Falar com o gaúcho de 74 anos que, em 2014, é candidato à presidência da República pela quarta vez, significa que, invariavelmente, o jingle famoso será parte da conversa. José Maria Eymael (PSDC) gosta de falar da música promocional que o acompanha desde 1985 porque ela faz parte da sua história pessoal e do partido que ajudou a fundar. O apreço pela história, aliás, fica evidente. Antes de qualquer pergunta, Eymael faz questão de contar a história da democracia cristã no mundo e no Brasil; a história da infância pobre em Porto Alegre que teve uma reviravolta quando ganhou uma bolsa de estudos; as histórias de quando era deputado constituinte... As histórias de Eymael ocuparam metade do tempo da conversa.
Defensor irrestrito da Constituição, ele acredita que o documento é suficiente e o que precisa ser feito para o país crescer é coloca-lo em prática. "Um governante de verdade tem de ter confiança suficiente para colocar a legislação em prática, independente de acordo com os parlamentares", defende o candidato, que não acredita que o presidencialismo só se faça com coalizão. E reclama da ideia de uma nova constituinte. "Quem diz isso é porque nunca leu a Constituição", critica.
Eymael, considerado um caso de sucesso na comunicação política, saiu do anonimato em menos de um ano. Foi candidato a prefeito de São Paulo em 1985. Ele não ganhou, mas o sucesso do refrão fez com que ele fosse eleito deputado federal constituinte em 1886. Reelegeu-se em 1990 e tentou novamente a prefeitura de São Paulo em 1992. Em 1998, 2006 e 2010 concorreu à presidência da República para dar força ao partido e defender o que o grupo acredita. Agora, ele acredita que os ideais do PSDC já estão devidamente comunicados: desta vez a eleição é na tentativa de efetivamente chegar ao poder.
Ele esteve em Curitiba no dia 12 deste mês para cumprir agenda de campanha. Eymael que neste ano decidiu usar os 45 segundos que têm na tevê para falar das propostas e não para tocar o jingle conversou com a Gazeta do Povo sobre a quarta candidatura ao Palácio do Planalto. Confira os principais trechos da entrevista.
O senhor está na política, como candidato, há quase 30 anos. O que o motiva a concorrer pela quarta vez ao cargo de presidente da República?Para explicar isso, preciso explicar a história da democracia cristã. Ela foi criada na Europa, na década de 1940. Um grupo de brasileiros estava lá, viu o movimento e ficou impressionado com o a proposta de criar sociedades livres, justas e igualitárias. Decidiram montar o mesmo movimento aqui e fundaram o PDC, Partido Democrata Cristão. Esse partido sofreu um duro golpe na ditadura militar, quando foram extintos todos os partidos. Foi a primeira tragédia pela qual passamos. Ficamos 20 anos fora do cenário político brasileiro. Em 1985, na ocasião da reorganização político-partidária, o PDC foi refundado. Como antigo militante, fui convocado a organizar o partido e ser um candidato. Em 1985 foi um momento mágico: a primeira eleição direta das capitais depois de 20 anos de prefeitos nomeados. Nesse ano surge o jingle, para ensinar o povo a dizer Eymael. No ano seguinte, o PDC elege cinco deputados federais constituintes. Foi muito interessante. Em um ano eu saí do anonimato político, eu era só um empresário em São Paulo.
O sr. é considerado um caso de sucesso na comunicação política, por causa do jingle e justamente por ter alçado voo na política tão rápido. O sr. acha que o PSDC vem na esteira da tua fama?É claro que eu contribuo para isso, mas o PSDC cresce também por outras razões. O que me fez me eleger realmente? Era a mensagem da minha candidatura, que era uma mensagem muito forte. Mas voltando à história. Depois do sucesso de 1985, se abate sobre a democracia cristã uma nova tragédia. Uma decisão absurda da direção nacional promoveu a fusão do PDC com o PDS, em 1993. Eu liderei a resistência, mas não foi possível. Foi uma catástrofe. Mas dois anos depois, refundamos a democracia cristã, então com o nome de PSDC e aí começou o nosso esforço pela reconstrução. Três anos depois fui candidato a presidente pela primeira vez e o partido só estava em seis estados. Mas aos poucos fomos mostrando que a nossa casa está edificada sobre a rocha. Esta é a razão da candidatura. É a tarefa da reconstrução de um ideal. Agora é outro viés, esta tarefa está concluída e vislumbramos a possibilidade de chegar ao poder. Mas é uma tarefa muito desigual e desumana. Eu tenho 45 segundos na tevê!
Vocês já estão há anos nesta tarefa de reconstrução da democracia cristã. O sr. pode definir o que, efetivamente, esta corrente do pensamento político defende e prioriza, no Brasil?O compromisso maior da democracia cristã é com a família. Com a defesa dos valores da família. Caráter, dignidade, respeito aos mais velhos, solidariedade, atendimento pleno das necessidades das pessoas. Tanto é que na constituinte eu fui autor de quase todos os avanços sociais dos trabalhadores: a redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais, a proteção contra demissão desmotivada, o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, direito do trabalhador ao lazer, incentivos ao mercado de trabalho para a mulher. Considero que a minha principal contribuição para a sociedade brasileira foi ter atuado na definição do modelo de sociedade a ser construída pelos brasileiros, que é o inciso I do artigo 3º da constituição. São os objetivos fundamentais da república: construir uma sociedade livre, justa e solidária. Tudo que se fizer no Brasil, todas as ações dos governantes, dos parlamentares e dos magistrados têm de ter este foco.
O sr. fala da defesa da família e defende posições mais conservadoras. Qual é a tua opinião sobre questões que envolvem questões relativas ao aborto e às relações homoafetivas, por exemplo?O conceito de família que defendemos envolve a questão de honra, de caráter...
Mas esses valores podem ser aprendidos em uma família com homem e mulher, com tios e avós, com dois pais ou duas mães?Nossa posição com relação a união homoafetiva é exatamente o que está na constituição. A lei assegura as relações homoafetivas e a liberdade de orientação sexual. Nós defendemos que estes direitos sejam garantidos. Agora, para nós, da democracia cristão, a instituição casamento é a relação entre homem e mulher.
O problema então é o uso da palavra casamento?É exatamente isto. Para nós, a instituição casamento é como está na constituição, é entre homem e mulher. Mas não há nenhuma restrição da democracia cristã para com as relações homoafetivas. Nenhum. Mas o conceito é judaico-cristão, é o crescei e multiplicai-vos, que só pode ocorrer numa relação entre homem e mulher. A nossa noção sobre este conceito está dentro desta filosofia. Agora, faço questão de repetir: não há nenhuma restrição da democracia cristã com relação às relações homeafetivas.
O que o sr. acha da legislação atual sobre o aborto?A nossa posição é exatamente o que está na legislação atual, está na constituição. Existem as três alternativas [feto anencéfalo, estupro e risco de vida] e nós concordamos com elas. Mas é interessante ressaltar que elas se fundamentam no Direito em algo chamado estado de necessidade, que é o fato de a pessoa ter direito de proteger a própria vida.
Apenas nas últimas semanas, vimos casos complexos que envolvem a defesa de um conceito tradicional de família: um jovem gay assassinado em Goiás, o incêndio no CTG que abrigaria uma união civil homoafetiva no Rio Grande do Sul e o sumiço de uma jovem carioca depois que procurou uma clínica clandestina de aborto.Manter posições conservadoras sobre estes assuntos não pode acentuar esse tipo de ocorrência e interromper a busca pela sociedade livre, justa e solidária que o sr. citou?Por isso que nós somos defensores irrestritos da constituição. Cumprir e fazer cumprir a constituição. Se isso estivesse de fato acontecendo, não veríamos casos como estes. Toda essa reação homofóbica ofende o texto constitucional. Se a constituição estivesse sendo cumprida integralmente, não teríamos estas situações. Além disso, com relação à moça que sumiu. Eu não sei por que ela queria abortar, mas cumprir a constituição também é ter disponibilidade, no serviço público, para que possa valer os preceitos da constituição. É preciso ter instrumentalização para que as pessoas possam cumprir seus direitos.
O que o sr. acha da crescente força e influência dos evangélicos no país?Bom, é uma realidade. Mas o PSDC não está envolvido nessa realidade. O PSDC não é um partido religioso, não é um conceito religioso. O que temos é um compromisso vertical com os valores humanísticos do cristianismo: liberdade, justiça e solidariedade. E no PSDC você encontra cristãos de todas as denominações, inclusive pessoas de muitos outros credos, como os budistas, muçulmanos, os praticantes de religiões afro-brasileiras, na mais perfeita convivência. Isso porque eles se identificam com a filosofia do cristianismo e não com a religião. Não temos o ranço de querer envolver religião e política.
O sr. já está vivendo a quarta eleição presidencial. Como vê o atual cenário político e as reviravoltas na eleição, como com a morte trágica de Eduardo Campos e as denúncias que envolvem a Petrobras?O que eu vejo é que, mais uma vez, o processo eleitoral é de uma desigualdade absurda. O que a democracia cristã tem de conteúdo e não consegue apresentar no tempo que têm... Não é brincadeira. Mas temos uma boa perspectiva para o parlamento, devem ser pelo menos 12 deputados federais eleitos em outubro. Vamos ter um sucesso enorme.
Na tua opinião, quais são as três principais mudanças que o Brasil precisa e o que o sr. faria se fosse eleito?O Brasil precisa voltar a crescer e para isso precisa mudar o sistema tributário, melhorar a infraestrutura e qualificar a mão de obra. Uma segunda mudança seria a atenção à saúde pública. Por fim, uma luta determinada contra a corrupção.