Uma década depois, legado já não é tão malvisto
Os governos de Fernando Collor, Itamar Franco e, principalmente, o de Fernando Henrique Cardoso enfrentaram fúria popular por diversas vezes por decidirem privatizar empresas públicas. Especialmente em alguns casos (CSN, Vale do Rio Doce, empresas do setor elétrico e de telefonia) houve críticas pesadas ao processo.
Numa campanha presidencial marcada mais por ataques do que por propostas, poucos assuntos realmente relevantes para o país foram objeto de discussão entre os candidatos. Uma exceção à regra acabou sendo as privatizações. Segundo especialistas, porém, o tema é importante em termos. Por um lado, ajuda a debater o tamanho ideal do Estado, o que é sempre positivo. Por outro, não parece haver nenhuma privatização no horizonte brasileiro, seja quem for o vencedor da disputa eleitoral. Portanto, o debate inteiro pode ser inócuo.
"Parece que estamos vivenciando um processo eleitoral do início dos anos 90", diz Giuliano Contento de Oliveira, professor do Instituto de Economia da Unicamp. Para ele, parece que entramos todos numa máquina do tempo quando se assiste à discussão entre petistas e tucanos. De um lado, o PT afirma que José Serra, se eleito, irá voltar a fazer privatizações, como ocorreu no governo Fernando Henrique Cardoso. De outro, Serra jura que não é assim e diz que o PT é que vendeu dois bancos em sua gestão. "É um debate que está aí em caráter meramente eleitoreiro. Não vai haver privatizações no próximo governo", afirma.
Na opinião do professor, as instituições estatais que restaram no país são estratégicas em seus setores e apenas um partido mais à direita do que os que estão na disputa cogitaria vendê-las. "Ninguém vai pensar em vender um Banco do Brasil, uma Petrobras. São empresas que tem um papel importante, inclusive de regulação de mercado, em algumas situações", afirma.
O professor Antonio Correa de Lacerda, do Departamento de Economia da PUC-SP, concorda. "A privatização não pode nunca ser um fim em si mesma. Tem que ser feita quando é necessária para atingir algum objetivo. Mas hoje não vejo nenhuma estatal brasileira que enfrente essa necessidade", afirma.
De acordo com Lacerda, a própria conjuntura internacional é desfavorável à defesa de venda de estatais ao contrário do que ocorria alguns anos atrás. "Depois da crise econômica por que o mundo passou dois anos atrás, os estados viram que precisam estar mais fortes, não mais fracos", diz. Portanto, a venda de patrimônio iria na contramão do movimento mundial neste momento.
Ideologia
Professor da PUC-Rio, José Marcio Camargo concorda que não vai haver privatizações. Mas discorda do motivo: para ele, a ausência de privatizações num futuro próximo se deve não a um cenário econômico, e sim à ideologia que se tornou dominante nos últimos anos no Brasil. "O PSDB não soube defender as privatizações. E não conseguiram valorizar um processo que foi muito positivo", diz.
Energia
Para Camargo, Serra faz parte de um grupo do PSDB que jamais vai defender a venda de empresas públicas. O que, na opinião dele, "é uma pena". Segundo o professor, haveria espaço, por exemplo, para fazer novas privatizações no ramo da energia elétrica. "Algumas distribuidoras foram vendidas, mas as geradoras, não. Isso é uma das explicações para ter havido problemas de fornecimento no país. As distribuidoras, se fossem privadas, poderiam ser mais eficientes", diz.
Outro exemplo em que a abertura da iniciativa privada maior seria bem vista por Camargo é a exploração do petróleo na camada pré-sal justamente uma das privatizações que Dilma Rousseff (PT) diz que Serra faria se estivesse na Presidência. "O governo exige que a Petrobras tenha 30% de participação em todos os negócios. Nenhuma empresa do mundo tem capacidade para participar de tudo isso. E esse é um fator que pode atrasar o desenvolvimento da exploração", afirma.
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