Numa disputa eleitoral com muitos casos de violência contra candidatos, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, diz que o eleitor não pode se deixar intimidar por facções criminosas e milícias. Ele também reconhece que há risco de judicialização das campanhas, com a possibilidade de eleitos virem a perder o cargo por impugnação de candidaturas.
Houve muitos casos de violência contra candidatos na reta final. A violência foi acima do normal nesta eleição?
Os números são preocupantes. Nós já havíamos sido advertidos pelo presidente do TRE do Rio de que havia o risco de recrudescimento da violência em função do encerramento da Olimpíada e da Paralimpíada e da saída das forças federais. Então, nós cuidamos, junto com os ministros da Defesa (Raul Jungmann) e da Justiça (Alexandre de Moraes), para que houvesse a permanência delas. Aí tivemos os episódios na Baixada Fluminense. Hoje, já são mais de 15 assassinatos na região. O Rio tem uma situação peculiar: tem a violência ligada à concorrência política, mas tem a questão do crime organizado, das milícias.
O eleitor poderá estar submetido a algum tipo de risco quando for votar? As facções podem querer dar algum tipo de recado?
Não acreditamos nisso, mas não podemos subestimar a presença do crime organizado no processo. Eu acho, e tenho falado com as autoridades, que o Rio de Janeiro é mais que um case de estudo. É um desafio para o Brasil. Falei ontem com o vice-procurador-geral, com o ministro da Justiça, o da Defesa, com a presidente do Supremo Tribunal Federal. Acho que as autoridades deveriam pensar em algum tipo de união, um mutirão para enfrentar esse tipo de situação, pois nos preocupa a presença do crime organizado nas eleições. Tornando-se vereador, prefeito, deputado, passa a atuar de maneira organizada no sistema político.
A Justiça Eleitoral tem como evitar essa participação, se eles (os criminosos) forem eleitos?
Formalmente não, talvez a (Lei da) Ficha Limpa. Mas se são pessoas ligadas ao crime, elas têm que ser combatidas pelo processo institucional normal. Por isso, tem que haver uma ação conjunta. Isso vai muito além do processo eleitoral, exige um mutirão institucional.
No caso do Rio, o senhor se refere a algum mecanismo para impedir que o crime organizado se institucionalizasse via eleição?
Na verdade, tem que haver o combate ao crime organizado. Em suma, o estado de direito tem de voltar a presidir as relações. Não pode haver um território em que as pessoas não podem transitar ou que as autoridades não podem visitar. Por exemplo, eu estava na presidência do TRE do Rio, discutindo logística, e fomos informados que na Favela da Maré, às seis horas da manhã, não poderiam entrar as urnas. Na logística, previa-se para às seis da manhã. Lá são 90 mil eleitores.
A violência e a presença do crime organizado no processo são mais graves no Rio do que no resto do país?
Isso o setor de inteligência terá que identificar. Mas, certamente, tem uma presença muito forte no Rio, onde você identifica facções, a presença forte das milícias. Isso é notório. Mas nós já vimos essa discussão em São Paulo, a presença do PCC na Câmara de Vereadores e até na Assembleia Legislativa.
Com as doações de pessoas físicas, há políticos dizendo que facções estão financiando campanhas...
Não há uma relação de causa e efeito. Com o modelo de doação corporativa nós já tínhamos também a presença de doações ilícitas. Mas é claro que há uma certa facilitação, na medida em que o dinheiro já é ilícito, já vem de caixa dois, três, quatro e certamente pode ser vertido para a campanha. Mas eles já participavam antes do processo. Nas comunidades, pessoas ligadas notoriamente ao crime organizado, às vezes até por laços de parentesco, estão liderando campanhas em vários locais no Rio de Janeiro.
Que conselho o senhor dá ao eleitor que hoje vai às urnas e que tem, na região dele, um candidato com essa vinculação com o crime organizado?
Eu diria: não sucumba a esse tipo de tentação, não valide o crime organizado, não reforce esse tipo de poder.
O voto é secreto, mas há pessoas que acreditam que, mesmo assim, há controle sobre o voto. Como o eleitor se garante sobre isso?
Não podemos escamotear a realidade. Sem dúvida nenhuma as pessoas que estão em uma comunidade sabem como foi o resultado da eleição e como se comportaram determinados setores. Elas têm razão para temer esse tipo de domínio. Mas me parece que o trabalho, que não é de curto prazo, do poder público, é de uma libertação, de restaurar a normalidade nesses espaços, restaurar a autoridade, a presença do estado de direito.
O veto à doação empresarial foi uma experiência que deu errado?
Não, não se pode dizer isso. Eu sou crítico da mudança, mas tenho a forte impressão de que, para fazer ajuste no sistema de campanha, temos que fazer antes ajuste no sistema eleitoral. E sabendo qual é o sistema eleitoral, vamos poder fazer o financiamento de campanha. Temos 500 mil candidatos e como é que se financia esse sistema? Com esse sistema, se o Estado fosse distribuir R$ 10 mil (a cada candidato), o que é insuficiente, precisaríamos de R$ 5 bilhões do fundo partidário.
A eleição deste ano tem uma legislação Frankenstein?
Exatamente. Combinamos coisas de difícil compatibilização. E ainda veio o Congresso e colocou limites mais ou menos estritos. Em 62% dos municípios, o gasto do candidato a vereador não pode ultrapassar R$ 10,8 mil. E nesses municípios a despesa do prefeito não pode ultrapassar R$ 100 mil. Portanto, tetos muito estritos. Será que (os limites) estão sendo observados? Será que não está havendo caixa 2? É muito difícil responder.
O senhor consegue ver alguma coisa positiva neste modelo?
O dado positivo é que, com a reação toda a esse excessivo gasto e com a legislação que se estabeleceu, e também com os modelos de fiscalização, as campanhas estão sendo mais modestas. Não vemos aquela gastança que se via. Pelo menos declarada. Os sinais exteriores de riqueza não estão se manifestando. Visitando Rio, São Paulo, não se vê aquela pujança que se via em termos de material (de campanha).
O uso de CPFs para doações está se confirmando?
Sim, está se confirmando. Temos hoje número significativo de doadores que em tese não teria condição de doar. Aquilo que ocorria antes com a campanha de doação corporativa migra agora para as doações individuais. As fraudes estão se verificando, pessoas que recebem Bolsa Família estão doando, mortos, a manipulação de CPFs para a qual chamávamos a atenção.
O senhor entende que a solução para uma eleição nacional, como a de 2018, tem que ser a volta do financiamento empresarial?
Não emito esse juízo. Defendo que façamos a reforma política, discutamos o modelo eleitoral. Se vamos adotar o modelo de lista, e isso cabe ao Congresso, podemos discutir se devemos manter o privado, se podemos sustentar como público.
E se não mudar o sistema eleitoral?
Eu acho muito difícil, mantido o atual sistema eleitoral, replicar esse modelo para as eleições de 2018. Nós estamos tendo a tendência de expansão do sistema de financiamento público. É o distinto público quem paga essa conta. E qual é o limite de subsídio? Se continuarmos com essa multidão de candidatos, é muito difícil subsidiar esse modelo apenas com fundos públicos, isso é evidente. Eu não considero mais possível chegar em 2018 com esse modelo, inclusive com esse modelo de coligações para as eleições proporcionais. Será um desastre se não conseguirmos fazer um mínimo de reforma, proibir a coligação e impor a redução de partidos no Parlamento.
O Supremo errou quando proibiu a cláusula de barreira?
Acho que errou. Erramos porque eu participei desse erro. Votei no sentido de que a fórmula era errada. Tentamos naquele momento sinalizar que iríamos inadmitir a infidelidade, mas tivemos que sinalizar que poderiam sair para formar um novo partido. Demos deixa para o aumento do quadro partidário. Todos os partidos que saíram daí (foram) um pouco nessa inspiração dada pelo Supremo. O próprio governo instigou o movimento de expansão, e mais oito partidos surgiram.
Com uma composição nova, o STF pode ter outro entendimento?
Com certeza, o tribunal hoje tem consciência de que esse quadro compromete não só o sistema político como a própria governabilidade.
O senhor diria que da Lava-Jato pode surgir a lição de que tem que haver um limite na doação?
Limite estrito, não pode ser 1%, 2% do faturamento. E, claro, precisaria ter outras disciplinas. Maior transparência. O ministro (Dias) Toffoli disse que o caixa dois teria sido banido porque Dilma declarou R$ 360 milhões, uma quantia enorme (em 2014). O candidato Aécio também declarou quase R$ 300 milhões. E o que se revela agora com as investigações da Lava-Jato? Que o marqueteiro que recebeu R$ 70 milhões declarados, também recebeu (por fora)... À boca pequena, pessoas ligadas ao sistema político eleitoral dizem que a campanha da presidente Dilma não pode ter ficado aquém de R$ 1,3 bilhão. Constatado isso, é fundamental que haja mudança.
Em 2012, havia muitos processos de impugnação de candidatura no TSE. Este ano, há um volume represado em instâncias inferiores. Prefeitos eleitos não vão assumir?
Houve um encurtamento do prazo. Tanto é que já discutimos aqui, estamos discutindo para a feitura de lei futura se não seria o caso de ter uma fase de pré-inscrição em que já ocorreriam os debates sobre a legitimidade (das candidaturas). Porque, de fato, vamos ter discussões. E aí poderemos ter um intenso terceiro turno. Eleições realizadas, o candidato concorreria agora impugnado.
Mais que em outras eleições?
Mais que em outras eleições. Essa, infelizmente, é nossa expectativa.
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