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Na fila à frente os sete integrantes da Comissão da Verdade, que tomaram posse ontem em cerimônia no Palácio do Planalto | Ueslei Marcelino/Reuters
Na fila à frente os sete integrantes da Comissão da Verdade, que tomaram posse ontem em cerimônia no Palácio do Planalto| Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Opinião

Sem briga de torcida

André Gonçalves, correspondente da Gazeta do Povo em Brasília

Coube ao diplomata Paulo Sérgio Pinheiro a melhor definição sobre como não deve ser a Comissão da Verdade: um "Fla-Flu". É óbvio que se trata de um assunto bem mais delicado do que futebol, mas se continuar com ares de briga de torcida o trabalho não vai para frente. Será apenas um catalisador para novos rancores.

Ontem ficou visível a tentativa da presidente Dilma Rousseff de esfriar os ânimos entre os dois lados, dos militares que comandaram a ditadura de 1964-1985 e dos representantes que lutaram contra o regime. Mesmo chorando durante o discurso, a presidente escolheu a moderação ao dizer que a comissão não será movida por "ódio" ou "revanchismo". Como ex-presa política, contudo, ela tem seu lado.

Aliás, essa é uma história entre dois polos de difícil reinterpretação. Quem foi perseguido pelo aparato de repressão estatal jamais vai esquecer pelo que passou. E quem grudou na cabeça a ideia de que estava protegendo o país contra um suposto mal maior que seria a instalação de um regime totalitarista de esquerda nunca vai deixar de pensar assim.

Essa premissa parece bem contemplada pela lei que criou a comissão, já que ninguém será punido por ela. Sobra a necessidade de esclarecimento de algumas questões, mais pessoais do que ideológicas. Famílias com entes desaparecidos precisam sim de uma explicação sobre qual foi o paradeiros de seus familiares.

No fundo, é esse acerto de contas que a comissão precisa fazer, aí sim, doa a quem doer. O resto é teoria sobre como transformar coxa-branca em atleticano e vice-versa. Ou seja, um profundo desrespeito, principalmente com aqueles que já estão cansados de sofrer.

Declarações

"A desinformação não ajuda a apaziguar. A sombra e a mentira não são capazes de promover a concórdia. O Brasil e a nação merecem a verdade. É como se disséssemos que existem filhos sem pais, mortos sem túmulos. Nunca, nunca mesmo pode existir uma voz sem história."

Dilma Rousseff, durante cerimônia de posse dos integrantes da Comissão da Verdade

"Chegou o momento. Temos que revelar tudo e essa revelação não tem como objetivo colocar alguém na cadeia."

Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República.

Quem foi perseguido pelo aparato de repressão estatal jamais vai esquecer pelo que passou. E quem grudou na cabeça a ideia de que estava protegendo o país contra um suposto mal maior que seria a instalação de um regime totalitarista de esquerda nunca vai deixar de pensar assim.

  • Dilma, Lula, Collor, Sarney e Fernando Henrique: turma da pesada.

Sob um discurso apaziguador e ainda em dúvida sobre qual será o foco das investigações, a Comissão da Verdade foi instalada ontem em cerimônia no Palácio do Planalto. Em sua fala durante a cerimônia de posse dos sete integrantes do grupo que investigará violações aos direitos humanos ocorridas de 1946 a 1988 (período que abrange o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra até a publicação da Constituição Federal), a presidente Dilma Rousseff destacou que a comissão não será movida pelo ódio ou pelo revanchismo.

"Ao instalar a Comissão da Verdade, não nos move o revanchismo, o ódio, ou o desejo de reescrever a história de uma forma diferente do que aconteceu. Mas nos move a necessidade imperiosa de conhecê-la em sua plenitude, sem ocultamento, sem camuflagem, vetos, sem proibições", disse.

Muito emocionada, com voz embargada e chorando, Dilma encerrou seu discurso destacando qual será o papel da comissão: "A desinformação não ajuda a apaziguar. A sombra e a mentira não são capazes de promover a concórdia. O Brasil e a nação merecem a verdade. É como se disséssemos que existem filhos sem pais, mortos sem túmulos. Nunca, nunca mesmo pode existir uma voz sem história."

Durante o discurso, Dilma ainda saudou a presença dos quatro ex-presidentes: José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Ela afirmou que a criação do grupo que estudou a instalação da Comissão da Verdade foi feita no governo de Fernando Henrique, salientando que foi o primeiro passo para a cerimônia de ontem.

Dilma citou ainda que no governo Fernando Collor foram abertos os arquivos do Dops de São Paulo e do Rio de Janeiro. Nesta sequência, ela só não citou o ex-presidente José Sarney, que foi mencionado mais adiante, por seu importante papel na transição da ditadura à democracia. A presidente começou o discurso com homenagens especiais aos ex-presidentes da República, mas com aplausos efusivos dos convidados do Palácio do Planalto apenas para Lula.

Anistia

Seguindo a tentativa do governo de deixar evidente a ideia de que a Comissão da Verdade não pretende promover qualquer tipo de revanche, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp, que será o coordenador do grupo, destacou ontem que não há possibilidade de esse ser o primeiro passo para a revisão da lei de anistia. "A comissão visa apurar as violações de direitos humanos, visa recompor a memória e a verdade histórica e não temos nenhum poder jurisdicional ou persecutório", disse Dipp.

Declarações de Dipp e outros integrantes da Comissão, no entanto, indicam que o alcance das investigações continua a ser um ponto controverso dentro do grupo. Ontem, Dipp voltou a admitir que tanto os atos dos militares quanto os da esquerda serão analisados. "O artigo primeiro da lei diz que toda violação aos direitos humanos poderá ser examinada pela comissão para recompor a memória e a história e é isso que será feito."

Mais cedo, o ex-procurador da República Claudio Fonteles, integrante da Comissão, demonstrou entendimento contrário. Ele disse que a tendência é que o grupo investigue somente a conduta dos agentes públicos que violaram direitos humanos. "Essa comissão é fruto de uma lei que reconheceu que o Estado brasileiro violou direitos humanos por meio de servidores públicos. Essa lei mostrou este quadro, então nós temos de cuidar de avaliar a conduta dos servidores públicos que violaram direitos humanos. É ser fiel à lei", afirmou.

Ex-presidentes fazem elogios à iniciativa

Folhapress

A cerimônia de posse dos sete integrantes da Comissão da Verdade conseguiu reunir em um mesmo evento cinco presidentes do país desde a redemocratização. Após o evento ocorrido no Palácio do Planalto, os ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente Dilma rousseff almoçaram juntos no Palácio da Alvorada.

A instalação da Comissão foi elogiada pelos ex-presidetes. Lula afirmou que a iniciativa é um "passo estupendo na conquista da democracia" e ressaltou sua instalação como uma conquista do povo."É importante lembrar que foi a única comissão da verdade no mundo surgida de baixo para cima. Foi uma coisa surgida de povo para povo."

Fernando Henrique afirmou que a comissão terá como missão "revelar tudo" sobre o que ocorreu em relação à violação de direitos humanos. Mas destacou que as investigações não terão como objetivo condenar as pessoas.

"Chegou o momento. Te­­mos que revelar tudo e essa revelação não tem como objetivo colocar alguém na cadeia. Tem como objetivo impedir que se repitam fatos que ocorreram", afirmou o ex-presidente.

Collor também ressaltou o objetivo da comissão de tornar mais clara a verdade sobre fatos da história do país. "Vai tornar mais clara a verdade dos fatos que levaram lamentavelmente tantas vidas no período autoritário. É uma importância transcendental porque o Brasil encontra consigo próprio no momento em que é dada a oportunidade de a verdade vir à tona", afirmou.

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