Especialistas destacam falhas
Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, a divulgação de programas da prefeitura de Curitiba em jornais do interior desrespeita a pelo menos dois princípios previstos na Constituição e apresenta contornos claros de campanha eleitoral antecipada.
O advogado Gustavo Justino de Oliveira, professor de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo, explica que, segundo o princípio da publicidade, as ações públicas precisam ser divulgadas à população, desde que não contenham promoção pessoal. "Nesse caso (da prefeitura de Curitiba), de que população estamos falando? Uma propaganda oficial que vá para fora do município é até possível, desde que haja vinculação a um programa específico, como ao turismo, por exemplo. Fora isso, não há justificativa plausível."
O outro princípio é o da impessoalidade, que prevê que políticas públicas desenvolvidas pela máquina estatal não podem ser personalizadas na pessoa do governante. Na propaganda da prefeitura publicada em Cascavel não aparece o nome de Richa. "Não pode haver essa personificação da administração pública, até porque os mandatos são transitórios e têm a ver com os governos, enquanto a administração pública é permanente", argumenta Oliveira. A opinião é compartilhada pelo advogado Egon Moreira, professor de Direito Administrativo e Constitucional da Universidade Federal do Paraná. "A função da propaganda na administração pública não é promover o administrador ou o governo, mas dar à população conhecimento de que uma determinada política pública está ao seu alcance. Divulgar projetos em outras cidades não é ilegal, mas obviamente é um desvio da finalidade da propaganda administrativa", diz.
Já o advogado Everson Tobaruela, conselheiro da OAB-SP e especialista em Direito Eleitoral e Partidário, alerta para a ocorrência de propaganda eleitoral antecipada. "Trata-se de uma clara intenção eleitoral e, por isso, caracteriza, sim, propaganda antecipada. O prefeito está quebrando a regra que determina que a propaganda eleitoral só pode ocorrer após a oficialização da candidatura", afirma. "Além disso, há uso do dinheiro público da prefeitura para se fazer propaganda fora do município." (ELG)
Curitiba e Cascavel - Apesar de restritos ao município de Curitiba, programas da prefeitura da capital têm sido divulgados em cidades do interior do estado. Na semana passada, dois jornais de Cascavel distante 500 quilômetros da capital publicaram anúncios de página inteira sobre o programa Mulher Curitibana, que busca ampliar o número de mamografias realizadas por mês no município. A prefeitura alega que as agências responsáveis pelo anúncio se enganaram no envio da peça publicitária aos jornais o anúncio correto seria para divulgar o turismo em Curitiba.
Especialistas, no entanto, afirmam que o caso pode caracterizar crime de responsabilidade e improbidade administrativa, considerando-se o uso da máquina pública para fins eleitoreiros, uma vez que o prefeito Beto Richa (PSDB) é pré-candidato ao governo do estado. Outra hipótese levantada seria a de propaganda eleitoral antecipada.
Os anúncios do programa Mulher Curitibana foram publicados nos jornais O Paraná e Gazeta do Paraná, que são os dois principais veículos impressos da região de Cascavel, no Oeste do estado. No jornal O Paraná, pertencente ao deputado federal Alfredo Kaefer (PSDB) que já declarou apoio à candidatura de Beto Richa , a prefeitura da capital publicou anúncios de página inteira nas edições dos dias 29 e 31 de janeiro. Na Gazeta do Paraná, o programa foi divulgado em edições que circularam nos dias 20 e 27 de janeiro.
Os anúncios, que levam o brasão da prefeitura de Curitiba, destacam que o programa é "Um presente para o futuro". "Mulher Curitibana. Um programa da prefeitura para cuidar da saúde das mulheres. Prefeitura de Curitiba. Respeito e Trabalho por você", diz a mensagem.
Justificativa
Segundo o secretário de Comunicação Social de Curitiba, Marcelo Cattani, houve um equívoco por parte das agências publicitárias na liberação dos anúncios. Ele afirmou que a campanha de divulgação do programa Mulher Curitibana iniciada em novembro do ano passado e que será encerrada no dia 12 de fevereiro é restrita a jornais e revistas da capital. Os anúncios divulgados em jornais de Cascavel deveriam conter, na verdade, campanhas de estímulo ao turismo em Curitiba. "As peças divulgadas fora de Curitiba e da região metropolitana têm enfoque no turismo, com recursos previstos no orçamento. Geralmente, anunciamos nos meses finais e iniciais de cada ano, para aproveitar o período de férias", disse.
Cattani declarou que os anúncios fora de Curitiba fazem parte de um "relacionamento mais ampliado" adotado pela prefeitura desde 2001. "Não é o primeiro nem o único que fazemos. Trata-se de um referencial histórico de bastante tempo, que não é novidade nenhuma", argumentou. "Nossas campanhas são informativas ou de prestação de contas. Não se trata de pré-campanha, pois não existe promoção pessoal ou vinculação ao prefeito Beto Richa". O secretário afirmou ainda que não vê necessidade de punir as agências de publicidade, uma vez que não houve prejuízo à prefeitura.
Jornais
Sem dar detalhes dos contratos publicitários firmados com a prefeitura de Curitiba, os dois jornais de Cascavel alegaram que se trata de "um cliente igual aos demais". A Gazeta do Paraná informou que não comentaria o caso nem os valores recebidos, por não ser praxe expor dados dos anunciantes. Já o jornal O Paraná declarou que, desde o início do ano passado, montou uma sucursal na capital e passou a circular na região metropolitana, com uma média de 1,5 mil exemplares diários.
* * * * * * * *
Interatividade
Os anúncios em jornais do interior de programas da prefeitura podem beneficiar a pré-candidatura de Richa?
Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br
As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.