Uma mudança às pressas na Constituição Estadual deve atrasar a estatização dos cartórios das varas de família do Paraná. A emenda sobre o assunto foi aprovada em sessão extraordinária e entrou de surpresa na pauta de ontem da Assembléia Legislativa. Pelo novo texto, a lei tira dos serventuários que atuam nessas varas a prioridade de escolha para trocar de cartório.
Com isso, a medida pode beneficiar indiretamente os demais cartorários interessados nesse tipo de troca. Entre eles, estão o presidente da Assembléia, Hermas Brandão (PSDB), e o deputado estadual e ex-chefe da Casa Civil, Caíto Quintana (PMDB). Ambos querem a remoção de seus cartórios com base no interior para Curitiba e São José dos Pinhais. Se conseguir a remoção, Hermas deve desistir de assumir a vaga de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Mudança
De acordo com o artigo 242 da Constituição Estadual, os serviços cartorários são divididos em dois. Primeiro, há os cartórios (ou serventias) judiciais, como os das varas de família, que tratam dos processos de ações jurídicas. Depois, os cartórios extrajudiciais, responsáveis pelos serviços notariais, de tabelionato e de registro.
Ambos funcionavam em regime privado, com os responsáveis escolhidos por concurso e subordinados ao Poder Judiciário. A intenção da estatização dos cartórios é diminuir os gastos da população com esse tipo de serviço. Na legislação do Paraná, a passagem dos cartórios judiciais para o poder público é regida pelo artigo 8.º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, alterado ontem.
Para que a mudança fosse agilizada e para respeitar os direitos dos que prestaram concurso antes da lei, os serventuários judiciais teriam o direito de trocar o seu cartório por um outro que estivesse disponível para remoção. Aparentemente, a legislação não define se isso restringe a escolha apenas por cartórios judiciais, ou se englobaria também os extrajuciciais.
Além disso, o texto original do parágrafo único do artigo 8.º privilegiava os serventuários das varas de família, que tinham prioridade na escolha dos cartórios que desejavam migrar. Ou seja, eles eram incentivados a desocupar seus cartórios, facilitando a estatização.
Na comarca de Curitiba, existem quatro cartórios judiciais para as varas de família. Segundo o serventuário Carlos Dirceu de Massolin Pacheco, da 2.ª Vara, a mudança pode atrasar em até 30 anos o processo estatização. "Eu não vou deixar o meu lugar de direito sem nada em troca. Vou ficar onde estou até me aposentar, o que pode demorar até três décadas", diz.
Na 4.ª Vara, o serventuário é Lestir Bortolin Filho. Na 3.ª, Ali Fernandes dos Santos e, na 1.ª, Luiz Alberto Name. Os quatro já haviam solicitado a remoção de cartório, beneficiando-se do parágrafo único do artigo 8.º. Caso a emenda votada ontem seja aprovada em caráter final, eles devem perder esse direito.
A suposta prioridade legal dos quatro pode bater de frente com os interesses de Brandão. O presidente da Assembléia é titular de um cartório em Andirá, no Norte Pioneiro, há 46 anos. Ele participa de um concurso com outros 91 candidatos para a remoção para um cartório de protestos em Curitiba, o que deseja há 20 anos.
Pacheco admite que existe o interesse de um dos serventuários das varas de família em utilizar a prioridade para escolher o mesmo cartório. "Se você concorre com alguém que tem prioridade, a única maneira de ganhar é retirando essa prioridade", diz.
Na última quinta-feira, Brandão negou que teria qualquer tipo de benefício com a mudança na lei. "Pelo que está agora, o artigo é inconstitucional e só por isso precisa ser alterado. Estamos fazendo a coisa certa", explica. O deputado enfatizou que a mudança se restringe apenas aos serventuários judiciais, que na visão dele não teriam o direito a pleitear os cartórios extrajudiciais.
Já Pacheco defende outra teoria. Ele afirma que três dos quatro serventuários da Vara de Família são concursados no foro extrajudicial e o outro é concursado antes da Constituição de 1988, que fez a separação entre os que atuam no regime judicial e extrajudicial. Ou seja, teriam o direito a passar para um cartório judicial. "Com isso fica no ar a pergunta: quem ganha com essa mudança na lei?", indaga.
No caso do deputado Quintana, a opção da remoção é por um cartório de protestos em São José dos Pinhais, que não entra na esfera de troca dos quatro serventuários. Ele é titular de um cartório em Planalto, na Região Sudoeste. Porém, o escolhido por Brandão é tido como o "diamante dos cartórios", com uma arrecadação mensal média de R$ 500 mil.
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