Habitação
O drama de morar em uma área de invasão
Dos quatro bairros da Regional Boqueirão, o Alto Boqueirão concentra a população mais carente 41% das pessoas com mais de 10 anos têm renda de até dois salários mínimos. O porcentual é superior ao da regional (37,4%) e bem maior do que a média municipal (35,1%).
Entre as pessoas com dificuldades financeiras estão os moradores de uma invasão na Vila Nova. A maioria das 25 famílias deixou o Norte do Paraná para tentar a sorte em Curitiba. Com dificuldade para pagar o aluguel, relatam, decidiram arriscar mais uma vez, esperançosos de conseguirem a estrutura que a vizinha Vila Pantanal conseguiu. "Eu tinha inscrição na Cohab. Não saiu, então vim para cá. Não dá para pagar aluguel de R$ 400 com renda de R$ 700", conta Cleusa Santos, 39 anos, dona de casa. Cristiane Bonfim, 26 anos, balconista de panificadora, aguarda a regularização da área para ter acesso a alguns serviços públicos. A creche para o filho ela garantiu antes de se mudar para a Vila Nova, mas agora não consegue comprovar endereço para se cadastrar no Armazém da Família, por exemplo. "Mas eu quero ficar aqui. Trabalho na esquina, meu filho está em creche boa, desde os 9 meses."
Não há asfalto que chegue para atender a todos os pedidos dos moradores na Regional Boqueirão. Muitas das centenas de ruas esburacadas que dominavam o cenário dos quatro bairros da região (Boqueirão, Alto Boqueirão, Hauer e Xaxim) receberam melhorias nas últimas semanas. Se isso trouxe alegria para uma parte da população, atiçou ainda mais a raiva daqueles que moram nas vias não contempladas com novo recapeamento. "As ruas estão que é um buraco só. Agora, com a política, melhorou pra uns, mas na minha não fizeram nada, nem sinal", conta o aposentado Antonio Nunes da Silva, 66 anos.
Na Rua da Cidadania do Carmo, uma senhora de idade, ao ver a reportagem entrevistando Silva, anuncia aos quatro ventos, sem parar para se identificar: "Na Rua Padre Deon não foi feito nada, ali tem muito buraco, você sai de casa de carro é uma tremedeira só. Não dá para fazer milagre, mas alguma coisa tem de ser feita".
A aposentada Geni Marcondes Soares, 64 anos, teve sorte. Ela mora na Rua das Carmelitas, uma das que recebeu novo pavimento, e diz que está satisfeita com o "postinho", oficialmente unidade de saúde. "Vou lá para cuidar da pressão e pegar meus remédios. Sempre entregam, sem problemas." Mas a demora no atendimento de urgência no Boqueirão quase lhe tirou a vida um ano atrás, conta. "Fui lá porque estava com princípio de infarto, mas me deixaram 24 horas sentada num sofá. Eles não tinham onde me internar. A pressão estava acima dos 20. Quando melhorei um pouco, saí de lá e fui atrás de um convênio."
Transporte
O Boqueirão é privilegiado em alguns aspectos de mobilidade urbana. Nos quase 6 quilômetros da Avenida Marechal Floriano Peixoto que cortam a regional, o biarticulado Ligeirão faz a ligação com o Centro. Quem mora no Xaxim também conta com a rapidez do veículo azul, que não precisa enfrentar os constantes congestionamentos da Linha Verde. Além disso, na Marechal há uma ciclofaixa ao longo de quatro quilômetros. O que os moradores acham disso?
"Você quer que eu responda em tópicos?", rebate o estudante de engenharia cartográfica Alexandre Guilherme Boza, 26 anos, que usa a ciclovia todos os dias. "Parece que a preocupação maior foi com visual, não com a praticidade. Vai contra todas as leis do Código de Trânsito Brasileiro", reclama. Ele diz que acompanhou todas as discussões em torno dos erros na obra, como a construção de trechos com apenas 72 centímetros internamente quando o mínimo deveria ser de 100 cm, segundo o Ministério das Cidades.
Para Boza, que usa a bicicleta diariamente há cerca de dez anos, o zigue-zague na ciclovia da Marechal Floriano é muito perigoso às vezes ela está do lado esquerdo da rua, às vezes do lado direito. "A iniciativa foi boa, mas o método não. Há bastante gente usando a ciclovia, isso é bom, mas a parte ruim é que a gente fica que nem zonzo indo de um lado para o outro, pode ocorrer um acidente grave", avalia.
Na Praça Menonita, jovens correm atrás de sonhos
Futebol é o que motiva um grupo de jovens a se dedicar aos estudos pela manhã e a treinar duro na Praça da Colonização Menonita, no Boqueirão, duas vezes por semana. A recompensa é atuar no time de juniores do Vila Hauer e, um dia, quem sabe, virar jogador profissional.
"É uma maneira de ocupar o tempo ocioso da garotada. Assim eles não têm tempo para drogas ou para ficar em casa sem rumo. Junto com isso podemos descobrir talentos para o futebol", diz o coordenador do projeto, Sergio Donizetti Luciano, 50 anos, professor da rede estadual. Cerca de 60 jovens participam da atividade, e algumas famílias contribuem com doações.
Luciano diz que cansou de procurar apoio do poder público. "Não queremos contato político. A prefeitura queria que a gente montasse uma associação. Mas a gente quer fazer o trabalho social pelo social, não pelo vínculo. A gente não está aqui para vender o peixe de ninguém", explica. Na praça, entretanto, eles contam com o apoio da unidade da Secretaria de Esporte e Lazer, que cede alguns equipamentos. "Eles gostam que a gente treine aqui, ajuda a valorizar a praça, a torná-la mais segura, mais familiar."
Para o professor, o setor privado também exige muito para dar apoio. "Não entendo por que a empresa precisa aparecer em patrocínio, na camiseta. Se ela deduz do imposto, já está ótimo. Não precisa colocar a marca." Ele diz que acompanha o andamento dos estudos dos garotos. "Todos estudam, mantemos contato com os responsáveis, mas como treinador às vezes fazemos papel de pai e mãe também." Em todas essas funções ele conta com o apoio do treinador Thiago Luciano, 29 anos, e Rafael Luís de Araújo, 24 anos, treinador de goleiros.
Doações são sempre bem-vindas, ele diz, para bancar o treino de alto rendimento. "A nossa esperança é que saiam daqui como atletas. Mas, se não der, pelo menos serão grandes cidadãos. Vão aprender a correr atrás de seus sonhos, mesmo sem apoio."
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