Marina: discurso, ainda vago, indica objetivo de aperfeiçoar mecanismos de democracia direta| Foto: Sebastião Moreira/EFE

MUDANÇA

A coordenação da campanha de Marina Silva informou neste sábado que há um erro no programa de governo divulgado na sexta-feira. Uma modificação substancial foi feita no capítulo "LGBT" e a nova versão é mais genérica que a original. Na página 216 do programa de governo consta que a candidata propõe "apoiar propostas em defesa do casamento civil igualitário", uma referência à "aprovação dos projetos de lei e da emenda constitucional em tramitação, que garantem o direito ao casamento igualitário na Constituição e no Código Civil." A correção da coordenação da campanha é mais genérica: "Garantir os direitos oriundos da união civil entre pessoas do mesmo sexo."

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HISTÓRIA

Slogan é inédito nas eleições brasileiras

Do ponto de vista histórico, o mote da "nova política" é inédito nas eleições brasileiras. "Engana-se quem faz comparações com Jânio Quadros e Fernando Collor", diz o professor de História da Universidade Federal de São Carlos, Marco Antônio Villa. Segundo ele, ambos bateram na tecla do combate à corrupção, mas não em uma revisão do modelo.

"A semelhança talvez esteja no fato de que se trata de um slogan eleitoral. Aliás, talvez ele só seja viável porque vivemos uma época em que o debate eleitoral está completamente vazio de ideologia. Fica fácil colocar qualquer coisa em um conceito vago como esse da nova política", opina o professor. Segundo ele, o mesmo fenômeno já atingiu outros países, principalmente da Europa, após a crise financeira mundial de 2008. A comparação mais adequada para a Rede seria com o Movimento 5 Estrelas, fundado em 2009 na Itália pelo comediante Beppe Grillo com a ideia de aproximar as pessoas comuns da política por meio da democracia direta. Em 2013, o partido conseguiu eleger a maior bancada da Câmara dos Deputados italiana.

Duas palavras dão o tom do discurso da campanha para presidente de Marina Silva (PSB). A "nova política" tenta capturar o espírito dos protestos de junho de 2013, mas sofre com as mesmas dificuldades dos manifestantes. Assim como as reivindicações das ruas, segue um conceito difuso de mudança, sem definir ao certo de qual lugar para onde.

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Em entrevistas e no primeiro debate, Marina esboçou algumas ideias do que imagina que precisa ser modificado no atual modelo. "Não é possível continuar com essa lógica de dividir o país. O mundo está mudando e, quando as pessoas foram para as ruas nos protestos de 2013, os recados foram: parem com essa briga do poder pelo poder", disse na Globonews.

Apesar de criticar tanto PT quanto PSDB, também defendeu a ideia de montar um governo com representantes dos dois partidos. No debate, citou o "compromisso de que o Brasil seja passado a limpo". Isso ocorreria por meio do que chamou de "reforma das reformas" – a política.

No papel, o documento com mais detalhes sobre a visão de mudança de Marina é o programa de governo, divulgado na sexta-feira. O material não faz referência conceitual ao termo "nova política", mas tem muito do manifesto de criação da Rede Sustentabilidade. O partido organizado por ela e seguidores a partir de 2011 teve o registro negado pelo Tribunal Superior Eleitoral no ano passado, o que provocou a aproximação da ex-senadora a Eduardo Campos, em outubro.

"É em rede com a sociedade que queremos construir uma nova força política, com alianças alicerçadas por uma Ética de Urgência, tendo como horizonte a construção de um novo modelo de desenvolvimento: sustentável, inclusivo, igualitário e diverso", diz o manifesto. Também fala em uma reforma que "permita a emergência de um outro modelo de governabilidade que não se baseie na troca de vantagens fisiológicas para a manutenção de feudos de poder".

Democracia

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No programa de governo, há referência à criação de uma "democracia de alta intensidade", na qual a gestão pública possa ser "permanentemente avaliada pela população". Na avaliação do cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília, o que Marina propõe de mais nítido é uma adaptação do modelo conhecido como presidencialismo de coalizão, que envolve a troca de apoio no Congresso Nacional por cargos no Executivo.

"Pelo que se percebe, ela aceita manter políticos de diversos partidos no comando dos ministérios, desde que possa selecionar o nome e a gestão não seja de ‘porteira fechada’. Em outras palavras, quer acabar com a história de que a legenda aliada manda no ministério como bem entende", diz Fleischer. O programa de governo também bate na tecla da crise da representação eleitoral, que seria superada a partir de seis propostas.

Todas dependem de mudanças na legislação, ou seja, precisam do crivo da Câmara dos Deputados e do Senado, instâncias em que Marina dificilmente contará com apoio espontâneo da maioria. A lista das sugestões incluem a unificação do calendário eleitoral e o fim da reeleição para cargos do Executivo, a redefinição da ordem dos eleitos para cargos proporcionais, a possibilidade de candidaturas avulsas (sem filiação partidária), a redefinição da distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita, a facilitação da convocação de plebiscitos e referendos pela população e o fortalecimento dos mecanismos de transparência nas doações para campanhas eleitorais.

"O que existe hoje com a candidatura da Marina é mais do que um discurso, é a demonstração de uma vontade de fazer as coisas darem certo", diz Eduardo Reiner, porta-voz da Rede no Paraná e candidato a deputado federal pelo PV.

Preto no branco

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Manifesto de criação da Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, e as propostas de governo da candidata dão pistas para entender o que é a "nova política":

• Fim da fisiologia

O principal objetivo prático da "nova política", de acordo com o manifesto da Rede, é criar um modelo de governabilidade que não se baseie na troca de vantagens fisiológicas para a manutenção de feudos de poder.

• Democracia intensa

O caderno de propostas de governo, entregue na semana passada ao TSE, não usa a expressão "nova política". Mas fala no estabelecimento de uma "democracia de alta intensidade", na qual a gestão pública possa ser "permanentemente avaliada pela população".

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• Reforma das reformas

Para criar o ambiente necessário para o novo modelo de governo, são apresentadas entre as propostas de governo sete sugestões, inseridas no contexto de uma ampla reforma política. Todas exigem mudanças na legislação, ou seja, dependem mais do Congresso do que de uma decisão de Marina, caso eleita presidente:

1. Candidaturas avulsas: acabar com a exigência de filiação partidária para participar de eleições. A ideia é quebrar o monopólio dos partidos sobre os cargos de representação e renovar as lideranças políticas.

2. Financiamento de campanha: fortalecer os mecanismos de transparência nas doações.

3. Fim da reeleição para os cargos do Poder Executivo: a ideia é ampliar o tempo de mandato para cinco anos e unificar o calendário eleitoral.

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4. Estímulo à democracia participativa: permitir a convocação de plebiscitos e referendos pelo povo e facilitar a iniciativa popular de leis, mediante redução das assinaturas necessárias e da possibilidade de registro de assinaturas eletrônicas.

5. Mudanças nas eleições proporcionais: adotar novos critérios na definição da ordem dos eleitos em busca da aproximação da "verdade eleitoral", conceito segundo o qual os candidatos mais votados são eleitos.

6. Propaganda eleitoral: redefinir a distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita com base em novos critérios visando a melhorar a representatividade da sociedade nos parlamentos.