A campanha de 2010 pelo governo do Paraná corria quente. Os principais candidatos – Beto Richa (PSDB) e Osmar Dias (PDT) – trocavam acusações e usavam o mesmo adjetivo para desqualificar o oponente: “lernista”.
Era uma espécie de sinônimo de “privatista”, pois Jaime Lerner havia sido o governador que vendeu o Banestado, concedeu as estradas às concessionárias do pedágio e tentou privatizar a Copel. Irônico, Lerner disse que iria facilitar a vida dos dois emitindo um atestado de “não lernista” tanto a Richa quanto a Osmar.
LINHA DO TEMPO: As oito décadas de Jaime Lerner
Cenário eleitoral de Curitiba aponta para dois protagonistas e sete coadjuvantes
Leia a matéria completaO caso entrou para o anedotário da política paranaense. Mas a sombra de Lerner continua se espraiando sobre as eleições no estado e em Curitiba – ele também foi prefeito da capital por três mandatos entre as décadas de 1970 e 1990.
A campanha pela prefeitura deste ano nem começou pra valer, mas o lernismo voltou a ser assunto na agenda dos candidatos. Desta vez, mais pelo lado do “bem”: o legado urbanístico na cidade. E agora a disputa é para ter um “atestado de lernista”.
Sem apoiar ninguém
Lerner se pronunciou pelas redes sociais no fim do mês passado negando que esteja vinculado a qualquer candidato em Curitiba. Mas o “passe” dele e sua imagem de prefeito inovador é alvo de disputa pública e de bastidores.
A deputada estadual Maria Victoria, candidata do PP, à prefeitura foi a primeira a reivindicar o atestado de lernista. Chegou a divulgar que Lerner vinha contribuindo com a elaboração de suas propostas de campanha. “Além de ter colocado a equipe dele à minha disposição, me passou muitos projetos que ele entende que precisam ser retomados, como o Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT)”, disse Maria Victoria à Gazeta do Povo. O Instituto Jaime Lerner negou que o ex-prefeito esteja colaborando com ela.
O também deputado estadual Ney Leprevost, candidato do PSD, tem destacado nas redes sociais sua “ligação” com Lerner: lembra que foi secretário de Turismo do ex-governador, publica fotos ao lado dele e chama-o de “grande prefeito” e um “professor” que sempre deve ser ouvido.
Lerner ganhou elogios até mesmo daquele que tinha de tudo para ser o mais anti-lernista desta eleição. Em artigo divulgado em seu site, o deputado estadual Requião Filho, candidato do PMDB, disse que Curitiba sente falta de administradores “inteligentes, corajosos e com grandes ideias”. Logo depois, cita o ex-prefeito – adversário histórico de seu pai, o senador Roberto Requião. “Para mim, Curitiba bem que poderia usar mesmo um pouco do lernismo”, diz o deputado no texto, citando as “transformações positivas” da era Lerner que tornaram Curitiba “referência mundial”.
Já a campanha do prefeito Gustavo Fruet (PDT) tenta se equilibrar em uma linha fina. Quer o apoio de Lerner, mas ensaia explorar o “lado negro” do lernismo. Um lernismo sem Lerner, diga-se. Após perder a disputa de bastidor pelo apoio do governador Beto Richa para o ex-prefeito Rafael Greca (PMN), o estafe de Fruet avalia ressaltar que o adversário representaria a volta do grupo que comandou a prefeitura por 24 anos, de 1989 a 2013.
O problema para a equipe do atual prefeito será como desvincular a imagem de Lerner das de Greca e Richa. Lerner foi o primeiro prefeito da “dinastia” dos 24 anos, seguido por Greca, Cassio Taniguchi, Richa e Luciano Ducci.
Greca, por sua vez, nem mesmo precisa fazer muito esforço para vincular sua imagem à de Lerner, por ter sido o primeiro a herdar sua cadeira na prefeitura. Mas, nos bastidores, corre o rumor de que, se há um candidato sem chance alguma de ter o apoio de Lerner, é justamente o seu sucessor. Coisa antiga. Greca largou a turma lernista para se aliar ao arquirrival Requião em 2002 – uma “virada” de casaca facilmente explorável pelos adversários.
Colaboraram Euclides Lucas Garcia e Rogerio Waldrigues Galindo
Falta de soluções para gargalos e afastamento do ex-prefeito da política explicam volta do lernismo
O professor de ciência política Doacir Quadros, do Grupo Uninter, avalia que o resgate da figura de Jaime Lerner nesta campanha pode ser uma opção de resposta dos candidatos aos desafios de Curitiba. Lerner carrega a imagem de ter sido o prefeito da época em que a cidade era considerada a capital modelo – algo que hoje é questionado.
“A cidade cresceu muito e tem gargalos que não estão sendo resolvidos. Precisa de uma administração estratégica”, diz. Segundo Quadros, o planejamento e a gestão estratégica são justamente características do lernismo, marcado pela identificação dos problemas e por intervenções urbanas baseadas na técnica (e não na política) para solucioná-los.
Quadros não vê, contudo, nenhum candidato com a marca típica do lernismo: o de prefeito-técnico. Lerner é arquiteto e urbanista. Cassio Taniguchi, outro expoente dessa estirpe, engenheiro. Para o cientista político, os principais concorrentes à prefeitura têm um perfil mais político-parlamentar do que técnico.
Casuísmos enfraquecidos
O professor de Arquitetura e Urbanismo Clovis Ultramari, da PUCPR, acredita que o longo afastamento de Lerner da vida partidária também ajuda a explicar o atual reconhecimento de seu trabalho na cidade pelos candidatos. “Com o tempo, suas intervenções urbanas vão sendo despidas de casuísmos políticos. Defender seu legado não vai mais causar problemas, ferir alianças e coligações”, diz. “Sobraram as ideias que deram certo.”
Porém, Ultramari faz um alerta para os candidatos que pretendem apostar todas suas fichas no resgate do lernismo. Segundo ele, no mundo inteiro a discussão sobre grandes projetos urbanísticos (típicos do lernismo), embora ainda tenha seu espaço, vem perdendo terreno para o debate de medidas e intervenções para mudar o comportamento dos cidadãos. “Esse tem sido o foco das cidades que se reinventaram.”
O professor cita como exemplos de mudança de hábitos o uso da bicicleta como meio de transporte e a ocupação de espaços públicos pelas pessoas (casos dos parques e do Museu Oscar Niemeyer em Curitiba).
Oito décadas de Lerner
Perto de completar 80 anos, Lerner tem sido um personagem da política curitibana desde a década de 1970.
1937 - Nasce Jaime Lerner, em Curitiba, de uma família de judeus da Polônia.
1964 - Lerner forma-se em Arquitetura pela UFPR.
1965 - Participa da criação do Ippuc, onde contribui para a elaboração do Plano Diretor de Curitiba.
1971 - Filia-se à Arena, partido de sustentação da ditadura militar. Logo em seguida, é nomeado prefeito biônico de Curitiba, sem passar por eleição.
1972 - Fecha a Rua XV de Novembro para carros e cria um calçadão para pedestres. À época, a intervenção foi polêmica. Hoje, é elogiada.
1974 - Começa a implantar as canaletas para os ônibus expressos e o sistema integrado de transporte coletivo. Uma inovação copiada em todo o mundo até hoje.
1975 - Termina seu primeiro mandato como prefeito.
1979 - Novamente é nomeado prefeito biônico. Exerce o cargo até 1983, período em que prossegue com a implantação do projeto urbanístico preconizado pelo Plano Diretor.
1985 - Disputa pela primeira vez uma eleição para prefeito de Curitiba. Mas, num período de redemocratização, carrega o peso de ter sido um aliado da ditadura e perde para o então deputado estadual Roberto Requião (PMDB).
1988 - Já filiado ao PDT, vence a eleição para a prefeitura de Curitiba na histórica campanha dos 12 dias – na qual substitui o então candidato pedetista Algaci Túlio a menos de duas semanas da votação.
1989 - Toma posse para seu terceiro mandato, que ficaria marcado por inovações (como os ônibus ligeirinhos e as estações-tubo), investimentos em meio ambiente (como o programa Lixo Que Não É Lixo) e por diversas obras que se tornaram ícones da cidade (Ópera de Arame, Jardim Botânico, Pedreira Paulo Leminski, Universidade Livre do Meio Ambiente).
1992 - Consegue eleger seu sucessor, Rafael Greca. O mesmo grupo administraria a prefeitura até 2013 (também foram prefeitos nesse período Cassio Taniguchi, Beto Richa e Luciano Ducci).
1994 - Embalado pela popularidade de sua gestão em Curitiba, elege-se governador do Paraná pelo PDT. Lerner seria reeleito em 2002 pelo PFL. Durante os oito anos no comando do estado (1995-2003), atrai empresas para o estado – a Renault foi o caso mais emblemático. Também é responsável pela implantação do pedágio no Paraná e pela criação da Paranaprevidência. Na sua gestão, vende o Banestado para o Itaú. Tenta privatizar a Copel, numa tentativa frustrada. Deixa o governo com baixa popularidade.
2002 - É escolhido como presidente da União Internacional de Arquitetos, cargo que ocupa até 2005.
2003 - Ao deixar o governo do estado, passa a se dedicar a desenvolver projetos urbanísticos e a prestar consultoria em diversos países. Desde então, não se envolve mais de forma intensa na política partidária. Mas segue sendo uma referência constante em períodos eleitorais, para o bem e para o mal.
2010 - É considerado pela revista norte-americana Time um dos 25 pensadores mais influentes do mundo.
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