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Proibir que beneficiários do Bolsa Família votem. Eis, em resumo, a proposta da Associação Comercial e Industrial de Ponta Grossa que ganhou os jornais na semana que passou. Segundo o presidente da instituição, Nilton Fior, a ideia é garantir "a lisura" das eleições. Trata-se de algo que já vinha sendo cogitado nas redes sociais da internet. Diz o argumento que as pessoas que recebem auxílio do governo estariam, indiretamente, tendo seu voto comprado. E, pelo bem da democracia, seria preciso impedir isso. A própria associação admite que a proposta é inconstitucional. Diz que só tocou no tema para causar a discussão. Se foi essa a ideia, o objetivo foi cumprido. Nos últimos dias, a proposta foi assunto de reportagens, artigos de opinião, textos de especialistas e uma infinidade de comentários de todos os tipos. Entre a população em geral, até houve quem defendesse a ideia (embora, como mostrou reportagem desta Gazeta, os beneficiários dos programas de transferência de renda tenham se sentido justamente indignados). Entre os especialistas, o coro foi unânime: a ideia é absolutamente inconstitucional, antidemocrática e retrógrada.
É inconstitucional porque a lei garante cidadania e igualdade a todos. Não há, na Constituição, um inciso dizendo que essa igualdade é passível de exceções. Nem somos, como na fábula de George Orwell, uns mais iguais do que os outros. É antidemocrática porque o princípio mesmo da democracia é que todos têm direito a opinar sobre o governo, todos têm direito a voto. Fosse para punir quem recebe algo, por que não punir com a perda do voto empresários que recebem empréstimos subsidiados do governo? É retrógrada porque nos leva de novo ao tempo em que nem todos eram cidadãos: analfabetos não votavam até 1985, por exemplo. Mulheres não votavam até 1932. E assim por diante. Além de causar espanto por pregar algo ilegal, a associação de empresários causou repulsa também por defender algo que parece ignóbil em si: o preconceito contra os mais pobres. No fundo, por trás da proposta da proibição de voto está a ideia de que os beneficiários do Bolsa Família (e de outros programas do gênero) são gente sem capacidade de discernimento. Recebem algo "de graça" (como se também não pagassem impostos), e em nome de uma fidelidade impensada votam eternamente no governante que lhes garantiu o benefício.
Numa democracia, cada um vota pelo motivo que acha melhor. É legítimo que o eleitor pense também em si e na sua visão do mundo ao depositar o voto na urna. Ninguém condena empresários que votam pensando nas propostas que visam a criar um ambiente de negócios melhor. Os defensores das bicicletas são incensados por defenderem candidatos pró-ciclistas. Ambientalistas votam em quem promete reduzir a poluição, e assim por diante. Quem precisa de condições mínimas para uma sobrevivência digna não tem direito a votar pensando em si? Os pobres não têm direito a ser um grupo de pressão?
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