Dificuldades financeiras e burocráticas levaram a prefeitura de Curitiba e o governo do Paraná a cobrar dívidas milionárias entre si, acumuladas ao longo dos últimos dois anos. A administração municipal calcula que os atrasos em repasses estaduais chegam atualmente a R$ 33,7 milhões. Já a Secretaria Estadual da Saúde estima que é credora do município em R$ 12,4 milhões, por demora no pagamento de incentivos de gestão e serviços prestados pelo Hospital do Trabalhador, gerido pelo estado.
As contas, a princípio, são mais desfavoráveis a Curitiba. Segundo a prefeitura, os atrasos afetam os sete convênios vigentes que dependem de transferências voluntárias do estado. Todos esses contratos foram formalizados antes da gestão Gustavo Fruet (PDT), que assumiu em janeiro de 2013 – no caso, assumidos pelas administrações Beto Richa (PSDB) e Luciano Ducci (PSB). O levantamento do município aponta que o acúmulo da dívida estadual começou há dois anos, mas se agravou em 2014.
Historicamente o estado sempre pagou em dia esses convênios, mas há meses a situação mudou.
O governo do estado contesta parte desses números. Também expõe que há dificuldades para realizar os pagamentos porque Curitiba não tem certidão liberatória emitida pelo Tribunal de Contas (TC) desde 10 de dezembro de 2014.
O TC confirma o problema. Do outro lado, a prefeitura destaca que a dificuldade de obter a certidão não está relacionada a irregularidades na prestação de contas, mas a uma formalidade de adequação ao novo sistema digital de envio de dados implantado recentemente pelo tribunal. E que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) elimina a exigência de certidão para as áreas de saúde, educação e assistência social.
Além disso, de acordo com o município, todos os convênios acumulam atrasos anteriores à data de expiração da certidão – ou seja, em momentos sem entraves para o estado realizar os pagamentos. O maior, de R$ 15,8 milhões, é referente às obras de preparação para a Copa do Mundo no entorno da Arena da Baixada. Nesse caso, os atrasos começaram em julho de 2013.
Na prática, não há débito. Porque na saúde o que eles devem para a gente é superior ao que eles dizem que devemos para eles.
A prefeitura também coloca no saldo devedor do estado R$ 1,9 milhão referente à construção da marginal da BR-277, próximo à fábrica da Spaipa. Há mais R$ 2,2 milhões de uma dívida com o Fundo de Urbanização de Curitiba, e R$ 760 mil da implantação do Parque Vista Alegre. Fora da conta de R$ 33,7 milhões, o município também tinha um crédito com o pagamento de salários de funcionários cedidos ao governo do estado, que foi equacionado na semana passada.
“Historicamente o estado sempre pagou em dia esses convênios, mas há meses a situação mudou”, disse o prefeito Gustavo Fruet (PDT), durante passagem por Brasília na semana passada. “Vivemos um momento de queda de receita, de atrasos que também incluem o governo federal, de inexistência de novos convênios com o governo do estado. Mas a população cobra e quer uma resposta imediata, que sempre acaba estourando na prefeitura.”
Atrasos em pagamentos na saúde dividem interpretações
O secretário estadual da Saúde, Michele Caputo, diz que a questão dos convênios, pelo menos na área de saúde, está sendo usada como “muleta” pela prefeitura. “Na prática, não há débito. Porque na saúde o que eles devem para a gente é superior ao que eles dizem que devemos para eles”, declarou.
Nas contas da prefeitura, os atrasos atingem R$ 4,8 milhões da participação estadual no Serviço de Atendimento Móvel a Urgências (Samu), R$ 6,6 milhões de um convênio de assistência farmacêutica e R$ 1,7 milhão para a construção de cinco unidades de saúde. Somados, os valores chegam a R$ 13,1 milhões.
O secretário diz que o estado já abateu R$ 1,2 milhão do Samu e que a dívida com as unidades de saúde seria na verdade de R$ 625 mil. Com isso, o crédito da prefeitura baixaria para R$ 11,3 milhões, menos que os R$ 12,4 milhões referentes aos atrasos em pagamentos do Hospital do Trabalhador.
Sobre a exceção prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal para as transferências de saúde, Caputo alega que elas só são válidas para serviço de atendimento e não para obras, como a construção de novas unidades de saúde. “Quando Curitiba tiver a certidão liberatória, teremos condições de pagar os R$ 625 mil que devemos.” Ele também disse que negociou com a prefeitura um encontro de contas, para que uma dívida fosse abatida da outra.
A prefeitura, por sua vez, nega que os repasses referentes ao Hospital do Trabalhador possam ser configurados como atrasos. A justificativa é que a liberação desses pagamentos precisa passar por auditorias definidas por contrato que ainda não foram finalizadas, mas que estão dentro dos prazos. Por essa metodologia, faltariam apenas R$ 2,8 milhões referentes a fevereiro de 2015, que estão sendo auditados e serão pagos nos próximos dias. (AG)
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