A eleição de figuras como o palhaço Tiririca, em São Paulo, e de outras celebridades que conseguem se eleger na primeira candidatura reacende a discussão sobre necessidade de uma reforma política e eleitoral. Entre as mudanças sugeridas estão o voto em lista fechada, voto distrital, financiamento público de campanha e o fim do voto obrigatório, todos previstos em projetos que tramitam no Congresso Nacional.
As listas de eleitos para os parlamentos estaduais e federal mostram partidos que crescem, outros que tiveram a bancada diminuída e situações diferenciadas por estado. Mas uma avaliação feita pelo número de votos em cada candidato mostra que, no Brasil, os nomes valem muito mais do que os partidos na decisão do eleitor. O excesso de personalismo é um dos principais problemas apresentados por quem defende uma reforma política e eleitoral para as próximas votações. Tiririca, por exemplo, foi eleito com 1,3 milhão de votos.
A simples mudança na legislação, entretanto, pode não ser suficiente para o fortalecimento das legendas e instituições políticas. "Não é a mudança na regra que vai mudar essa cultura política do personalismo, mas sim uma mudança de conduta e valores", diz a cientista política Maria do Socorro Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Lista fechada
A professora usa como exemplo a proposta da lista fechada, pela qual os partidos indicam a ordem dos candidatos a serem eleitos pela legenda. Teoricamente, a lista fechada é defendida por quem entende que ela fortalece os partidos, o que seria um antídoto ao voto personalista. As lideranças partidárias têm o controle dessa lista e por isso a ordem de entrada nela depende do poder que a liderança tem dentro do partido. "Assim, os que hoje são campeões de voto só se elegeriam se fossem lideranças fortes no partido. Se o nome dele for colocado dentre os primeiros, a responsabilidade pela eleição deles é dos dirigentes do partido, e não do eleitorado", afirma Maria do Socorro. Por outro lado, se atualmente é estratégia dos partidos escolherem algumas celebridades para serem puxadores de voto, nada impede que, mesmo com lista fechada, eles não sejam colocados no topo da lista e o partido divulgue esse fato como forma de atrair votos para toda a legenda.
A adoção da lista também é vista com cautela pela professora de Direito Eleitoral Eneida Desirre Salgado, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). "A lista fechada não é muito democrática, pois a ordem dos nomes é definida pelos dirigentes do partido e no Brasil os partidos não têm um histórico de democracia interna. Teríamos uma renovação dos quadros cada vez menor, uma dominação de fato dos partidos políticos, sem que isso demonstre melhoria do quadro", avalia.
O código eleitoral vigente é bom, na avaliação de Eneida, e poderia ser melhorado com a mudança em dois pontos: a divisão interna das cadeiras (candidatos eleitos na chapa da coligação) de acordo com o peso do voto dado a cada partido dessa coligação e a divisão das sobras de cadeiras entre os partidos que não atingiram o quociente eleitoral, o que, segundo ela, ampliaria a participação dos partidos menores no Legislativo. "Em 1872 se bradava que não era mais possível adiar a reforma eleitoral. De lá para cá, tivemos muitos experimentos: o voto distrital, condições de inelegibilidade, a cláusula de desempenho. Ou seja, estamos sempre mudando, mas a reforma feita nunca é satisfatória porque a análise dela é feita sempre em função do resultado das eleições."
Financiamento
A cientista política da UFSCar ainda lembra que, antes de discutir financiamento público de campanha, é preciso deixar claro que no Brasil já existe um certo financiamento público. "É misto, na verdade, pois para nós que estudamos partidos, tanto o fundo partidário quanto o tempo de televisão é considerado recurso público. Existe uma espécie de cartel entre os grandes partidos para que não se mudem as regras. Pois como o volume de recurso do fundo partidário é definido pelo número de votos, e com isso de cadeiras, os maiores continuam recebendo bem mais do que os menores."
Já o voto facultativo parece ser um tema que merece uma discussão próxima. Em poucos países ele é obrigatório e, onde é facultativo, muda a discussão com a sociedade. "Em pouco tempo o voto obrigatório não fará mais sentido. Porém, o voto fica mais caro porque os partidos que não têm programas mais consistentes e políticas clientelistas não têm muito espaço com o voto facultativo", diz Maria do Socorro. Isso porque, explica ela, os partidos precisam mostrar seus pontos de vista para cada grande tema do país, incentivando o eleitor a decidir votar na defesa de propostas que ele considera importante. E para isso a discussão fica mais qualitativa, o que aumenta os custos.
O fortalecimento dos partidos e das instituições, na verdade, tem a ver com a participação popular na política. "Quanto maior a relação entre a sociedade e as conquistas dos direitos políticos, quanto maior a luta pela conquista dos setores populares na arena política, mais fortes são os partidos. Não adianta apenas os partidos se organizarem no sistema político porque então teremos uma partidocracia, ou seja, um controle dos partidos no processo eleitoral", observa Maria do Socorro.
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