A eleição mais curta desde 1992 está sendo também uma das mais humildes e discretas. Faltando apenas uma semana para a realização do primeiro turno, a campanha para prefeito e vereador sumiu das ruas. Há novas regras que restringiram a divulgação de material, mas a grande mudança foi a que proibiu a doação de dinheiro pelas empresas. Em Curitiba, a arrecadação dos nove candidatos à prefeitura é 80% menor do que em 2012, quando oito nomes estavam na disputa - um a menos que na eleição deste ano.
Para fazer a comparação, foram consideradas todas as doações realizadas até 20 de setembro de cada ano. Em 2012, os oito candidatos somaram R$ 14,1 milhões em arrecadação. Isso equivale a R$ 18,96 milhões em valores corrigidos pela inflação. Agora, em 2016, a entrada de recursos ficou em R$ 3,8 milhões (veja comparação abaixo).
Regras novas
Veja algumas mudanças principais da eleição de 2016:
- Proibição de doações empresariais para as campanhas.
- Início da campanha na rua apenas em 16 de agosto.
- Fim do programa em bloco de vereadores.
- Inserções das candidaturas de vereadores e prefeitos ao longo da programação.
- Redução do tempo dos programas de candidatos a prefeito: dois blocos diários de 10 minutos, e menos tempo de propaganda eleitoral gratuita.
- Nas propagandas eleitorais, não podem mais ser usados efeitos especiais, montagens, trucagens, computação gráfica, edições e desenhos animados.
- Fica proibido uso de materiais de divulgação, como placas, faixas, cavaletes e bonecos em áreas de uso público e comum.
- Nas áreas particulares, é permitida a propaganda, desde que seja feita em adesivo ou papel e não supere o tamanho de meio metro quadrado.
Apesar da queda na arrecadação geral, as despesas não caíram na mesma proporção. Agora em 2016, os candidatos registraram gastos de R$ 5,59 milhões até 20 de setembro. Ou seja: estão operando no vermelho.
A consultora política Gil Castillo, que acompanha candidaturas em vários estados, diz que o momento é muito delicado, porque é preciso se comunicar bem, mas há restrições financeiras. “O humor do eleitorado está raivoso, como reflexo do bombardeio de casos de corrupção recentes. Há necessidade de se chegar neste eleitor, mas uma dificuldade muito grande, por causa das novas regras eleitorais”, diz ela, que atualmente é chairwoman da Associação Latino-americana de Consultores Políticos (Alacop).
A falta de dinheiro impacta diretamente na campanha de rua, diz o cientista político Márcio Cunha Carlomagno, da UFPR. “Por isso não houve ainda distribuição maciça de santinhos, como já era praticado nas outras eleições. O material impresso tem custo elevado, porque é unitário. As candidaturas estão preferindo o meio digital, que é feito uma vez e compartilhado por milhares”, observa.
A campanha de rua também foi prejudicada pelas novas regras da minirreforma eleitoral aprovada em 2015 pelo Congresso. Antes, era permitido o uso de cartazes de até 4 metros quadrados em áreas particulares, e fixação e cartazes e cavaletes nas vias públicas, desde que não dificultasse ou impedisse o uso público. Agora, qualquer área pública precisa ficar livre de propaganda, e a metragem máxima é meio metro quadrado em áreas particulares.
Tempo mais curto
Outra mudança importante foi o tempo de campanha e os programas de rádio e tevê. A Lei nº 13.1165/15 instituiu a campanha de apenas 45 dias no primeiro turno, liberando os candidatos a pedir voto na segunda semana de agosto. Anteriormente, a campanha já estava na rua em julho.
O período de propaganda no rádio e na tevê também diminuiu, de 45 para 35 dias. Há menos tempo e mudanças drásticas no programa eleitoral, com a redução de um bloco de meia hora para dez minutos a apresentação dos candidatos a prefeito. “A redução do tempo foi feita para baratear a campanha, mas pessoalmente acho que o programa ficou muito curto. Antes os principais candidatos conseguiam até 12 minutos, o que é um exagero, mas 2 é pouco. O ideal seria um pouco a mais”, avalia Carlomagno.
Os vereadores perderam o programa em bloco, mas contam com inserções espalhadas pela programação. “Eles conseguem atingir mais gente, porque antes as pessoas mudavam de canal ou nem ligavam a tevê. Os efeitos reais ainda precisam ser medidos, mas se pode constatar isso”, diz o cientista político.
Líderes de todos os partidos articulam volta de financiamento privado
No Congresso há um movimento forte para aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permita a volta do financiamento privado nas eleições. A articulação conta com representantes de vários partidos. Segundo reportagem publicada pelo Estado de S. Paulo, líderes do “centrão”, PP, PSD, PTB e SD encabeçam a proposta, e no Senado há apoio de integrantes do PSDB, do PMDB e do PT.
Segundo a reportagem, o deputado André Moura (PSC-SE) disse que a reclamação sobre o o fim das doações empresariais é “generalizada”. “Quem disser que é contra está mentindo. Não tem como fazer política assim”, afirmou.
Por outro lado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), defende a proibição, mas sugere mudanças na legislação, como a adoção de lista fechada. O mandato tampão de Maia, porém, termina no fim de janeiro de 2017, e há movimentação grande do “centrão” para emplacar um nome do grupo para o comando da Casa.
A minirreforma eleitoral aprovada pelo Congresso em 2015 previa o financiamento privado, mas esse trecho foi vetado em setembro pela então presidente Dilma Rousseff. Ela se baseou no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que dias antes declarou a inconstitucionalidade das doações empresariais. A avaliação dos parlamentares é de que uma PEC regularizaria a situação e não haveria mais a interferência do Judiciário na questão.
Avaliação
Para a consultora Gil Castillo, a restrição teve seus pontos positivos, mas restringiu muito o debate eleitoral. “Passada a eleição, que foi cheia de novos experimentos, o ideal é ver o que precisa avançar, o que não foi bom e o que deve permanecer”, opina. Ela pondera que, mesmo sem muito dinheiro, candidatos que são bem próximos dos eleitores e prestam contas constantemente estão conseguindo se destacar nas eleições deste ano.
Candidatos ricos abrem vantagem na arrecadação
Em todo o Brasil, as candidaturas de pessoas com grande patrimônio saíram na frente na arrecadação de recursos. A determinação dos diretórios nacionais e estaduais dos partidos também têm ajudado alguns candidatos, em tempos de proibição de financiamento privado.
Em Curitiba, há exemplos dos dois casos, no levantamento feito pela reportagem com dados até 20 de setembro. Rafael Greca (PMN) doou para si R$ 600 mil, dinheiro obtido com a venda de um terreno, segundo a assessoria de imprensa. Maria Victoria (PP) recebeu R$ 300 mil da sua legenda, 37% do total arrecadado por ela. O repasse do PMDB para Requião Filho, que totaliza R$ 187 mil, representa 83% do total arrecadado por ele.
Um caso emblemático é a do empresário João Doria, candidato à prefeitura de São Paulo pelo PSDB. Ele fez doou à própria campanha R$ 2,4 milhões. Recebeu ainda R$ 1,5 milhão do diretório nacional do partido. A direção municipal do PT em São Paulo doou R$ 1,7 milhão a Fernando Haddad. Marta Suplicy (PMDB) ganhou cerca de R$ 1 milhão, entre doação do diretório nacional e do municipal. O PRP de Celso Russomano foi ainda mais generoso: doação de R$ 3,4 milhões – mesmo valor direcionado a outro forte concorrente, Marcelo Crivella, no Rio de Janeiro.
“As novas regras favoreceram os mais ricos. Quantos podem se valer da situação do João Dória? A situação que se revela não é interessante do ponto de vista democrático”, observa o cientista político Márcio Cunha Carlomagno.
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