Projeto de iniciativa popular dá mais peso à proposta
Por ser um partido político oficial, ter a maior bancada da Câmara dos Deputados, a segunda maior do Senado e a Presidência da República, o PT poderia apresentar o projeto de constituinte exclusiva por inúmeras maneiras: pela bancada, por algum deputado ou senador específico, diretamente por proposta do Executivo. Entretanto, o partido decidiu colocar sua proposta no Congresso pela via da iniciativa popular geralmente utilizada justamente por quem não tem outros meios para isso. Segundo a coordenadora do projeto, Gleide Andrade, esse detalhe faz parte da estratégia política do partido. Projetos de iniciativa popular têm de obrigatoriamente ser apreciados pelo Congresso. Enquanto projetos de parlamentares ou do Planalto podem ser vetados pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a legislação exige que projetos de iniciativa popular sejam acatados pelas comissões, ainda que com modificações dos parlamentares. O que não significa, claro, que a aprovação é obrigatória. Além disso, esses projetos tendem a ser mais fortes, politicamente, dentro do Congresso, pois já chegam ao plenário com apoio de um segmento do eleitorado. Para viabilizar a coleta de assinaturas, o partido deve montar 600 comitês populares em todo o Brasil. Pela lei, é preciso ter o apoio de 1% do eleitorado e as assinaturas têm de ser distribuídas entre pelo menos nove estados da federação, contemplando 0,3% do eleitorado de cada uma delas.
Apesar de sugerir a criação de uma constituinte exclusiva, o PT já tem posições fechadas em relação a alguns temas da reforma política. Saiba quais são:
Voto em lista fechada: o partido defende que, nas eleições proporcionais (deputados e vereadores), o país adote o modelo de lista fechada, em detrimento do modelo de lista aberta usado atualmente. Neste modelo, os eleitores não podem votar em candidatos, apenas em partidos. As cadeiras são distribuídas proporcionalmente entre as legendas, e os deputados são definidos a partir de listagem elaborada pelos próprios partidos.
Cotas para mulheres: no documento que defende a reforma política, o PT defende o aumento da participação das mulheres na política sem especificar um modelo. Uma possibilidade seria exigir a presença de mulheres nas listas fechadas, em posições intercaladas com homens. Hoje, muitos partidos desrespeitam a cota mínima de 30% para mulheres.
Financiamento público exclusivo: o PT defende o fim do atual modelo de financiamento, no qual empresas e pessoas físicas podem contribuir para as campanhas. Pela proposta do partido, todo o financiamento de campanha seria feito através do fundo partidário.
No início da próxima legislatura do Congresso, o PT pretende apresentar um projeto para instalar uma assembleia constituinte exclusiva para fazer a reforma política. Pela proposta, a população elegeria representantes para debater exclusivamente o tema e eles não poderiam ser eleitos parlamentares posteriormente para que pudessem ter mais isenção ao apreciar a reforma. A apresentação do projeto, porém, seria feita por meio de iniciativa popular para dar mais peso à proposta. Na semana passada, o PT, junto com outros partidos e movimentos sociais, organizou uma consulta popular informal para divulgar a ideia. No ano passado, o PT já havia proposto uma constituinte exclusiva para fazer a reforma política para como respostas às manifestações de junho. Especialistas, porém, dizem que a ideia do PT é inconstitucional.
A campanha da presidente Dilma Rousseff à reeleição tem colocado a reforma política como um ponto essencial no combate à corrupção. O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, por exemplo, culpou em entrevista no último domingo o sistema vigente de financiamento eleitoral pelos escândalos de corrupção na Petrobras. "Enquanto houver financiamento empresarial de campanha e as eleições continuarem sendo um momento de muita gente ganhar dinheiro, não há quem controle a corrupção. Isso é com todos os partidos. Não há, infelizmente, nenhuma exceção", disse.
O ministro disse ainda que o Congresso é formado por políticos que têm maior "capacidade de mobilização de recurso" e que, por isso, acabam cedendo aos interesses dos financiadores nas votações. Para ele, esse cenário "deturpa a representação popular no Congresso".
Vice-presidente nacional do PT, Gleide Andrade coordena o projeto de reforma política do partido e tem um discurso parecido com o de Carvalho. Para ela, a escolha por uma constituinte exclusiva se dá pela natureza conservadora do Congresso. Por serem eleitos pelo sistema vigente, os parlamentares não têm interesse em mudar o sistema político brasileiro, afirma. Prova disso seriam as inúmeras tentativas de se votar a reforma política ao longo dos últimos anos. Na legislatura atual, por exemplo, duas comissões foram montadas para discutir o tema, uma no Senado e outra na Câmara. Entretanto, nenhuma mudança significativa chegou até o plenário.
Questionamentos
No entanto, a proposta pode ser encarada como inconstitucional. No entendimento de Vera Karam Chueiri, professora de Direito Constitucional da UFPR, a definição de um poder constituinte é, como o próprio nome diz, o de criar uma Constituição. Logo, ele não pode ser restrito a um tema específico. Para a professora, já existem ritos estabelecidos para mudanças constitucionais emendas e revisões e não há motivos que justifiquem que eles não sejam utilizados.
Opinião parecida tem Ingo Sarlet, professor de Direito Constitucional da PUCRS. Ele considera, inclusive, que a questão é quase consensual entre constitucionalistas. Para ele, não é possível estabelecer um limite do que pode e do que não pode ser alterado, visto que o conceito de reforma política pode ser elástico. "Apesar de muitos terem boas intenções com essa constituinte, não há como garantir que ela não seria um golpe contra a própria Constituição", afirma.
Partido conclui seu "plebiscito"
Além da constituinte exclusiva, o PT, em conjunto com outros partidos e movimentos sociais, realizou um "plebiscito" pela constituinte exclusiva a votação começou no dia 1.º de setembro e se encerraria no domingo, mas foi prorrogada por mais um dia. Nesse caso, não se tratou de um plebiscito oficial, realizado pela Justiça Eleitoral, com efeitos práticos. Na verdade, foi mais uma estratégia política de divulgação da ideia de constituinte exclusiva e de mobilização de militantes da causa.
A pergunta realizada no plebiscito foi: "Você é a favor de uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político?", e o eleitor poderia votar sim ou não. Era possível votar pela internet ou em urnas espalhadas por todo o país.
Segundo a vice-presidente nacional do PT, Gleide Andrade, o movimento foi feito nos moldes do plebiscito da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), realizado em 2002. Na época, mais de 60 movimentos sociais, junto com partidos políticos então de oposição ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, organizaram um plebiscito perguntando aos eleitores se eles queriam ou não que o Brasil aderisse à Alca. Mais de 10 milhões de pessoas votaram, 98% delas contrárias a adesão. Na prática, não se tratou exatamente de uma votação, e sim de uma demonstração de força política. Os 10 milhões de votos contrários deram visibilidade à causa e ajudaram, junto com outros fatores, a suspender a criação e o ingresso do Brasil na Alca.
Dilma
No último domingo, a presidente Dilma Rousseff se reuniu com um grupo de jovens ligados a movimentos sociais, culturais e de direitos da comunidade LGBT. A expectativa era de que ela votasse no plebiscito, o que acabou não ocorrendo. Mesmo assim, ela se declarou favorável à consulta popular.
O ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, também se mostrou simpático ao plebiscito. Ele destacou que o resultado do plebiscito não poderá ser usado oficialmente pelo governo, mas pode mostrar que "a sociedade brasileira quer a reforma política".
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