O ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) disse nesta quarta-feira (4) ter aprendido com a oposição que, ao receber uma denúncia, deve-se investigá-la. A declaração, em tom de ironia, foi feita durante audiência na Câmara para tratar das mais recentes acusações -- que o ministro repassou à Polícia Federal -- de fraudes em licitações de trens. Os esquemas permeariam três gestões tucanas em São Paulo, além de governos do PMDB e do DEM no Distrito Federal.
"Vossa excelência me ensinou que eu, quando tomar ciência de alguma denúncia, tenho que investigar", disse o ministro, em resposta aos questionamentos do líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP). Segundo Cardozo, o tucano acusou em 2008 Tarso Genro, então ministro da Justiça, de não cumprir o dever do cargo ao deixar de encaminhar à investigação uma denúncia sobre abusos no uso de cartões corporativos no governo do ex-presidente Lula.
No foco da atual discórdia estão documentos atribuídos a um ex-diretor da Siemens, segundo quem haveria um esquema de corrupção e pagamento de propina em governos tucanos de São Paulo. O PSDB acusa o ministro de fazer uso político das denúncias.
Os nomes de tucanos, entre eles do secretário de Energia de São Paulo, José Aníbal, são citados. Os documentos fazem parte de investigação da Polícia Federal, que é subordinada ao Ministério da Justiça. Aníbal retomou nesta quarta o mandato de deputado federal apenas para questionar Cardozo. "Quanto tempo vai levar isso [a investigação]? Essa desgraça! Não me ameace com processo, ministro, faça. Eu disse o que eu achava do seu comportamento inadequado e continuo a dizer. Queria essa investigação limpa, transparente", afirmou Aníbal.
Em referência a uma afirmação feita no Senado por Cardozo ontem que dizia que a denúncia não foi feita num "papel de pão", Aníbal provocou e pediu para que a investigação seja aberta. "Papel de pão é mais limpo. Isso aqui envelopou lama para jogar em mim e em outros", reclamou.Como as perguntas estão sendo feitas em bloco, Cardozo ainda não respondeu Anibal.
Lobista
De acordo com os documentos que a Polícia Federal analisa, o lobista Arthur Teixeira, agora sob investigação, teria pago as propinas. O próprio ministro Cardozo admitiu que pode ter se encontrado com ele, há mais de dez anos. "Quem disse que ele era um pilantra e pagava propina foi seu companheiro de partido Simão Pedro [deputado estadual do PT, que repassou o conjunto de denúncias ao ministro]. Quando o tal Arthur Teixeira se encontra com integrantes do PSDB é para pagar propina, quando se encontra com vossa excelência é para discutir mobilidade urbana", disse Sampaio.
Cardozo, mais uma vez, evitou polemizar. "Não importa quem apresentou, se é do PT, PSDB, se é do bem ou do mal, tenho que investigar. Engavetadores não podem mais existir no Brasil e eu não pretendo ser um deles".
Na semana passada, o ministro e a cúpula do PSDB já haviam trocaram ataques devido à investigação do cartel de trens. Os tucanos acusaram Cardozo de agir politicamente e de manipular instituições do Estado para atingir adversários.
Na ocasião, Aníbal chegou a pedir a demissão de Cardozo. Hoje, contudo, não o fez na frente do ministro. Em resposta, o petista disse que, como de "praxe", mandou investigar as acusações que chegaram às suas mãos, diferentemente do que, segundo ele, o PSDB fazia em sua gestão.
Nesta quarta, ministro voltou a repetir que recebeu das mãos do deputado estadual Simão Pedro (PT) um conjunto de documentos "que envolviam irregularidades no metrô de São Paulo e do Distrito Federal". Os papéis foram repassados, de acordo com Cardozo, às mãos do diretor-geral da Polícia Federal, Leandro Daiello. Em seguida foram analisados por delegados e anexados à investigação contra a Siemens em São Paulo "Quando pedi que examinasse, pedi que se examinasse tudo, inclusive quem é autor. Acho que esse é o comportamento adequado, senão prevaricaria", afirmou Cardozo.Repetiu ainda que a polícia cometeu um "equívoco" ao dizer que os documentos com nomes de tucanos foram repassados pelo Cade (Conselho Administrativo Econômico) e não pelo próprio ministro.