A prosa com Rafael Valdomiro Greca de Macedo flui com facilidade. Aos 60 anos de idade e dono de uma oratória afiada, a cada tema faz menção a fotos, personagens e locais históricos da cidade, com a vivacidade de um contador de histórias. É quase como folhear uma enciclopédia sobre a capital paranaense. E ele – Greca – se considera parte dessa História e um representante de uma “Curitiba da inovação”, que diz ter ficado pra trás. “Eu considero que o Renascimento, a Era das Luzes, foi uma das épocas mais bonitas da humanidade. Eu gostaria de ser o protagonista do Renascimento de Curitiba”, diz o candidato à prefeitura.
Greca – que prefere ser chamado de Rafael – sempre procurou aliar o interesse e a curiosidade às letras. Às vezes, fala em tom professoral (o que pode lhe dar um ar canastrão), mas na maior parte das vezes é um homem simpático e didático. Ao longo do último ano, trabalhou em seu um livro mais recente, que está no prelo e deve ser publicado ainda durante a campanha. A obra trata da História da capital e terá mais de 800 páginas e três mil imagens. “É um livro que vai se somar a outros mais de 60 títulos de minha autoria, todos sobre a História ou a cultura de Curitiba”, aponta.
As inclinações para a oratória e para as letras surgiram ainda criança, como formas quase naturais do menino falante e expressivo. Aos oito anos de idade (em 1964), por exemplo, discursou na reinauguração do Palácio Iguaçu. No ano seguinte, venceu uma maratona escolar, que consistia na redação de uma carta ao futuro, endereçada ao prefeito que governaria a cidade em 1995, quando Curitiba celebraria seu 300º aniversário. A missiva foi colocada em uma urna no ato de inauguração da Praça 29 de Março e só seria aberta três décadas depois. “Quis o destino que eu fosse o prefeito da ‘Curitiba dos 300 anos’. É como se, em uma predestinação, eu tivesse escrito a carta para mim mesmo”, define.
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Rafael passou a infância na Rua Inácio Lustosa – que chama de “Rua das Magnólias” –, no bairro São Francisco, onde moravam os pais, a tia Chiquita e a tia Olívia. Passava as tardes jogando bets ou vôlei ou desbravando os porões e sótãos dos casarões da família. Também ficava ouvindo o avô Manoel Valdomiro Macedo contar histórias, em sua solene biblioteca.
De formação católica, o menino também foi coroinha das igrejas do Rosário, da Ordem e da Catedral. Gostava da liturgia e das procissões que movimentavam o bairro. Era primo de segundo grau dos bispos Dom Jerônimo Mazzarotto e Dom Antônio Mazzarotto, que ao perceber a articulação do menino, quiseram que ele seguisse a vida religiosa. “Um dia, eles vieram me buscar. Só não me levaram, porque eu me escondi debaixo da cama”, relembra.
Polêmicas-clichês
Paraná, Coxa ou Atlético?
Coritiba, o meu glorioso e soberano. Meu tio foi o primeiro legítimo coxa-branca. Ele trouxe da Europa um calção muito curto para os padrões da época. A torcida do Atlético, quando viu, começou a chamá-lo de coxa-branca.
Qual o posicionamento do senhor em relação ao aborto?
Eu penso que se deve cumprir a lei federal. Como não é minha atribuição, eu dou graças a Deus, porque minha fé pede que não se cometa o aborto. Mas acho que temos que ter misericórdia com a mulher que é levada a fazer e não podemos deixar de responsabilizar o homem também.
Em relação a descriminalização de drogas, como a maconha, o que o senhor pensa? Já usou?
Eu não tenho certeza se isso [descriminalização] melhoraria ou pioraria. Eu sou um drogado por natureza, mas minha droga é a alegria de viver.
Décadas depois, dom Jerônimo se “vingou”, com um puxão de orelha. Logo após a cerimônia de posse como prefeito de Curitiba, o bispo tascou: “Viu, piá? Você não me ouviu. Se tivesse sido padre, já seria cardeal. Não quis... agora é ‘só’ prefeito”.
Ainda na adolescência, Rafael se tornou próximo do artista plástico Poty Lazzarotto e do escritor Dalton Trevisan. Define aqueles anos como uma “época em que Curitiba fervilhava”. Deste modo, passou a conviver com “todas as figuras que montaram o ideário da cidade”. Formado em engenharia pela UFPR, foi chamado por Jaime Lerner para integrar a equipe do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC). Dali para a política foi um pulo.
Margarita
Aos 22 anos, Rafael estava em um vernissage de Poty, na galeria Acaiaca, quando viu uma garota que mudou sua vida. Ela vinha elegante, em uma roupa azul marinho, ornamentada por broches de borboletas. “Era uma aparição. Foi um alumbramento”, define Rafael. Tratava-se de Margarita Sansone, uma jovem nascida à Rua XV e que havia passado uma temporada em Roma, onde estudou arqueologia e história da arte.
Os amigos tentaram desencorajá-lo, dizendo a Rafael que não teria chances. Contrariando os conselhos, o rapaz tentou a sorte. “Conversamos muito sobre arte, sobre cultura e acabamos nos apaixonando. Desde então, temos namorado ao longo desses anos todos”, diz. Conta que se casaram em 1991, em uma cerimônia reservada, celebrada por dom Pedro Fedalto.
A decoração do escritório, do apartamento e da casa de campo do casal é assinada por Margarita – com quadros e obras de arte milimetricamente arrumados. É presente da mulher uma mesa de mogno maciço, esculpida em art nouveau, que pertenceu a Cândido de Abreu. Hoje, o casal passa os fins de semana em uma chácara em Piraquara – chamada “São Rafael das Laranjeiras” –, onde o candidato diz ter aprendido “a ouvir as gralhas-azuis e os bugios”, onde jura ter visto uma “suçuarana à luz do luar” e onde gosta de nadar na lagoa de água mineral.
Personagens
Na juventude, Rafael gostava de vestir roupas chamativas e coloridas – quase psicodélicas. Nesses trajes, coube a ele ciceronear o Conde Rudi Crespi – um italiano ligado à moda – em sua passagem por Curitiba. Entre passeios pela cidade à bordo de seu Chevette azul, foi repreendido e aprendeu uma lição: que um homem elegante deve usar azul-marinho, cinza ou bege. “Eu estou até hoje usando paletó azul-marinho. Quem era eu pra discordar de um conde que era editor da [revista] Vogue?”, conta o candidato.
Ao longo da vida, Greca também recebeu e mostrou a cidade a outras personalidades, como o ator Paulo Autran, o tenor José Carreras, o escritor Umberto Eco, o jornalista Ricardo Kotscho (que chamava Rafael de “O Venturoso”) e o “rei” Roberto Carlos. Alguns, se tornaram amigos do anfitrião. “Eu só não gostei do Roberto Carlos, que é um chato. Ele queria que eu usasse azul-claro pra falar com ele. Tive que mandar fazer um paletó, que só usei aquela vez”, relembra.
Amigo do Papa
O que mais marcou Rafael, no entanto, foi a recepção ao Papa João Paulo II, em 1980. “O Lerner era prefeito e me disse: ‘Eu sou judeu, não entendo nada de papas. Você cuida disso pra mim’. E eu fiz a recepção. O papa ficou encantado com Curitiba”, conta. Rafael assegura que passou a manter uma relação de amizade com João Paulo II, a quem diz ter visitado 18 vezes em Roma. Em uma das ocasiões, levou uma foto do busto do pontífice, afixado no Bosque do Papa. “Ele me disse, em bom polonês: ‘Não se preocupe. Na Polônia fizeram um que ficou ainda pior”, contou rindo.
O curitibano revela que ele e Margarita estiveram com João Paulo II semanas antes da morte do pontífice, no início de 2005. O casal visitou o papa no Vaticano, quando ele já se encontrava severamente adoecido. “Foi uma visita de despedida. Com muita serenidade, ele nos pediu para que rezássemos por ele, para que ele pudesse descansar”, disse Rafael, no único instante da entrevista em que chorou.
Em casa
O candidato destina as horas vagas para a leitura, mas também aderiu a novidades, como a Netflix, onde acompanha as séries “House of Cards” e “The Borgias”. Diz-se um apreciador de “toda a música”, de Bach, Mozart, Brahms e Beethoven, passando por The Beatles, até a “música lounge moderna”. Aponta ainda as Bachianas de Villa-Lobos e toda a Bossa Nova. Em matéria de internet, revela ser compulsivo por redes sociais e que adora entrar em polêmicas virtuais. “Eu sou um dedo-nervoso”, brinca.
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