A eleição municipal de outubro, sob vários aspectos, vai limitar a exposição dos candidatos: eles terão menos tempo de campanha, menos espaço na televisão e no rádio, e menos dinheiro para gastar com publicidade.
Nas palavras da jornalista Belisa Ribeiro, especializada na preparação de candidaturas, as eleições deste ano serão “SSI”: sola de sapato, saliva e internet. Os jingles devem ocupar apenas 35 dias da programação diária e as campanhas durarão metade do tempo usual, 45 dias. Além disso, com a proibição de se arrecadar recursos junto a pessoas jurídicas, o financiamento será feito com doações individuais e verbas do Fundo Partidário.
As particularidades do pleito atual fizeram muitos pré-candidatos correrem para se matricular em cursos e treinamentos preparatórios, uma verdadeira “escola de políticos”. Diversos programas ofertam preparação individual, assim como consultorias aos partidos. Em junho, a Fundação Perseu Abramo e o PT criaram um programa de formação para pleiteantes a vereador. PPS, PSDB e PMDB também têm programas similares.
Belisa trabalhou nas campanhas de Moreira Franco (PMDB) ao governo do Rio de Janeiro, em 1986, e de Fernando Collor de Melo à Presidência da República, em 1989. “Identificamos a atipicidade das eleições desse ano e vimos que precisaríamos preparar melhor os candidatos. Eles têm pouco tempo e escassez de recursos, por isso precisam saber como se expressar em público e como formar uma equipe que se engaje no projeto”, explica ela, que é idealizadora do curso online “Sua eleição em um clique”, hospedado no portal Didaticus. São oito aulas online de cerca de 45 minutos de duração para vereadores e 11 para prefeitos, incluindo uma específica sobre debates.
“As eleições municipais também têm como característica serem mais aguerridas que as eleições para deputados, senadores e até mesmo a Presidência, porque elas atuam mais no campo local, falam da realidade da casa dos cidadãos. Tem vereador que não se elege por dois ou três votos. O universo discutido nessas eleições é muito próximo da realidade do eleitor, fala do seu dia a dia, então é uma conquista diária por confiança”, completa Belisa. Até o início do curso, na terça-feira (19), as inscrições custavam de R$ 1.960 para vereadores e R$ 2.800 para prefeitos.
Segundo a jornalista, o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Blairo Maggi (PP) solicitou a aplicação do curso para os candidatos do partido em Cuiabá (MT) e uma legenda do Piauí também deve usar o curso para preparar seus políticos nessa eleição.
“Nós não podemos esquecer que vivemos em uma democracia e ela precisa de representantes para funcionar. Nós vivemos um tempo de questionamentos na política, mas os cargos eletivos são fundamentais na sociedade. Se está ‘ruim com eles’, seria muito ‘pior sem eles’. Daí a importância de o candidato ser honesto na hora de ofertar propostas”, diz Belisa.
Oratória é fundamental
Em Santa Catarina, um curso dedicado à oratória dos candidatos, que já preparou mais de mil políticos ao longo de 20 anos, também se readequou às mudanças eleitorais. “O tempo para os candidatos construírem a imagem perante o público ficou bem reduzido. O marketing será bem menor, por isso é muito importante aquilo que o político consegue transmitir no corpo a corpo. As palavras são muito importantes. O escopo de trabalho dos políticos mudou, eles têm que jogar limpo”, afirma Daniel Piccoli Garcia, professor de oratória dos cursos de especialização Acácio Garcia.
“Nós focamos principalmente na questão da voz, da dicção, dos gestos e da postura. A linha principal do nosso curso é como se portar perante uma multidão. Algumas pesquisas indicam que o medo de falar em público é maior que o medo de morrer. Por isso o candidato tem que estar preparado. Se ele se amedrontar, não pode transparecer. Nós ensinamos técnicas para superar esse medo”, continua.
Segundo Garcia, o pré-candidato deixa para última hora a preparação. Os cursos recentes, que acontecem em Florianópolis, envolveram 30 políticos de cinco partidos diferentes. A preparação individual dura apenas um dia: são oito horas de técnicas, gravações e discursos. Já os cursos coletivos, de 10 a 15 pessoas, duram dois dias, totalizando 16 horas. As aulas individuais custam R$ 2.500 e as coletivas R$ 800 por participante.
Para os especialistas, as eleições desse ano devem ser mais “sinceras”. “Um dos principais conselhos que a gente dá é falar verdade. O candidato precisa ser ele mesmo, precisa pesquisar, conhecer a cidade, a realidade dos bairros. Além disso, ele precisa ouvir o eleitor. Como os candidatos não podem ofertar nada em troca de voto, o brinde que ele tem que dar é ceder espaço na agenda para ouvir os eleitores”, afirma Belisa.
Segundo ela, os índices de confiança da sociedade têm aumentado. “Os brasileiros já estiveram mais pessimistas. A Lava Jato está mostrando que os políticos envolvidos com corrupção estão pagando ou vão pagar por isso. Por isso é fundamental que o candidato fale a verdade. Nós ainda temos um problema educacional muito grande, e isso se reflete na política. Basta lembrarmos da votação do impeachment na Câmara e as justificativas dos deputados. Essas eleições serão como uma revisão.”
ComoSerEleito.com
Thiago Henrique Bento, consultor político e criador dos sites www.comosereleito.com e www.vereadoreleito.com, trabalha há anos com eleições e também pondera sobre as particularidades do pleito de 2016. “Esta eleição vai ser muito diferente de todas as outras que já vimos. O corpo a corpo e a presença nas mídias sociais serão muito importantes, principalmente para os candidatos a vereador que precisam conquistar o voto no ‘varejo’ e não no ‘atacado’. Sabemos que não há mais espaço para amadorismo na política”, explica.
O primeiro site é destinado a dúvidas frequentes, curiosidades e atividades de um vereador, e o segundo é um curso dividido em módulos no formato ensino a distância (EAD). As aulas envolvem papel e atribuições de um vereador, quociente eleitoral e convenção partidária, correção de imagem, mapeamento do território eleitoral, levantamento de dados, propostas, jingle, marketing digital, eventos, propaganda e “reta final”.
“A grande maioria dos pré-candidatos nem sequer tem noção de como funciona a Câmara Municipal e qual é o verdadeiro papel do vereador. Durante a campanha os candidatos cometem os mesmos erros. É de extrema necessidade que eles estejam preparados”, finaliza.
“Os cursos para os candidatos atuam quase sempre no campo da prática. Nós brincamos que eles funcionam como os cursos que ensinam a dirigir ou um curso de cabeleireiro, não podem ser feitos com base na literatura. Você não consegue ser autodidata no trânsito e na política. Você precisa da prática, do dia a dia”, completa Garcia.
Candidatos cometem erros por despreparo
Especialistas alertam: se o jingle mentir, candidato pode pagar por isso
- Eriksson Denk, especial para a Gazeta do Povo
Jingles de metralhadores do funk ou passagens muito rápidas pela televisão que envolvem toda sorte de situações: bronca, chiado, gestos suspeitos, símbolos esquisitos, a repetição em loop de números e até mesmo animais. Uma rápida pesquisa no YouTube mostra que essas músicas estrambólicas são marcas cravadas na cultura eleitoral brasileira, mas elas pecam quando faltam com a verdade.
Três especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo são categóricos: os candidatos cometem muitos erros, quase sempre por despreparo, e os jingles estão nesse rol.
“Nós sempre orientamos os políticos a falarem a verdade. A palavra deles é uma garantia. Eles serão cobrados por isso”, afirma Belisa Ribeiro, jornalista especializada em marketing político. “É importante que o candidato tenha bagagem cultural para saber argumentar. Ele só consegue defender um posicionamento se tiver como responder a alguma indagação”, completa o professor de oratória Daniel Piccoli Garcia.
Um dos principais erros cometidos é a falta de preocupação diária dos políticos em relação ao escopo de trabalho. “Nos procuram em cima da hora, em períodos eleitorais e também quando há algum tipo de problema, como CPIs. Mas é um preparo que deveria ser construído com calma”, comenta Garcia.
Thiago Henrique Bento, consultor político, alerta para as imprecisões cometidas no dia a dia e também por desconhecimento de legislação. “Durante a campanha os candidatos cometem os mesmos erros: prometem ao invés de propor, ‘jogam’ o material de campanha na casa do eleitor ao invés de bater na porta para ouvir as demandas, e assim conquistar a confiança e posteriormente o voto”, afirma. Ele completa que muitos partidos têm consultores para fins de homologação, filiação e orientação, mas ainda assim os pleiteantes cometem equívocos.
Já sobre os jingles, o consultor afirma que um erro que pode acontecer em 2016 diz respeito à padronização das músicas. Muitos sites vendem o “pacote” pronto, diferenciando apenas na letra da música e nos números do candidato, o que não gera identificação por parte do eleitor.
O Ministério Público Federal também alerta para algumas proibições que sempre ensejam problemas nas eleições, como o veto a símbolos semelhantes aos governamentais; divulgação de mentiras sobre candidatos ou partidos para influenciar o eleitor; ofensa; utilização de organização comercial, premiação e sorteios para propaganda; propaganda em língua estrangeira; realização de showmícios e distribuição de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor.
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