Ideias para uma Curitiba melhor
Confira algumas propostas para explorar o potencial e os riscos que o clima frio e chuvoso de Curitiba representa para a cidade e seus moradores:
Urbanismo
Priorizar a adoção de pisos antiderrapantes nas calçadas, evitando acidentes em dias de chuva.
Usar, nos pontos de ônibus, abrigos que também tenham proteção nas laterais, para barrar o vento em dias de frio ou evitar que a chuva molhe os usuários do sistema.
Meio ambiente
Incentivar práticas construtivas ecológicas, que aproveitem melhor a incidência de sol para aquecer as residências e, assim, promovam economia de energia.
Incentivar a adaptação de imóveis públicos e particulares para que façam a captação e retenção da água da chuva. O sistema tem duas grandes vantagens: contribui para evitar alagamentos na cidade e armazena água para usar na limpeza. Desde o ano passado, todos os novos imóveis da cidade já têm de adotar esse sistema. Mas os antigos estão liberados da obrigação.
Assistência social
Fortalecer a rede de albergues para moradores de ruas. Conscientizá-los de que há espaços públicos disponíveis durante o inverno e em outras estações. E construir mais abrigos se for necessário.
Fortalecer a campanha do agasalho. E buscar a despolitização do programa, evitando promover solenidades de entrega de cobertores e de roupas de frio com a presença de políticos.
Lazer e turismo
Criar ou incentivar a implantação de espaços de lazer e de cultura fechados, para que o morador e o visitante tenham mais opções de diversão mesmo em dias de chuva ou frio intenso.
Aproveitar a relação existente entre inverno e festas juninas, incentivando ou promovendo grandes "arraiais" na cidade.
Estudar a possibilidade de instituir um festival de inverno com atrações culturais a exemplo do que fazem cidades como Campos do Jordão (SP) e Gramado (RS, onde há um famoso festival de cinema).
Promover feiras de gastronomia de inverno, aproveitando que a época é propícia para consumir alimentos mais "pesados". A cidade poderia promover produtos gastronômicos típicos da estação, como o pinhão, a mimosa ou a cozinha étnica dos imigrantes.
Instituir roteiros de enoturismo para aproveitar o clima mais frio da cidade, ideal para a degustação de vinhos. Uma ideia seria criar circuitos que incluam adegas e restaurantes temáticos da capital e da região metropolitana.
Resgatar a ideia de um grande festival de música na Pedreira Paulo Leminski, aproveitando a relação entre o clima "europeu" da cidade e a vocação de Curitiba para o rock e a música eletrônica. A cidade poderia se diferenciar do restante do país associado no exterior a ritmos "tropicais", como o samba.
Incentivar o turismo rural na Grande Curitiba, área sujeita a geadas mais fortes do que na capital e com potencial para hotéis-fazenda e cafés coloniais. Poderiam ser criados roteiros para caminhadas e cavalgadas. A agricultura familiar e produção de alimentos orgânicos um diferencial dos municípos vizinhos também poderiam ser exploradas.
Fontes: Redação da Gazeta do Povo, Bruno Martins Augusto Gomes, Deize Bezerra, Dante Mendonça e Flávio Jacobsen.
Cinema
Filme rodado em Curitiba tem frio como pano de fundo
O frio é o pano de fundo do filme Curitiba Zero Grau, longa-metragem do diretor curibano Elói Pires Ferreira que estreou nos cinemas da cidade na última sexta-feira. O filme, rodado na capital, conta a história de quatro personagens de diferentes estratos sociais que, de certa maneira, representam figuras típicas da cidade o empresário, o motoboy, o motorista de ônibus e o catador de papel. Os quatro têm suas vidas entrelaçadas pelo destino.
O diretor diz que apostou em críticas às soluções urbanas da cidade, tentando mostrar o que considera a "Curitiba profunda", em que as desigualdades sociais acabam unidas pela geada que cobre as manhãs de inverno.
Turistas fogem da cidade durante o inverno
O clima frio e úmido que congela, mas que ainda assim encanta uma parcela significativa dos curitibanos, representa um potencial turístico que poderia ser melhor explorado pelas autoridades públicas, principalmente na área do turismo. Além disso, a cidade terá, daqui a dois anos, uma oportunidade única para vender sua imagem aos estrangeiros justamente na época que tem temperaturas mais baixas. Em junho de 2014, Curitiba receberá jogos da Copa do Mundo de futebol.
A professora Deize Bezerra, que ministra na UFPR a disciplina de planejamento do turismo em espaços urbanos, diz ser possível criar uma política pública de mobilização dos equipamentos turísticos e dos setores de hotelaria e restaurantes para o período do outono/inverno.
"É preciso que os locais se preparem para receber o turista sabendo que ele é atraído pelo frio", diz Deize. "Mas ele não pode sofrer. O espaço precisa ser mais acolhedor. Enquanto isso não ocorre, as pessoas não vêm para cá; fogem do nosso frio." Dados da Secretaria Municipal de Turismo corroboram a observação da professora da UFPR: nos três meses do inverno ocorre a maior queda na ocupação hoteleira da cidade.
Infraestrutura
O professor de Turismo Bruno Martins Augusto Gomes, também da UFPR, afirma que é preciso investimento para melhorar as condições de serviços e de infraestrutura turística da cidade, criando atividades atreladas ou não ao frio.
Gomes considera imprescindível que a prefeitura crie o cargo de turismólogo e realize concurso para preencher vagas na área. Segundo ele, isso iria criar um corpo técnico permanente e independente para desenvolver projetos contínuos de atração de visitantes. "Assim poderemos construir políticas públicas de maneira participativa que atendam aos anseios da sociedade, envolvendo principalmente empresários do turismo e a comunidade, em especial residentes no entorno dos atrativos."
Ele também defende que a hospitalidade e o turismo façam parte do cotidiano das pessoas desde o ensino fundamental. E que sejam criados mecanismos de controle. "Para efetivamente implementar as políticas públicas propostas, é preciso monitorar o resultado a partir de indicadores elaborados desde a sua formulação", afirma Gomes.
O professor acredita ainda que seria preciso mudar a linguagem na divulgação da cidade. "Só capital ecológica, com biarticulado e estações-tubo, já não convence tanto o turista, especialmente público jovem", diz ele.
Os benefícios do incremento na área de turismo, aposta Bruno Gomes, serão muitos. "Atraindo turistas, haverá mais empresas, especialmente se forem incentivadas pela prefeitura. Portanto, haverá também mais empregos."
Em julho de 1975, os Jacobsen moravam no Norte do Paraná quando o pai anunciou que, no fim do ano, a família se mudaria para Curitiba. Dias depois, o Jornal Nacional mostrou cenas da lendária nevada que caiu na capital. Os olhos do primogênito Flávio, então com 8 anos, brilharam. "A cidade para onde a gente vai tem neve", comemorou. Meia-verdade. Desde então, não nevou de novo.
Mas se o primeiro contato com o frio curitibano pela televisão gerou encantamento, nos anos seguintes ele pôde sentir na carne o rigor do inverno da cidade. "Me lembro de ver a Copa do Mundo de 1978 embaixo das cobertas de lã, com o pé embrulhado no jornal", diz Flávio, que hoje é compositor e publicitário.
Após alguns invernos, ele passou de vítima a acostumado. E, algumas outras massas polares depois, apaixonou-se pelo clima peculiar de Curitiba. "Adoro o frio, mas quase morro com ele. Gosto de curtir ao ar livre, mas tem de ser perto da fogueira, tomando vinho, com cachecol e gorro. Essa é uma das graças da cidade: aqui dá para usar um sobretudo como os bandidos de filme americano."
Para muitos, a atração pelas baixas temperaturas pode parecer masoquismo. Mas Flávio Jacobsen não está sozinho. O clima curitibano com seu frio e chuva é a terceira característica da cidade que mais agrada ao curitibano, de acordo com enquete feita pelo Instituto Paraná Pesquisas com 410 moradores de todas as regiões da cidade.
Quando questionados sobre o que mais gostam em Curitiba, 7,8% dos entrevistados responderam que é o clima. O porcentual pode parecer pequeno, mas é expressivo se for considerado que se trata de uma enquete espontânea, quando o entrevistado diz o primeiro pensamento que lhe vem à cabeça.
A enquete ainda revela que o gosto pelo frio poderia ser melhor aproveitado pelo poder público para satisfazer aos anseios do morador da cidade.
Relação afetiva
A relação afetiva dos curitibanos com o frio é tão antiga quanto o bebedouro do Largo da Ordem. E já deu margem para todo tipo de teorias sobre a influência do tempo na "alma" do povo.
A mais famosa talvez seja a crônica Curitiba, a Fria, escrita em 1967 pelo jornalista e poeta pernambucano Fernando Pessoa Ferreira, que então vivia na cidade. A divertida carta de insultos à cultura curitibana desencadeou uma violenta polêmica na capital à época. Nela, a cidade é assim descrita: "A maior atração turística de Curitiba é o inverno que começa em fevereiro e termina em dezembro. Nos outros meses, chove".
Para o cronista e escritor Dante Mendonça, a ironia de Ferreira traz uma grande verdade sobre a cidade. Mendonça incluiu a crônica maledicente do colega pernambucano como uma espécie de epígrafe do seu livro Curitiba, Melhores Defeitos Piores Qualidades, lançado em 2010. Nele, Mendonça busca mostrar que o frio é um traço definidor dos usos e costumes locais.
"As pessoas não só adoram o frio, mas o cultuam", diz Dante Mendonça. "Existe até uma indústria do frio no Sul do país. Porém, estamos perdendo o monopólio do frio para os catarinenses e gaúchos."
A professora de Turismo Deize Bezerra, da UFPR, concorda. Ela diz que que há um potencial subaproveitado do turismo de inverno em Curitiba, a capital brasileira com a menor média de temperatura. "Ser a capital mais fria do país é um slogan que precisa ser melhor trabalhado para criar alternativas de turismo", afirma ela. Para o músico Flávio Jacobsen, o frio influencia, por exemplo, a criação artística, principalmente a literatura e a música da cidade. Para ele, Curitiba deveria promover um festival de inverno com enfoque nessas duas áreas.
Clima também causa problema social
A despeito do charme do clima "europeu" de Curitiba, o frio intenso da cidade em muitos períodos do ano é um problema que a área social da prefeitura precisa administrar. Os moradores de rua ficam expostos a temperaturas que podem matá-los.
Segundo levantamento da Fundação de Ação Social (FAS), existem cerca de 3 mil pessoas que vivem na rua na capital, das quais 1,4 mil são consideradas "crônicas" ou seja, perderam totalmente os vínculos familiares. Abrigos e comunidades terapêuticas de acolhimento têm vagas para até mil pessoas.
A coordenadora da central de resgate social da FAS, Luciana Kusman, diz que, apesar do aparente déficit de vagas, a taxa de ocupação é de menos de 30% porque a maioria dos moradores de rua não aceita o resgate social.
Segundo ela, na rua os mendigos recebem esmolas o que os incentiva a não querer ir para o albergue. Uma parcela significativa também faz uso de álcool e de outras drogas, está dependente e não aceita tratamento.
"Nós queremos trazê-los para o abrigo e dar a eles alimentação, vestuário banho e atendimento social e de saúde", diz Luciana. "Mas é uma dificuldade, pois a população de rua não tem mais vínculos sociais." A FAS, diz ela, realiza um trabalho 24 horas por dia de abordagem à população de rua nos pontos críticos da cidade, principalmente no Centro.
Quando esfria muito, porém, os moradores de rua ficam receptivos à abordagem. É quando a FAS intensifica as ações. E a população colabora. "A comunidade fica mais sensível e aumenta consideravelmente a quantidade de solicitações do serviço de resgate social pelo telefone 156", diz Luciana. Com base nessa constatação, ela defende uma campanha para informar a sociedade a respeito da atuação da FAS.
Declarações
"As pessoas não só adoram o frio, mas o cultuam. Existe até uma indústria do frio no Sul do país. Porém, estamos perdendo o monopólio do frio para os catarinenses e gaúchos."
Dante Mendonça, cronista de Curitiba
"Ser a capital mais fria do país é um slogan que precisa ser melhor trabalhado para criar alternativas de turismo."
Deize Bezerra, professora de Turismo da UFPR.
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