Em janeiro de 1997, quando Rafael Greca (então no PDT, atualmente no PMN) passava o cargo de prefeito para o sucessor Cassio Taniguchi (atualmente no DEM), uma pequena parcela de brasileiros se animava com outra notícia: pela primeira vez, dali a alguns meses, seria possível enviar a declaração do imposto de renda pela internet.
Um privilégio, então. Uma consulta ao Google – que, diga-se de passagem, surgiu em 1998 – revela que apenas 0,5% da população brasileira tinha acesso à web em 1996. Em 2014, a rede chegou a 54,4% dos brasileiros, segundo o IBGE.
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Concorrendo novamente à prefeitura de Curitiba, assim como em 1992, Greca usa como bordão de campanha o “Volta, Curitiba”. Mas, afinal, qual a Curitiba do começo dos anos 1990? O quanto ela era diferente da cidade em que vivemos hoje?
Atribuições na área de saúde são bem maiores
- Rosana Felix
Décadas atrás, os municípios brasileiros destinavam, em média, 5% do orçamento municipal para a saúde e 12% para a educação, diz François Bremaeker, do Observatório de Informações Municipais. A Constituição Federal determinou aplicação 25% para a educação e a Emenda 29, de 2000, regulamentada só em 2012, determinou 15% para a saúde. Entretanto, o gasto dos municípios é maior do que isso.
“Atualmente há uma aplicação média de 24% dos orçamentos em saúde. Juntando com educação e uns 5% que costumam ser destinados à assistência social, o orçamento fica bem engessado. Os recursos que antigamente iam para urbanismo minguaram, na média, de 25% para 11%”, explica Bremaeker.
Segundo Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), os municípios assumiram muitas atribuições na área de saúde. “Considerando apenas os programas de Saúde de Família e agentes comunitários de saúde, houve acréscimo de meio milhão de servidores na área, mantidos pelas prefeituras”, diz. Segundo ele, o problema é o subfinanciamento, já que municípios não recebem os repasses equivalentes e reajustados da União e estados, e o número de programas que viraram atribuições dos municípios. “Os prefeitos aderem, recebem uma ajuda para investimento, mas depois tem o gasto com manutenção.
A discussão que opõe a capital paranaense de outrora com a dos tempos atuais, de maiores restrições orçamentárias, não está limitada aos candidatos líderes nas pesquisas – Greca e o prefeito Gustavo Fruet, que se enfrentam em debate promovido pela Gazeta do Povo nesta segunda-feira (12). Ela também integra, em maior ou menor grau, o discurso dos demais concorrentes ao Palácio 29 de Março.
Tendo isso em vista, o Livre.jor buscou para a Gazeta dados que mostram como a cidade mudou e se tornou mais complexa. E não apenas ela. A legislação que regula a administração pública, também – basta dizer que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que baseou as acusações que terminaram no impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), só chegou em 2000.
“Era muito mais fácil antes da LRF. Nesta fase do ano era muito comum o gestor fazer uma ARO, antecipação de receita orçamentária, e deixar para o próximo prefeito pagar”, conta o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, que foi prefeito no Rio Grande do Sul entre 1993 e 1996. Ele diz que o conceito de superávit primário das contas públicas também limitou o endividamento.
Fazer grandes investimentos também ficou mais difícil com o passar do tempo. Segundo o economista François Bremaeker, gestor do Observatório de Informações Municipais, o agravante é a crise econômica brasileira, que afetou o repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e toda a arrecadação tributária dos entes.
As mudanças, porém, não impedem uma boa administração municipal, dizem ambos, desde que a crise financeira chegue ao fim. “Um bom gestor de épocas passadas pode voltar e fazer uma boa administração, mas a conjuntura era uma, agora é bem diferente”, diz Ziulkoski. “A administração municipal se tornou bem mais complexa. Não dá para voltar para aquela época, ainda que se possa tentar recuperar algumas coisas”, acrescenta Bremaeker.
Novo perfil
Em 1996, Curitiba tinha 1,47 milhão de habitantes, segundo o IBGE. Em 2016, segundo projeção do órgão, há 1,89 milhão. É como se toda a população da terceira maior cidade do Paraná, Maringá (403 mil habitantes, atualmente), tivesse se mudado para a capital em 20 anos. Não foi só de gente que a cidade se encheu. Em 1996, havia 62,9 mil alvarás ativos de atividades e edificações comercias. Vinte anos depois, são 411,7 mil – aumento de 554,35%.
Hoje é difícil encontrar curitibano que dirija e não reclame do trânsito. Não à toa: a capital tem hoje 1,4 milhão de veículos circulando. É quase três vezes mais que em 1996. E, enquanto os veículos particulares se proliferaram, o número de passageiros do sistema de transporte de Curitiba caiu 20%. A queda começou, justamente, em 1996. Um ano antes, o sistema transportara quase 600 mil pessoas. Desde então, começou a perder usuários, com recuperações que coincidiram com o represamento de reajustes tarifários – uma das causas da crise atual – no período 2005 a 2008.
Na época de Greca, não havia subsídio ao transporte. Em 2016, é difícil que se debata soluções para a crise do transporte coletivo sem que se fale em apoio público.
A rede municipal de unidades de saúde básicas e de atendimento de urgência – que funcionam 24 horas ao dia – fechou 1996 com 66 postos. Vinte anos depois, há 118. Ainda assim, há muita reclamação. O mesmo ocorreu na área educacional. Entre creches, escolas, Faróis do Saber (então uma novidade), a prefeitura administrava 290 unidades educacionais – incluídos aí os sete núcleos regionais da Educação – ao fim de 1996. Vinte anos depois, a rede é 83% maior, e ficou mais complexa e diversificada. As vagas em creches e na educação infantil aumentaram 177%, mas de forma insuficiente.
Outro dado que mostra a elevação de gastos do município é o número de ligações elétricas: elas cresceram 48,95% em Curitiba entre 1996 e 2012 (informação mais recente disponível), segundo dados da Copel. Considerando apenas as de serviços públicos (fontes e chafarizes em praças, por exemplo), o aumento foi de 240,63%. Ou seja: a prefeitura precisa gastar proporcionalmente mais dinheiro, atualmente, com contas de luz, que há 20 anos.
Mudanças na legislação dificultam comparações objetivas
- José Lazaro Jr. do Livre.jor, especial para a Gazeta do Povo
Quem jogou futebol antes de 1863, sem a regra do impedimento, fazia o que queria no ataque. Troque esse jogador por um prefeito brasileiro de agora, e a criação do impedimento pelo ano de 2000, quando surgiu a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), e você vai entender como ficou mais difícil marcar gols na gestão pública.
Foi a LRF, por exemplo, quem proibiu gastos superiores a 54% da receita com os funcionários da prefeitura. Se o gestor descumprir a regra, sofre várias punições, como perder recursos da União – um “cartão vermelho” que compromete as finanças da cidade. O limite para empréstimos, que não existia, passou a 120% da receita corrente líquida.
A transparência pública também mudou muito nesses 20 anos. A fiscalização deixou de ser presencial com a LRF, que padronizou os relatórios, tornando-os comparáveis, instituiu as prestações de contas quadrimestrais. Em 2009, a Lei Capiberibe botou tudo isso na internet. Em 2012, o cidadão ganhou ainda mais autonomia com a Lei de Acesso à Informação (LAI), podendo questionar diretamente o prefeito.
Só nos últimos doze meses, a prefeitura de Curitiba foi obrigada a responder a cidadãos 1.225 pedidos de informação. Essa imposição não existia 20 anos atrás, quando Rafael Greca administrou a cidade. Além disso, Fruet encerará a gestão com mais de 1.500 requisições de dados dos vereadores – o triplo dos seus antecessores.
Há, ainda, as conferências municipais, realizadas parcamente desde 1941, retomadas a partir de 2003. Nelas, a sociedade organizada critica e aponta diretrizes para o setor público. No último ano, Curitiba discutiu nesses fóruns políticas de emprego, direitos da mulher, saúde, desenvolvimento urbano, juventude, LGBT, cultura e segurança alimentar, entre outros temas.
Uma das normas ainda em vigor que já existia com Rafael Greca é a Lei de Licitações, de 1993. Ela sofreu mais de 15 ajustes, como o tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas nas compras públicas, instituído em 2014. Antes disso, em 2002, o pregão eletrônico foi regulamentado. Em 2007, os convênios e repasses passaram a operar num sistema eletrônico, o Siconv. Em 2012, consolida-se a passagem à nova contabilidade do setor público, alinhando o Brasil às regras internacionais.
Para as prefeituras, teve grande impacto a Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, que determina o fechamento dos lixões. Outra grande mudança ocorreu agora em 2016: a obrigatoriedade de matricular todas as crianças a partir dos quatro anos.
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