| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo/Arquivo

Era uma vez uma cidade em crescimento, com vários bolsões de pobreza em áreas irregulares. E então a creche foi concebida para ajudar no programa de desfavelamento de Curitiba.

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Foi assim: em 1976, o Ippuc, o instituto de planejamento municipal, lançou um plano para amenizar os problemas sociais da cidade, conforme conta a pedagoga Elisângela Mantagute, na tese “Educar a Infância”. Na época, Curitiba tinha 44 favelas, e o poder público pretendia remover as famílias para outras áreas planejadas, que contariam com infraestrutura e serviços públicos, como o local para deixar seus filhos.

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O ritmo de obras foi intenso: entre 1977 e 1978, foram inauguradas seis unidades; ao final de 1982, havia 32 creches. Na época, as mulheres com emprego formal em Curitiba eram 152,5 mil, conforme dados de 1985 do Ministério do Trabalho (35% do total).

De lá para cá, a força feminina na labuta formal só aumentou. O dado mais recente, de 2014, indica que as curitibanas ocupam 460,5 mil vagas, metade do mercado formal. Some-se a isso o contingente de empreendedoras e trabalhadoras informais, e se tem a ideia da grande demanda que se criou por uma creche.

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A rede de Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) tem hoje 205 unidades, 24 mil matrículas de crianças de zero a 3 anos. Ao longo das últimas décadas, os prefeitos de Curitiba investiram na criação de vagas de período integral, para realmente ajudar as famílias trabalhadoras. Atualmente, 99% das crianças ficam mais de sete horas aos cuidados do município.

Nenhuma outra capital do Sul ou do Sudeste, com porte e renda semelhantes, oferece tantas vagas integrais. Esse diferencial cria também problemas, segundo a academia. Há o chamado “efeito demonstração”, como explica a pedagoga Maria Malta Campos, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas. Funciona assim: se há oferta de serviço considerado razoável, os pedidos por uma vaga tendem a aumentar.

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Segundo Maria Malta, em nenhum lugar do mundo há previsão de universalização. “Em muitos países as licenças parentais são mais longas, tanto para os pais como para as mães, e as crianças são encaminhadas para a creche quando estão perto de 2 anos”, observa. Ela ressalta que o Plano Nacional de Educação (PNE) fixou como meta atender 50% das crianças de 0 a 3 anos até 2024. “O que foi bastante ambicioso”, avalia.

O Plano Municipal de Curitiba, porém, prevê a universalização até 2024, mas com apoio da rede privada. E como garantir o acesso a todos e a qualidade? Maria Malta afirma que não há soluções mágicas. “Existem alguns municípios que atendem em meio período, aqueles que focam em famílias mais pobres, muitos realizam sorteios entre as famílias que demandam vaga, outros combinam diversos critérios”, exemplifica. Segundo ela, o poder público precisa garantir espaços democráticos para que todos os interessados possam ter as informações necessárias para a tomada de decisões negociadas, levando em conta o direito das crianças.

Município precisa focar em questões pedagógicas

Para a pesquisadora Fabiana Silva Fernandes, também da Fundação Carlos Chagas, o principal ponto para resolver a questão da demanda das creches é o financiamento. “Sem isso não há programas educativos que se sustentem, dentro de um determinado padrão de qualidade aceito para as instituições de educação infantil”, afirma.

Segundo ela, as necessidades das crianças e a função educacional poderiam ser plenamente atendidas em meio período, mas critica a substituição de período integral feita sob justificativa econômica. “Essa mudança não considera as implicações na organização da unidade educativa e no desenvolvimento do seu trabalho pedagógico”, diz. Ela critica o foco da eficiência presente nas políticas de educação, pois considera que a lógica econômica não funciona na educação. “Em vez de considerarem as questões pedagógicas como norte para a mudança organizacional, o poder público tem como foco a eficiência econômica, pois o que vale é justamente ampliar com menores custos”.

Em 2014, o Ministério Público do Paraná ingressou com ação civil pública para a prefeitura ofertar prontamente 9 mil vagas para atender a demanda manifesta por creche. A decisão em primeira instância atendeu em parte o pedido, mas o MP aguarda o julgamento de recursos para dar seguimento à ação. Segundo a promotora de Justiça Hirmínia Dorigan de Matos Diniz, o município ainda precisa cumprir o Plano Municipal de Educação e fazer a busca ativa de famílias, e não se basear apenas na demanda manifesta.

(Observação: o texto foi alterado a pedido da pesquisadora Fabiana Silva Fernandes, que discordou da edição original)

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