Brasília (AE) A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que acaba com o chamado "foro privilegiado" para ex-autoridades em processos criminais e ações por improbidade administrativa, pode se tornar sem efeito se a Câmara aprovar a emenda paralela da reforma do Judiciário. O texto, com as mudanças feitas no Senado e que voltou à Câmara, consagra na Constituição com mais ênfase o privilégio concedido pela lei do governo Fernando Henrique.
A lei de 2002 perdeu efeitos porque contrariava o princípio constitucional da isonomia entre as pessoas. O indivíduo que deixasse a função pública manteria o direito de, caso denunciado por crime, responder diretamente à instância máxima do Judiciário na esfera do seu processo no caso de deputados, ministros e presidente da República, o próprio STF.
"Se a emenda for aprovada, ela praticamente elimina a decisão do Supremo e cria um privilégio constitucional para as pessoas que já foram autoridade, mas não ocupam mais cargos públicos", criticou o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Nicolau Dino.
"Blindagem"
Segundo ele, o foro privilegiado é uma tentativa de "blindar, estabelecendo um manto protetor" às autoridades denunciadas pelo Ministério Público, sobretudo prefeitos acusados de improbidade administrativa.
Cerca de 200 processos de ex-autoridades encontram-se no STF reclamando o privilégio do foro privilegiado.
Apesar da lei sancionada por Fernando Henrique, muitos juízes continuaram mantendo em primeira instância alguns processos contra prefeitos. É o caso de Paulo Maluf, preso na semana passada por suspeita de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Como ex-prefeito de São Paulo, ele poderá requerer a transferência de seu processo para o âmbito do Tribunal de Justiça do Estado e do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região caso a PEC da reforma do Judiciário seja aprovada com o atual texto.
Mais do que uma eventual "interferência política" em níveis superiores do Judiciário, o grande temor dos procuradores associado ao "foro privilegiado" é a possível descontinuidade dos processos e o estrangulamento dos órgãos judiciários.
"O que mais nos preocupa é o vai-e-vem que essa decisão pode provocar. Isso gera uma natural morosidade, e a morosidade acaba resultando em impunidade", opina Dino.
Improbidade
Além de se opor ao privilégio das ex-autoridades, a ANPR também é contra o foro privilegiado para casos de improbidade administrativa. Um coisa é garantir um trâmite diferenciado para processos sobre crimes de responsabilidade, de caráter político, outra é transpor esse tipo de julgamento para casos de natureza civil, como improbidade administrativa.
Os atuais deputados que respondem a processo no Conselho de Ética da Câmara estão entre aqueles que, se forem cassados e denunciados ao Ministério Público por corrupção, por exemplo, poderão requerer o foro privilegiado se a emenda for aprovada.