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| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

O Gênesis conta que os descendentes de Noé quiseram chegar aos céus ao construir a Torre de Babel e, desse modo, irritaram Deus. A punição pela insolência – a confusão de línguas – não foi apenas pela tentativa de erguer uma edificação para se aproximar da morada do Divino. Também foi porque os homens, ao se reunirem numa grande aglomeração urbana, estavam descumprindo a ordem de se espalhar pelo mundo. A Bíblia não é obviamente um tratado urbanístico. Mas, por linhas tortas, acaba por tangenciar uma discussão atualíssima. As cidades devem “espalhar” os homens, propiciando uma urbe com mais casas? Ou reuni-los em bairros “compactos”, privilegiando grandes torres residenciais onde mais gente possa morar no mesmo espaço de chão?

Do ponto de vista da eficiência, a Bíblia não teria razão. Cidades compactas são mais econômicas, diz o arquiteto Alexandre Pedroso, integrante da Frente Mobiliza Curitiba. Ao “espalhar” a cidade, é necessário também “espalhar” a infraestrutura urbana – o que sai mais caro para as prefeituras. Mas Pedroso alerta: cada caso é um caso e tem de ser analisado separadamente. Não é adequado concentrar gente onde não há serviços públicos disponíveis, por exemplo.

Curitiba já se depara com o dilema de “verticalizar” ou “horizontalizar” a cidade. Um quebra cabeça que, se não for bem resolvido, pode resultar numa confusão urbana de proporções bíblicas.

A revisão do Plano Diretor, aprovada no ano passado pela Câmara Municipal, ampliou os locais em que é possível construir prédios mais altos na capital – veja quais são essas áreas. Mas não fixou parâmetros para que isso ocorra. A definição depende de uma nova Lei de Zoneamento – cuja discussão poderá ficar a cargo do prefeito e dos vereadores que serão eleitos em outubro.

“O que está em jogo é saber que tipo de cidade nós queremos”, diz o arquiteto e urbanista Luís Henrique Fragomeni, professor aposentado da UFPR e presidente, entre 2006 e 2007, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc). Para ele, a cidade nem mesmo precisava abrir novas frentes de adensamento. Estudo conduzido na UFPR pelo próprio Fragomeni mostra que, mesmo antes da revisão do Plano Diretor, Curitiba poderia comportar até 6 milhões de moradores se utilizasse todo o espaço disponível para construções. Hoje, a cidade tem “apenas” 1,7 milhão de habitantes.

Fragomeni afirma que as novas zonas de adensamento são criadas por pressão do mercado imobiliário. E que podem descaracterizar a paisagem de Curitiba e o planejamento que tornou a cidade uma referência em urbanismo. Uma das consequências pode ser mais congestionamentos (onde há concentração de moradores com carros). Há de se pensar também, diz ele, se os rios e o sistema de esgoto suportarão um bairro com mais habitantes.

Diretor de assuntos governamentais da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Paraná (Ademi-PR), Kalil Chuchene diz que o empresário do setor não pode ser demonizado. “Não adianta construir onde as pessoas não querem morar”, afirma ele ao citar que muitas das áreas de adensamento ainda ociosas não despertam interesse de quem quer comprar imóveis porque não contam com boa estrutura de serviços. Ele exemplifica um caso desses: a Linha Verde.

Chuchene também diz que é preciso haver um estoque de áreas potencialmente adensáveis para que a escassez de locais para construir não encareça demais o preço dos imóveis – algo que acaba por “expulsar” gente para os municípios vizinhos.

O arquiteto Alexandre Pedroso diz que a prefeitura tem nas mãos instrumentos legais para evitar que isso ocorra e para forçar a ocupação dos vazios urbanos. Um deles é o IPTU progressivo no tempo, que aumenta ano a ano até que o proprietário seja forçado a dar um uso para o terreno.

Mas nem mesmo é preciso brigar com o mercado para proporcionar novas moradias em bairros bem estruturados, afirma Pedroso. A lei permite que prefeitura entre como sócia do dono de um terreno em uma área de interesse de adensamento. Se ele não tem dinheiro para construir algo na área, entra com a propriedade que o município (ou um parceiro) faz a obra.

Talvez esteja por aí a solução para que todos – poder público, mercado, urbanistas e cidadãos – voltem a falar a mesma língua.

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