovelhas. Há hortas caseiras e relações de vizinhança tal e qual nos tempos da nonna Pina.À frente dessa história está o ex-dentista fluminense Cláudio Oliver, 53 anos, morador de um condomínio de luxo, desses com piscina, porteiro e um quintal de mato verde, ao fundo, para deleite das 30 famílias que pagaram para respirar ar puro e se proteger da violência. Eis um convite ao pouco caso mas não foi o que se deu.
O tal do "mato ao fundo" virou motivo de conversa entre Cláudio e os condôminos, assim que ele, a pediatra Kátia e a filha do casal, Giovana, se mudaram para a Pedro Nico. O que o bom falante versado em línguas, Filosofia, Teologia e estudioso aplicado de sociedade sustentável argumentou, não se sabe. O fato é que em pouco tempo as ovelhas negras Rita Lee e Beto (de Roberto de Carvalho) passaram a circular livremente pela muralha, alterando a paisagem, e sinalizando não se tratar de um lugar qualquer.
O segundo passo foi dado nos limites do sobrado dos Oliver, uma espécie de Cabo Kennedy em miniatura, de onde lança suas ideias. Num terreninho de 40 metros quadrados o "ativista cristão", como prefere ser chamado, plantou uma horta que lhe rende 350 quilos de alimentos por ano e desenvolveu um processo de compostagem de lixo orgânico.
"Aqui fica todo o lixo da casa", avisa, referindo-se às caixas pretas de plástico, todas vedadas, com minhocas a bordo, empilhadas num canto do muro, e nada mais. Detalhe: dá para o vizinho vê-las pelo muro, o que bastou para que um, e depois outro, adotasse a prática revolucionária como um levante. Da experiência nasceu um dos muitos slogans de mister Oliver: "Do meu lixo cuido eu".
Em paralelo, o animado Cláudio lotou seu "armário de Nárnia", na despensa, com potes e potes de geleias caseiras que divide, claro, com os mais próximos. Também fabrica sacolas de pano e promove jantares "naturebas" no quintal da village, entre outros mimos que o tornam o boa praça do pedaço.
De tão simples e tão fácil com exceção de um condômino todos aderiram à compostagem, ao recolhimento de óleo de cozinha para fazer sabão, à coleta de pó de café usado, entre outros segredos de salvamento do meio ambiente que meio planeta conhece, aprova, mas não sabe como dar conta.
Pois Cláudio tem a resposta. "Fale com seu vizinho, ora", diz, a postos para explicar por que as duas quadras do Mossunguê em que transita estão prestes a se tornar um modelo municipal de gestão comunitária. A boa e velha conversa, seguida de negociação e senso de limite se encarregam do resto. E o resto é que são elas: as ações nascidas no sobrado 6 já atravessaram a rua e atingiram um pequeno núcleo de antigas casas de madeira.
É preciso ir ao começo. Até pouco tempo, Oliver e um grupo de 70 entusiastas administravam a bem-sucedida ONG Casa da Videira, na Vila Fanny. O espaço se tornou uma referência "brincante", oferecendo oficinas audiovisuais para adolescentes em situação de risco. Ou não. O Canal Futura se interessou pelo projeto e assim permanece até hoje, reproduzindo em parceria os vídeos feitos na organização.
Mas a turma da ONG queria mais e decidiu levar à risca o termo "casa", mudando para uma melhor, para cinco. Não foi complicado. Em vez de habitarem um único local, passaram a formar uma rede de militantes debruçados no portão. Tal como previsto, o milagre das videiras se deu. Em especial na Rua Pedro Nico. Além de Cláudio e família, mora por lá o casal de educadores Eduardo e Débora Feniman, vinculados ao projeto, inquilinos de uma duas águas modelo "vovó."
O termo "zona de influência", tão usado por comunicadores, encontrou ali um case doméstico. Cláudio, Eduardo e Débora têm cativado a redondeza para os ditames da vida simples. Em vez de supermercado, compram no armazém do seu Gabriel. E carregam tudo no tuperware. O trio almoça junto todos os dias, cria galinhas, cultiva a terra, faz sabão para vender, capta água da chuva. Detalhe: não se vê mosca nem se sente mau cheiro.
"O pessoal acha que não dá tempo para essas práticas. Mas o segredo é fazer tudo de forma coletiva. Não gasto mais do que quatro horas por dia nas tarefas", explica Eduardo, que estuda Pedagogia na UFPR e vive com R$ 2 mil por mês. "Meu grande trabalho é descobrir o que fazer com as coisas que as pessoas descartam."
Por tempo, entenda-se muito mais do que dar de comer às galinhas responsáveis instantâneas pelo consumo do lixo do coletivo e dos simpatizantes. A moçada da Videira deu de ocupar terrenos baldios, onde planta árvores e espalha odes de amor à natureza. Típicos "agricultores urbanos", chegam de Kombi e em regime de mutirão trocam o mato pelo canteiro de flores. "Será que é possível resgatar o homo sapiens?", indagam-se.
A prefeitura já ralhou com essas ações. Mas a turma das Casas da Videira é afiada. Lembra aos fiscais que é melhor um canteiro do que uma área baldia para fumar crack. O mesmo se diga das galinhas. "Ah! Ter 20 cachorros pode, né...", esbravejam. Como no Mossunguê das antigas todo mundo tinha granjas e pés-de-quê, a volta dos tempos de antanho não tem causado guerrilhas no 156.
Para quem achou essa história uma viagem, o coletivo avisa que vem mais. Um dos planos é tratar do próprio esgoto. O outro é viver com cada vez menos dinheiro. Quem quiser, que os siga. "Para 2011, vou abandonar o cartão de crédito", avisa Cláudio, que está 80% sem carro em 2010 e se prepara para implantar o programa "Bicicleta Branca" na Pedro Nico. É só chegar, pegar a bike, e seguir. A devolução fica por conta da consciência do usuário.Melhor não duvidar. Cláudio é um ser conectado. A experiência da Videira, nesse momento, está sendo debatida em um encontro na República Dominicana, para falar de um dos países em que gerou entusiasmo. Amparado nas teorias do norte-americano John McKnights, um papa na relação entre vizinhança e desenvolvimento, o ativista do Mossunguê ganha o mundo comendo morangos do quintal.
Com sorte, seu vizinho mais ilustre, o pré-candidato ao governo Beto Richa, pode dar um passeio pela Pedro Nico e confirmar com os próprios olhos esse sururu dos arrabaldes. Há pelo menos de concordar com uma das máximas de Cláudio "esqueça o idealismo. Aqui, um outro mundo acontece".
Símbolo da autonomia do BC, Campos Neto se despede com expectativa de aceleração nos juros
Após críticas, Randolfe retira projeto para barrar avanço da direita no Senado em 2026
Novo decreto de armas de Lula terá poucas mudanças e frustra setor
Brasil cai em ranking global de competitividade no primeiro ano de Lula
Deixe sua opinião