Na forma da lei
Entenda as mudanças estabelecidas pelo STF nas regras eleitorais para emissoras de rádio e televisão:
- Por 6 votos a 3, os ministros suspenderam há uma semana dois trechos da Lei 9.504/1997, que estabelece normas para as eleições.
- Os textos estavam contidos nos incisos 2 e 3 do artigo 45, que têm a seguinte redação:
- A partir de 1º de julho do ano da eleição, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário:
- Inciso 2- usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito;
- Inciso 3- veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes.
- O STF suspendeu todo o inciso 2 e o seguinte trecho do 3: difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes.
- Segundo o voto do ministro-relator do processo, Carlos Ayres Britto, a manifestação de opinião deve ser feita em "editoriais", mas não especificou normas. Ele ressaltou que continua vedado "encampar, patrocinar, bancar determinada candidatura".
- Embora libere a manifestação de opinião, a decisão não alterou dois outros incisos do artigo 45. O inciso 4 impede o tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação. O 5 veda veiculação ou divulgação de filmes, novelas, minisséries ou qualquer outro programa com alusão ou crítica a candidato ou partido político, mesmo que dissimuladamente, exceto programas jornalísticos ou debates políticos.
Tribunal preferiu garantir liberdade
Apesar de abrir margem para o favorecimento eleitoral de políticos ligados a emissoras de rádio e televisão, a decisão do STF fortaleceu o conceito de liberdade de expressão estabelecido pela Constituição.
Colocar dentes de vampiro em José Serra, masculinizar a voz de Dilma Rousseff, exagerar na magreza de Marina Silva está tudo liberado. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que modificou a legislação eleitoral há uma semana é celebrada por humoristas como um marco a favor da liberdade de expressão, mas não se limitou às piadas. Emissoras de rádio e televisão também passaram a poder emitir opinião favorável ou contrária a qualquer candidato, na programação normal e no noticiário, prerrogativa que tem pouco a ver com brincadeira.
Diferentemente dos meios de comunicação impressos (como jornais e revistas) e da internet (blogs e sites de notícias), as emissoras de rádio e televisão dependem de concessão estatal para funcionar. A mudança na lei, entretanto, abre brecha para que políticos que possuem ou são ligados a concessões públicas sejam favorecidos durante as campanhas.
Segundo levantamento do Instituto de Estudos e Pesquisas e Comunicação (Epcom), pelo menos 271 políticos são sócios ou diretores de 348 emissoras de rádio e TV espalhadas pelo país. São 147 prefeitos, 55 deputados estaduais, 48 federais, 55 senadores e uma governadora Roseana Sarney (PMDB-MA), acionista do grupo Mirante. A estimativa é subestimada, já que é comum o uso de "laranjas" para disfarçar a atuação no setor.
Além desse conflito de interesses, a decisão do STF entra em choque com o conceito de concessão pública. "Na medida em que o Estado concede o direito para alguém gerir um canal de rádio e televisão e, ao mesmo tempo, é permitido que esse veículo opine durante o período eleitoral, é como se o próprio Estado estivesse emitindo opinião e interferindo no resultado das eleições", diz o especialista em direito eleitoral Guilherme Gonçalves, professor do Centro Universitário Curitiba.
O princípio da Lei 9.504/1997, que estabelece normas para as eleições, procura dar isonomia no tratamento da imprensa aos candidatos. Nesse sentido, as regras são mais restritas para rádio e televisão. "É preciso avaliar que esses meios têm mais poder de persuasão. O telespectador, por exemplo, é muito mais passivo do que o leitor de um jornal", afirma o professor de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná Rodrigo Xavier Leonardo.
O texto possui 107 artigos e as mudanças promovidas pelo STF revogam apenas dois incisos contidos no artigo 45 (veja a íntegra deles no box ao lado). A modificação foi provocada por uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) movida pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). A entidade argumentava que os dispositivos impediam manifestações de humor em programas que pudessem degradar ou ridicularizar candidatos nos três meses anteriores à eleição, o que seria contrário ao direito constitucional à liberdade de expressão.
A ação contou com o apoio maciço de humoristas, que organizaram uma passeata com cerca de 500 pessoas no dia 22 de agosto, no Rio de Janeiro. A pressão impulsionou a Adin, que tramitou em tempo recorde para os padrões do STF. O processo chegou à Corte no dia 24 de agosto; dois dias depois, os incisos foram suspensos em caráter liminar pelo ministro-relator Carlos Ayres Britto; e a decisão foi confirmada em plenário no dia 2 de setembro por seis votos a três.
No julgamento, Ayres Britto tentou estabelecer limites para a veiculação de opiniões. "Nos editoriais é possível fazer críticas. O que não se pode é encampar, patrocinar, bancar determinada candidatura", disse.
Crítica
O presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral, Luiz Fernando Pereira, diz que, dentro desse formato citado pelo ministro, o direito à crítica nunca foi cerceado. Para ele, há uma "polêmica exagerada" em torno da questão. E isso pode levar a uma coação de juízes eleitorais. "A decisão do Supremo e toda a repercussão disso na imprensa podem gerar um receio no Judiciário. Ninguém vai querer posar de inimigo da liberdade de expressão."
Como contraponto, o diretor de assuntos legais da Abert, Rodolfo Machado Moura, explica que a decisão do STF não incentiva ou libera abusos. "Os ministros não deram um salvo-conduto para as emissoras fazerem o que bem entendem." Segundo ele, o uso político da opinião pode ser enquadrado como crime eleitoral de abuso de poder econômico ou de uso indevido de meios de comunicação.
"A Justiça vai se posicionar caso a caso. Na prática, é parecido com o que já ocorre hoje", afirma. A condenação por esses crimes pode levar à cassação do registro de candidatura e a multas entre R$ 20 mil e R$ 50 mil para as emissoras.
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