Um inquérito da Operação Lava Jato em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) investiga a atuação de parlamentares do Comitê de Obras Irregulares (COI) do Congresso, vinculado à Comissão Mista de Orçamento, entre os anos de 2011 e 2015. A suspeita é de que empreiteiras possam ter sido favorecidas na fase de elaboração da lista de obras do governo federal que contêm indícios de irregularidades graves, uma atribuição anual do COI.
O delegado Felipe Alcântara Leal, da Polícia Federal, que cuida dos inquéritos em curso no STF, pediu que a Câmara forneça “nomes dos parlamentares, assessores, além dos funcionários, que integraram o COI entre os anos de 2011 e 2015, bem como os dados funcionais de todos”.
Renan e Jucá também são investigados
O mesmo inquérito no STF investiga se o suposto pedido de propina de contratos de Angra 3 beneficiou os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, e Romero Jucá (PMDB-RR). O ministro do TCU, Raimundo Carreiro, também é investigado. Ele relatou o processo de Angra 3 no TCU. Os senadores, o ministro Carreiro e o advogado Tiago Cedraz negam ter sido beneficiários de propina e ter atuado em favor da UTC.
O COI existe formalmente na Comissão Mista de Orçamento desde 2006. O documento da PF com pedido de informações sobre os deputados e assessores do COI fala em expedição de ofício à Câmara dos Deputados. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse ao GLOBO que o pedido pode ter sido “direcionado ou devolvido”, pois a Comissão Mista de Orçamento é do Congresso, não da Câmara. “É óbvio que não é competência nossa”, afirmou Cunha, por mensagem de celular.
A assessoria da Câmara disse que a atribuição é do Senado, pelo fato de a comissão ser presidida por uma senadora, Rose de Freitas (PMDB-ES). “Descabe à Secretaria Geral da Mesa do Senado fornecer informações relativas à Comissão Mista de Orçamento, órgão inserido na estrutura administrativa da Câmara”, sustentou a assessoria da Secretaria da Mesa do Senado. A Comissão Mista de Orçamento diz não ter recebido o ofício da PF. A PF não comenta investigações em andamento.
O despacho, obtido pela reportagem, integra um inquérito conduzido pela PF e pela Procuradoria-Geral da República (PGR) que ainda está em segredo. A base das investigações é a delação premiada do dono da construtora UTC, Ricardo Pessoa. Ele delatou supostos pagamentos de propina que serviram para garantir à UTC contratos de obras da usina nuclear Angra 3.
A partir dos depoimentos de Pessoa, o STF autorizou um inquérito sigiloso para investigar o senador Edison Lobão (PMDB-MA), ex-ministro de Minas e Energia, e o advogado Tiago Cedraz, filho do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Aroldo Cedraz. O ex-ministro é suspeito de pedir propina para dar os contratos à UTC em Angra 3. O advogado é acusado de vender informações privilegiadas ao empreiteiro sobre o processo a respeito da usina no TCU.
Pagamentos mensais
No termo de colaboração número quatro, Pessoa detalhou como teria sido beneficiado pelo COI. O comitê recebe do TCU, todos os anos, uma lista de obras irregulares — algumas delas com sugestão de paralisação, por conta de graves irregularidades —, e sugere à Comissão de Orçamento acatar ou não a recomendação do TCU. A palavra final é do plenário do Congresso.
Pessoa detalhou na delação que passou a fazer pagamentos mensais de R$ 50 mil a Tiago Cedraz, em espécie, para garantir “informações oriundas do TCU de interesse da UTC”. Cabia ao advogado, conforme o depoimento do empreiteiro, fornecer informações privilegiadas, exercer influência junto à área técnica do TCU e alertar Pessoa sobre processos que deveriam ser retirados de pauta.
Outra atribuição dizia respeito ao COI, conforme o empresário: “Ajudar o declarante [Pessoa] informando-o previamente sobre as obras que iriam para a Comissão de Obras Irregulares — COI da Câmara dos Deputados, a fim de que o declarante se preparasse com antecedência para evitar a suspensão da execução de obras referentes a contratos da UTC”, consta no termo de colaboração número quatro.
O empreiteiro relatou que, com essas informações, “trabalhava politicamente junto à referida comissão”. Ele citou como exemplo o caso da Refinaria Presidente Getulio Vargas (Repar), da Petrobras, em Araucária (PR). “Tiago Cedraz avisou com antecedência ao declarante que o TCU iria enviar esse processo para a COI. Diante disso, o declarante acionou os deputados com quem mantinha relação, a fim de pedir ajuda para que a obra não fosse suspensa”, cita Pessoa.
O empresário afirmou ter procurado o então deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), ex-líder do governo na Câmara, e outros parlamentares para pedir que a obra não fosse suspensa. “O declarante não sabe ao certo quem atuou decisivamente nessa questão, mas o fato é que nunca houve paralisação da obra da Repar”, diz o documento. Pessoa acrescentou que fez doações de R$ 150 mil para a campanha de Vaccarezza.
Para investigar o caso, a PF pediu o detalhamento sobre as composições do COI entre 2011 e 2015. Atualmente, o comitê tem oito deputados federais e dois senadores. O colegiado se renova a cada ano. A PF também decidiu fazer novas diligências sobre a atuação do filho do presidente do TCU, inclusive tomando o depoimento do pai dele, o ministro Aroldo Cedraz.
Os policiais também pediram a relação de todos os voos nacionais e internacionais feitos por Tiago Cedraz; e o monitoramento de e-mails trocados entre ele, Pessoa e representantes de outras empreiteiras. Por meio da assessoria do TCU, Aroldo Cedraz afirmou que não foi intimado a depor na PF. Em julho do ano passado, o STF autorizou uma busca e apreensão no escritório de Tiago Cedraz, em Brasília.
Contratos da refinaria Repar, citada por Pessoa, aparecem no relatório do COI de 2010 com indícios de irregularidade como superfaturamento, restrição de competitividade em licitação e orçamento inadequado, entre outros. O comitê, no entanto, concordou com o argumento da Petrobras de que os contratos “encontram-se em grau muito elevado de execução”.
“Entende o comitê que a decisão de bloqueio, neste estágio do andamento da obra, não teria o efeito preventivo que é sua principal razão de ser, tornando desaconselhável incorrer-se, neste caso, nos custos advindos da paralisação, pelo que não recomenda a inclusão da obra no anexo VI da LOA/2011”, cita o relatório do COI.
O anexo citado é o que traz as obras que devem ser paralisadas. No ano seguinte, o aviso enviado pelo TCU ao Congresso apontava como “saneados” os indícios de irregularidades na Repar.
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