As eleições de 2018 têm potencial para ser um divisor de águas no Brasil. Por mais que políticos com foro privilegiado ameaçados pela Lava Jato apostem na lentidão do Supremo Tribunal Federal (STF) para julgá-los, o eleitor ainda mantém o poder para dar sua sentença nas urnas. E o brasileiro vem emitindo sinais de que pretende “condenar” envolvidos no petrolão a não se reeleger – decretando a perda do foro e jogando-os nas mãos de juízes de primeira instância, como Sergio Moro, que têm se notabilizado por decisões duras e mais rápidas que as do Supremo.
Em três anos da Operação Lava Jato na primeira instância, já foram 120 condenações. No STF, o ritmo é bem mais moroso. Há investigações no Supremo contra políticos já há dois anos. Ninguém nem sequer foi a julgamento até agora.
Líderes políticos já se deram conta da ameaça de perder a eleição e o foro privilegiado. E articulam uma reforma eleitoral para reduzir o risco de serem punidos pelo julgamento do eleitor. O nome dessa articulação: lista fechada – sistema de votação para deputado por meio do qual não se vota num candidato, mas no partido, que é quem escolherá quem são os políticos prioritários para ocuparem as vagas conquistadas pela sigla nas urnas.
Saiba o que está por trás da discussão sobre o voto só no partido, a chamada lista fechada
Cenário mortal
Diretor-presidente do Instituto Paraná Pesquisas, que realiza sondagens de opinião pública, Murilo Hidalgo afirma que há atualmente três fatores que dificultam a reeleição de todos os ocupantes de cargos políticos: a corrupção, a crise econômica e a queda de arrecadação governamental.
O desemprego e a redução dos ganhos dos trabalhadores causados pela crise pressionam o Estado a ofertar serviços públicos (saúde, educação, etc.) para uma fatia maior da população. Ao mesmo tempo, os governos estão com menos dinheiro para atender satisfatoriamente a essa demanda, pois enfrentam queda de receita em função da recessão. Soma-se então a Lava Jato, que jogou a credibilidade dos políticos na lona.
“Tudo isso é mortal para quem quer se reeleger”, diz Hidalgo. “O brasileiro está buscando o ‘novo’.” Para ele, o eleitor só irá escolher um político se não surgir esse “novo” que conquiste sua confiança.
O que pensam os curitibanos?
Muitos curitibanos não descartam a possibilidade de reeleger candidatos em 2018, mas apenas se os políticos passarem por uma avaliação minuciosa de histórico - especialmente aqueles que foram mencionados na Operação Lava Jato. Outra grande parcela dos cidadãos, no entanto, quer passar longe de políticos com experiência, em especial aqueles com uma longa carreira na área ou que venham de uma família com gerações de políticos. Foi o que mostrou uma enquete realizada pela Gazeta do Povo na última quinta-feira (23), com 20 pessoas escolhidas aleatoriamente na região central da cidade. Confira as opiniões!
Alguém de fora
As pesquisas indicam isso claramente. Levantamento do Paraná Pesquisas realizado em dezembro mostra que 49% dos brasileiros dizem preferir um candidato de fora da política caso tenham essa opção nas eleições de 2018. Apenas 32% afirmam preferir um político de carreira.
Outra sondagem eleitoral, feita pelo mesmo instituto no início deste mês, revela que o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), citado nas investigações da Lava Jato, está com a reeleição ao Senado seriamente ameaçada se a disputa fosse hoje. Em outros tempos tido como “imbatível” em Alagoas, Renan ocupa atualmente um indigesto terceiro lugar na pesquisa estimulada.
Nos bastidores do Congresso inclusive já há senadores enrolados com a Lava Jato cogitando a possibilidade de desistir da reeleição para disputar uma vaga “mais fácil” na Câmara – o que ao menos iria garantir-lhes a manutenção do foro privilegiado.
Junho de 2013
O cientista político Doacir Quadros, professor do Grupo Uninter, afirma que a crise de credibilidade dos políticos brasileiros começou com as manifestações de junho de 2013 – que demonstraram uma insatisfação generalizada da população sobretudo com a corrupção e a ineficiência dos serviços públicos.
Para Quadros, essa situação não foi resolvida desde então. E as urnas refletiram a incapacidade de os políticos atenderam às expectativas do eleitor. Nas últimas eleições municipais, do ano passado, houve altos índices de votos brancos e nulos. No segundo turno, por exemplo, as abstenções somadas aos brancos e nulos representaram 32,5% do eleitorado – um em cada três eleitores. A renovação foi igualmente elevada em Câmaras Municipais de grandes cidades, girando entre 40% e 50% das cadeiras.
Colaboraram Cecília Tümler e Mariana Balan
Deputados que derrotaram a lista fechada em 2015 agora a defendem. O que mudou?
Em maio de 2015, a Câmara Federal rejeitou a adoção do sistema de lista fechada para a eleição de deputados e vereadores – por meio do qual não se vota no candidato, mas no partido. A derrota da proposta no plenário foi expressiva: 402 votos contrários e apenas 21 a favor. Menos de dois anos depois, os mesmos deputados ressuscitam a proposta que eles mesmos haviam enterrado. O que mudou desde então? As delações da Odebrecht, que ameaçam atingir cerca de 300 políticos, dos quais 100 deles com foro privilegiado no STF que constam dos 83 pedidos de abertura de inquérito formulados pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
“A proposta da lista fechada é um oportunismo político”, diz o cientista político Fernando Antônio Azevedo, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “É um jeito de parlamentares que são alvo da Lava Jato se ‘esconderem’ na lista fechada para tentar garantir a reeleição.”
Lista fechada também havia sido rejeitada pela Câmara em 2007
O sistema funciona assim: o eleitor não vota num candidato, mas no partido. Cada sigla, após a contabilização geral dos votos, ganha o direito a ocupar um determinado número de vagas no Legislativo. Essas cadeiras, por sua vez, serão ocupadas por nomes que saem da chamada lista fechada – relação de políticos previamente escolhidos pelos partidos, por ordem de prioridade, para ocuparem as vagas obtidas pela sigla. Segundo Azevedo, é nessa lista que os políticos citados na Lava Jato pretendem se “esconder” para serem reeleitos.
Propriedade dos caciques
O cientista político Doacir Quadros, do Grupo Uninter, afirma que a lista fechada, em tese, até poderia trazer algumas melhorias para o sistema eleitoral brasileiro. “O problema é que os partidos no Brasil são de propriedade de determinadas lideranças políticas”, diz ele. O risco é que esses líderes escolham quem quiserem para compor a lista, sem consultar as bases partidárias. A consequência seria a falta de renovação na política. E a permanência de um mesmo grupo no poder por muito tempo tem um efeito bem conhecido: corrupção.
Quadros afirma que há demonstrações de que as lideranças políticas brasileiras pretendem impor de cima para baixo uma mudança eleitoral que as beneficie. Ele lembra que recentemente a presidente do STF, Cármen Lúcia, propôs que a reforma política seja submetida a um plebiscito ou referendo popular. Mas a reação dos partidos contra essa proposta foi forte.
Discussão
Se não fossem as “segundas intenções” dos políticos brasileiros, a ideia de instituir a lista fechada poderia estimular o debate sobre o melhor sistema eleitoral para o país.
A lista fechada existe em vários países democráticos. Seus defensores argumentam que ela fortalece os partidos e torna as eleições mais baratas – pois os candidatos de uma mesma sigla fazem campanha pelo partido e não competem entre si, o que tende a reduzir as despesas.
Doacir Quadros afirma que a lista fechada, em tese, tornaria a eleição para deputado e vereador mais clara para o eleitor. Hoje, no atual sistema, o eleitor vota num candidato e muitas vezes nem sabe que ajuda a eleger outros nomes.
Segundo Fernando Azevedo, a lista fechada funciona bem em nações onde há partidos ideológicos e programáticos, com os quais o eleitor se identifica. Mas ele pondera:“Não é o caso do Brasil, onde os partidos são frágeis”.
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