Entrevista
" O sistema de compensação tem de começar a funcionar"
Gilson Carvalho, médico pediatra e consultor do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde.
Por que existe uma insatisfação geral da população com serviços de saúde?
Esta constatação ocorre tanto nos municípios das capitais, como nos municípios de médio e grande porte. As pessoas querem que os serviços de saúde sejam cada dia melhores. Não por capricho, exigência desmedida, mas por busca de satisfação de suas necessidades básicas. A construção do direito à saúde ainda é nova no Brasil. Saímos da condição de indigentes para cidadãos portadores de direitos só a partir de 1988, e o SUS só foi regulamentado em dezembro de 1990.
As prefeituras das metrópoles dizem que parte do problema no atendimento ocorre porque a capital atende à demanda das regiões metropolitanas. Mas o governo federal repassa dinheiro para esse atendimento. Essa justificativa das prefeituras faz sentido?
Historicamente esses serviços prestados pelas capitais e municípios de grande e médio porte a municípios do interior estão inclusos em seus tetos. Entretanto, esses serviços cresceram em quantidade oferecida a outros e a remuneração por eles cada vez foi menor, defasada de seu valor real. O sistema de compensação tem de começar a funcionar de maneira efetiva. Capitais e cidades grandes têm sua produção baseada no uso de toda a população própria quando sabidamente é onde está a maior população beneficiária de planos e seguros. É uma questão mais complexa. Parte da maior renda das cidades grandes e capitais é devida à movimentação financeira e recolhimento de impostos de uso e consumo das populações vizinhas do interior.
O problema é causado por falta de dinheiro ou de gestão?
Os problemas da saúde pública brasileira passam por duas grandes causas: insuficiência, começando pela principal delas que é o do financeiro capaz de gerar e manter outras insuficiências, como de instalações, equipamentos, pessoal e salários. E também existe ineficiência no uso dos poucos recursos. Essa ineficiência pode ser contada a partir da não adoção radical do modelo SUS de fazer saúde, o que inclui três grandes campos de atuação: a promoção, a proteção e a recuperação.
A saúde é, segundo os eleitores de Curitiba ouvidos pelo instituto Ibope, a área da gestão pública em que a cidade apresenta os maiores problemas: 46% apontam esse como o serviço público mais deficitário da cidade. De acordo com entidades médicas e outras fontes ouvidas que acompanham de perto o sistema municipal, dois setores são um gargalo: a urgência/emergência e os atendimentos com médicos especialistas.
As urgências são justamente a maior reclamação dos usuários dos sistema público de saúde de Curitiba. Levantamento feito pela ouvidoria do SUS, realizado no ano passado, mostra que entre os que usam as Unidades Básicas de Saúde da capital paranaense, 19,5% consideram o atendimento de urgência e emergência da cidade ruim ou muito ruim.
A estrutura de saúde da capital paranaense cresceu de 2000 para cá eram, no início da década passada, 104 unidades de saúde que faziam 5 milhões de atendimento em um ano. Hoje há mais 33 unidades, sendo oito de urgências médicas e dois hospitais, mas há filas e demora no atendimento nos Centros Municipais de Urgências Médicas (CMUMs). A grande demanda, que inclui moradores da região metropolitana, ajuda a explicar esse quadro.
"O que observamos é o estrangulamento do atendimento de urgência e emergência, com dificuldades no ciclo completo de atendimento, que inclui ambulâncias do Siate, parte clínica, o acolhimento nos hospitais e disponibilidade de leitos hospitalares. Há um problema no sistema de retaguarda de atendimento de urgência/emergência. As unidades 24 horas estão sobrecarregadas, com filas de espera e com dificuldade de manutenção de recursos humanos", avalia o médico João Carlos Baracho, presidente da Associação Médica do Paraná.
A crítica à área de recursos humanos se refere à contratação de médicos. O serviço público não consegue pagar um salário compatível com o mercado e em função disso a prefeitura tem dificuldade para contratar esses profissionais, principalmente para as especialidades. Para consultas com especialistas, como cardiologistas e ortopedistas, os pacientes chegam a esperar três meses pelo atendimento.
Municipalização
Os serviços de saúde foram municipalizados a partir da Constituição de 1988 e o seu acesso é universal, ou seja, o sistema municipal precisa atender todos que o procuram. De acordo com João Rogério Sanson, professor de Economia da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina, a população esperava receber serviços de alta qualidade e gratuito, o que inclui rapidez no serviço.
"O cidadão não quer filas, não quer ver pacientes em corredores esperando leitos. Comparam nossos serviços com os prestados por outros países e querem ter o direito de ter a mesma qualidade", diz. Ele lembra que as grandes cidades sofrem mais nesse atendimento em função da grande demanda, que incluía toda a sua população e mais as das cidades menos estruturadas ao redor.
Ns avaliação de Sanson, para contornar esse problema falta dinheiro, mas também uma melhor gestão. "Ter transparência nas informações, modernizar as informação de gerenciamento e gestão é importante para dar um bom atendimento. Se você tem todo o atendimento mapeado, é possível fazer diagnóstico e planejamento, com metas de eficiência que devem ser divulgadas para toda a população e uma avaliação periódica, também divulgada", comenta.
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