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“O que tirou mais votos dela [de Dilma] foi o caso de corrupção na Casa Civil, envolvendo a ex-assessora dela, Erenice Guerra. (...) A quebra do sigilo de imposto de renda dos tucanos e o aborto tiveram um peso menor" | Wenderson Araujo / Gazeta do Povo
“O que tirou mais votos dela [de Dilma] foi o caso de corrupção na Casa Civil, envolvendo a ex-assessora dela, Erenice Guerra. (...) A quebra do sigilo de imposto de renda dos tucanos e o aborto tiveram um peso menor"| Foto: Wenderson Araujo / Gazeta do Povo

"Tea Party" resgata história americana

O nome "Tea Party", do novo movimento conservador norte-americano, remete a um dos momentos mais importantes da independência dos Estados Unidos, a "Festa do Chá" da cidade de Boston. Em 1773, os colonos ingleses realizaram um protesto contra o governo britânico, destruindo carregamentos de chá que pertenciam à Companhia Britânica das Índias Orientais. Conta a história que eles entraram em navios atracados no Porto de Boston disfarçados de índios e jogaram a mercadoria no mar.

O protesto era contra a criação de novos impostos estabelecida pelo Parlamento do Reino Unido, em Londres. O princípio era de que os colonos só aceitariam pagar taxas criadas por seus próprios representantes. O protesto de certa forma contribuiu para a independência norte-americana, em 1776.

O "Tea Party" atual é um movimento ultraconservador, que segue a luta contra os impostos, mas também incorpora uma série de temas ético-religiosos como a proibição do aborto.

Brasília - Não é apenas no Brasil que uma onda conservadora, pautada por temas ético-religiosos, está influenciando os rumos da eleição. Na reta final da disputa por cadeiras no Congresso norte-americano, o movimento "Tea Party" causa incômodo ao presidente Barack Obama. O fenômeno, pautado pela moral protestante e pela defesa da iniciativa privada, acusa Obama e os democratas de tentarem implantar o socialismo no país.

Para o cientista político David Fleischer, há certa correlação entre os ultraconservadores dos EUA, liderados pela candidata derrotada a vice-presidente Sarah Palin, e a mobilização de religiosos que trouxe à tona a discussão sobre o aborto na eleição entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB). Norte-americano naturalizado brasileiro, Fleis­­cher faz diferenciações ideológicas entre os dois casos. E pondera que o voto conservador no Brasil foi menos preponderante para o resultado no primeiro turno do que o escândalo Erenice Guerra na Casa Civil.

Há correlação entre o movimento conservador da eleição brasileira em torno de temas ético-religiosos e o que acontece nos EUA com o "Tea Party"?

Em termos. Esse movimento que ocorre aqui é mais direcionado em cima de uma candidata [Dilma Rousseff] e é fortemente mobilizado por religiosos radicais das igrejas pentecostais e da Católica. Essa mistura entre religião e política é forte nos EUA, mas não é preponderante no princípio do movimento do "Tea Party". Lá, praticamente não há a mistura entre diferentes grupos religiosos. Quase todos os conservadores desse novo movimento são brancos, protestantes e ricos. Eles embutem a defesa de temas ético-religiosos como a criminalização do aborto, a união entre pessoas do mesmo sexo e pesquisas com células-tronco; mas o mote geral é a defesa do Estado mínimo. O objetivo deles é tirar a intervenção estatal da economia, das políticas sociais. Essa grande intervenção do Estado norte-americano começou nos anos 1930, após a quebra da bolsa de Nova York, em 1929. Aparentemente, o Estado iria assumir essas funções apenas temporariamente. Mas nunca mais largou.

Até onde pode crescer esse movimento nos EUA?

O presidente Barack Obama está numa campanha nacional, cruzando e descruzando os EUA para tentar apoiar e empurrar seus candidatos democratas, especialmente para o Senado. As eleições vão renovar um terço do Senado e toda Câmara Federal. Lá, o mandato de deputado federal é só de dois anos, ou seja, ele nunca sai de campanha. Nessas idas e vindas, Obama vem enfrentando enormes dificuldades. As pesquisas indicam que ele pode perder a maioria no Congresso para os republicanos. Na verdade, há um grande descontentamento de uma parte do eleitorado com o sistema bipartidário.

Já aqui no Brasil, o fator religião foi mesmo preponderante para impedir a vitória de Dilma Rousseff no primeiro turno?

Não tanto quanto se imaginava. As pesquisas sobre os resultados do primeiro turno mostraram que o que tirou mais votos dela foi o caso de corrupção na Casa Civil, envolvendo a ex-assessora dela, Erenice Guerra. Esse escândalo o eleitorado entendeu bem porque já viu esse filme antes no governo Lula com o José Dirceu [ex-ministro da Casa Civil] e também em governos anteriores. A quebra do sigilo de imposto de renda dos tucanos e o aborto tiveram um peso menor. Foi a migração de eleitores da Dilma para a Marina Silva (PV) a dez dias da eleição, sob a força do escândalo Erenice, que tirou a vitória do PT. O Serra não ganhou nada com essa migração.

O tema foi então sobrevalorizado no segundo turno pela campanha petista?

Sim. Internamente é muito mais fácil jogar a culpa em cima da religião do que na Erenice Guerra, que está muito mais associada à Dilma.

Os movimentos dela para atrair o eleitorado religioso foram em vão?

Na verdade, a questão do aborto foi muito neutralizada quando ex-alunas da esposa de José Serra, Monica Serra, disseram que ela falou durante as aulas que fez um aborto nos EUA, em matéria publicada pelo jornal Folha de S.Paulo. Isso furou o balão do Serra.

Qual é o saldo do embate entre os dois candidatos sobre o aborto?

O Serra praticamente deixou de lado essa história. O grande tema da campanha no momento é a pancada que ele levou na cabeça no Rio de Janeiro. Ambos os lados tratam isso como se fosse um assunto de grande relevância política nacional, o que é muito ruim para a eleição.

Qual é a diferença entre o tratamento eleitoral dado ao aborto no Brasil e nos Estados Unidos?

Nos EUA, eles quase não falam abertamente sobre isso. Em 1972, houve uma decisão da Suprema Corte legalizando o aborto, mas com direito a legislações diferentes nos estados. É um assunto mais bem resolvido. Mas o George W. Bush, por exemplo, nomeou mi­­­nistros conservadores na Corte que, mais tarde, podem até derrubar essa decisão. Os candidatos a presidente não falam tão fortemente sobre o tema porque já há uma espécie de consenso. Eles falam, mas só em algumas situações. Aqui no Brasil, neste ano, foi tudo bem mais aberto.

O senhor concorda com a tese de que o Brasil vive a campanha presidencial de nível mais baixo desde 1989?

A de 1989 teve incidentes de bem mais baixo nível. O pior foi quando o Fernando Collor colocou a enfermeira Miriam Cordeiro no horário eleitoral dizendo que recebeu dinheiro do Lula para abortar [Miriam é mãe de Lurian, filha de Lula]. Esse nível não foi atingido. O problema atual é que há um descontrole sobre a internet, onde aí sim a baixaria corre solta.

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