Em discurso no evento Circo da Democracia, realizado em Curitiba na noite desta segunda-feira (8), a presidente afastada, Dilma Rousseff (PT), defendeu a realização de um plebiscito com duas questões: a primeira sobre a realização de novas eleições e a segunda sobre reforma política. Sem poupar as palavras, criticou o processo de impeachment e afirmou que os “golpistas” querem substituir um colégio eleitoral de “milhões de pessoas por um “colégio parlamentar”, em referência ao Congresso, onde o pedido de seu impedimento tramita.
Esta foi a primeira vez que a presidente afastada defendeu em público a ideia do plebiscito depois de o presidente do PT, Rui Falcão, ter afirmado que a consulta popular seria inviável. Na quinta-feira (4), Falcão afirmou que a proposta não é factível porque o processo para a convocação de novas eleições levaria dois anos para se concretizar e coincidiria com as eleições presidenciais de 2018.
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Leia a matéria completaDilma também defendeu que a consulta popular aborde a reforma política. Ela criticou a fragmentação dos partidos políticos e disse que novas legendas são criadas com vistas apenas à obtenção do fundo partidário e de tempo no horário gratuito de propaganda eleitoral. “Ter 25 partidos é a mãe e o pai do fisiologismo, das negociações; é a mãe e o pai de um tipo de política nefasto”, afirmou.
Críticas ao interino
A um dia da possível pronúncia de seu impedimento no Senado, a presidente afastada seguiu na toada de críticas contra o presidente interino, Michel Temer (PMDB), o qual qualifica de “ilegítimo”. Ela disse que a atual administração é formada por homens “velhos, ricos e que têm problema graves com a Justiça”. Dilma atacou ainda as propostas de Temer para mexer na legislação trabalhista e no Sistema Único de Saúde (SUS).
Entre os alvos da presidente afastada, durante o discurso 40 minutos, também estiveram a antiga oposição - e atual situação -, além da imprensa e do capital especulativo. O pato da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), parte de uma campanha que defendia que não houvesse alta de impostos no ajuste fiscal, também foi alvo das baterias de Dilma, assim como a elite brasileira. Segundo ela, os mais ricos sempre querem que o povo pague a conta, mesmo que, nos momentos de bonança, sempre tenha sobrado mais “para este 1%”.
Todo o discurso de Dilma foi permeado pela ideia de que é fundamental reconhecer que seu impedimento é um golpe de estado. “É próprio dos golpes não querer ser identificado como tal, porque a identificação implica numa avaliação crítica, numa tomada de posição”, afirmou.
Dilma citou também a repressão que está sendo feita às manifestações políticas nos Jogos Olímpicos. “Não surpreende que nos últimos dias tenham prendido pessoas que se manifestam dizendo “fora, Temer”. Nós podemos falar aqui, mas não é possível falar dentro do Maracanã, não é possível falar lá em Deodoro. Enfim, é proibido falar em certos lugares. Por que é proibido?”, questionou.
Público acompanha o discurso aos gritos de “Fora Temer” e “Volta Dilma”
Os cerca de dois mil presentes ao Circo da Democracia nesta segunda-feira, em estimativa da reportagem, acompanharam atentamente ao discurso da presidente afastada. Formada principalmente por membros de movimentos sociais, profissionais liberais e servidores públicos, a plateia reagiu às colocações dela aos gritos de “Fora, Temer” e “Volta, Dilma”.
Alunos dizem que turma de Moro foi dispensada de aula
O discurso de Dilma começou por volta das 19 horas e poderia ter coincidido com a aula do juiz Sergio Moro, que ocorre nas segundas-feiras à noite, justamente na UFPR da Praça Santos Andrade. Mas a inusitada proximidade, segundo estudantes do prédio, não teria se confirmado. De acordo com alunos do 3º ano do curso de direito, a maioria dos professores decidiu não dar aula devido ao Circo da Democracia. Segundo eles, a turma do 4º ano, para a qual Moro leciona, também não teve aula nesta noite. Moro é responsável pela Operação Lava Jato, que rendeu à cidade o apelido de “República de Curitiba”, termo adotado por militantes pró-impeachment.
Maria Aparecida Pimentel Arruda mora no Boqueirão e diz ter como vindo ao Circo da Democracia para ajudar a denunciar o golpe contra Dilma. “O golpe está consumado. Mas temos um histórico de luta desde 1964 e temos de nos manifestar”. Ela chegou ao evento por volta das 16 horas e aguardava chegada de Dilma junto com Sônia Hoffmann, que mora no Juvevê e também vê ilegalidade no processo de impeachment em curso no Brasil.
Devido à visita de Dilma, o Circo da Democracia teve segurança reforçada nesta segunda. Dezenas de seguranças se esforçaram para impedir a entrada de não credenciados ao espaço destinado aos cerca de 600 convidados do evento. A imprensa não pode acessar este local e ficou confinada em separadamente. Já o público geral assistiu ao debate das escadarias da UFPR. Em todos os espaços, havia cartazes e bandeiras em apoio à Dilma. Camisetas que “ denunciavam o golpe” eram vendidas a R$ 20.
Havia dezenas de integrantes do MST no evento. Alguns deles trabalharam para ajudar na “disciplina”, segundo palavras deles próprios. Lia, que disse não poder revelar o sobrenome porque não tem autorização para dar entrevistas, vive em um acampamento de Centenário do Sul, no norte do Paraná, e viajou mais de 400 quilômetros para participar de eventos ligados aos movimentos sociais na capital. Ela chegou a Curitiba há 12 dias e está dormindo em um alojamento do movimento. “Estou aqui porque acredito que esse processo [impeachment] ainda vai ser revertido”, comentou.
Dilma chegou por volta das 18h30 e foi recebida c a canção Al otro lado del Rio, do uruguaio Jorge Drexler. A canção foi trilha sonora do filme Diários de Motocicleta, drama biográfico que retratou uma viagem de Che Guevara e acabou vencendo o Oscar de melhor Canção Original 2005. Ela foi tocada para Dilma pela Orquestra Latino Americana da Faculdade de Artes do Paraná (FAP).
Sentada ao lado dos senadores Roberto Requião (PMDB-PR) e Gleisi Hoffmann (PT-PR), Dilma também ouviu os discursos da poeta curitibana Alice Ruiz, do coordenador estadual do MST, Roberto Baggio, de Regina Cruz, presidente da CUT no Paraná, e de Marcello Lavenère, ex-presidente da OAB e um dos autores do pedido de impeachment de Fernando Collor, em 1992. Foi durante principalmente em discurso de Lavennere que o público entoou com mais força manifestações contra o papel do juiz Sergio Moro, condutor da Operação Lava Jato. Para Lavenère, o magistrado age “ como um juiz pop star e que toma para si o papel do MP [Ministério Público] de acusar”.
O público, inclusive, aplaudiu todas as referências às chamadas injustiças contra Dilma e não arredou o pé da Praça Santos Andrade até o final do discurso da presidente afastada. Após a fala dela, a organização do evento tocou a música Vou Festejar, que ficou famosa na interpretação de Beth Carvalho.
A PM não divulgou sua estimativa de público. Segundo os organizadores do evento, 10 mil pessoas acompanharam o discurso da presidente afastada Dilma Rousseff.
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