Dilma com Raúl Castro: R$ 1,92 bilhão em empréstimos brasileiros destinados para a execução do Porto de Mariel, em Cuba| Foto: Roberto Stuckert Filho/Presidência

Banco se blinda aos órgãos de controle, diz auditoria

Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) aberta para fiscalizar o maior financiamento da história do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a construção da Usina de Belo Monte, pouco avançou no mapeamento dos recursos públicos, mas revelou a narrativa da blindagem da instituição aos órgãos de controle. Documentos do tribunal consultados pela reportagem e levantamentos no Ministério Público revelam os meios usados pelo banco, maior instituição de fomento da América Latina, para "recusar" informações sobre financiamentos, empréstimos e operações subsidiadas.

Para o TCU, Controladoria Geral da União (CGU) e o Ministério Público Federal (MPF), o banco – que recebeu mais de R$ 400 bilhões em dinheiro do Tesouro Nacional desde o início da crise – não repassa dados suficientes para aferir suas operações. Entre os expedientes usados, o BNDES cita sigilo bancário e se vale da indecisão da Advocacia-Geral da União (AGU) para arbitrar disputas do banco com a CGU.

O caso mais recente de blindagem de dados envolve a construção da hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA), cujo consórcio Norte Energia S/A vai receber R$ 22,5 bilhões do banco para levantar a usina. No meio do ano passado, o TCU abriu uma auditoria para verificar a regularidade do uso de recursos do banco na terceira maior hidrelétrica do mundo, no Rio Xingu, e em outras duas obras de concessionárias de serviços públicos.

Começava ali uma história de resistência, segundo autoridades da corte. Desde 30 de agosto, técnicos e ministros do TCU reuniram-se cinco vezes com integrantes do banco para acessar as informações a fim de embasar a auditoria. Na última manifestação do tribunal no caso, a corte derrubou o sigilo da auditoria, expondo as tentativas frustradas de acesso a informações.

Agência Estado

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Alvaro Dias (PSDB), senador
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Ao inaugurar o Porto de Mariel, em Cuba, a presidente Dilma Rousseff reacendeu anteontem os holofotes sobre o uso de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o financiamento de obras no exterior. O BNDES emprestou US$ 802 milhões (R$ 1,92 bilhão) para que um grupo de empresas brasileiras lideradas pela Odebrecht executasse o empreendimento. Diversas operações como essa estão em curso em outros países, com polêmicas sobre os acordos firmados entre o governo brasileiro e as autoridades locais.

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Na contramão disso, o Brasil enfrenta dificuldades para viabilizar obras de infraestrutura internas, apontadas como um dos principais obstáculos para o crescimento do país. "Colocar dinheiro que sai do bolso dos brasileiros em investimentos fora do país, ainda mais na situação em que nos encontramos, soa como escárnio", diz o professor de Administração Pública da Universidade de Brasília José Matias-Pereira. O BNDES é capitalizado por recursos do Tesouro Nacional, impostos e contribuições como o Fundo de Amparo ao Trabalhador.

Financiamentos

Em 2012, o banco financiou empreendimentos executados em 15 países, que totalizaram US$ 2,17 bilhões (R$ 5,2 bilhões). Entre janeiro e setembro de 2013, data do último levantamento disponível, o valor foi de US$ 1,37 bilhão (R$ 3,29 bilhões) para 16 países. Os valores correspondem aos financiamentos do tipo "pós-embarque", de apoio à comercialização de bens e serviços nacionais no exterior, e representam 2,2% do total de R$ 146,8 bilhões em desembolsos do BNDES entre janeiro e outubro.

As operações feitas pelo banco não são negociadas diretamente com os governos de outros países, mas com empresas brasileiras responsáveis pelos empreendimentos no exterior. No ano passado, contudo, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, tornou sigilosos até 2027 os documentos relacionados aos acordos para obras em Cuba e Angola. A justificativa era de que os papéis envolviam informações "estratégicas" e que o segredo foi solicitado pelos dois países.

De acordo com o Palácio do Planalto, a verba para o porto de Mariel foi gasta com a compra de bens e serviços "comprovadamente" brasileiros, o que teria gerado cerca de 156 mil empregos diretos, indiretos e induzidos no país. No discurso de inauguração da obra, Dilma anunciou que o BNDES vai financiar mais US$ 290 milhões (R$ 701 milhões) em uma segunda etapa da obra. "O Brasil quer tornar-se um parceiro econômico de primeira ordem para Cuba", declarou a presidente.

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Análise

Professor do programa de mestrado em Planejamento e Governança Pública da Universidade Federal do Paraná, Antonio Gonçalves de Oliveira avalia que os empréstimos para obras fora do país podem ser considerados como uma ação de relações internacionais, mas não como uma prática positiva para a economia brasileira. "Se você investe aqui, gera empregos enquanto a obra está sendo desenvolvida e, depois, na operação da estrutura que foi construída", avalia.

A estratégia também é criticada pela oposição, que chegou a tentar instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar ações do BNDES no ano passa do. "Que o PT tenha paixão por regimes ditatoriais como Cuba é problema deles. O nosso problema é financiar esses regimes com dinheiro dos brasileiros", afirma o senador paranaense Alvaro Dias (PSDB).

Dinheiro rumo aos EUA

Apesar das reclamações da oposição sobre o viés ideológico dos financiamentos concedidos pelo BNDES para investimentos no exterior, os Estados Unidos foram o destino da maioria dos recursos do tipo "pós-embarque" financiados pelo banco entre janeiro e setembro de 2013. Ao todo, os investimentos comandados por empresas brasileiras no país chegaram a US$ 436,3 milhões (R$ 1,05 bilhão). Na sequência, porém, aparecem Venezuela e Cuba, governadas por socialistas. Juntos, os dois países receberam US$ 485 milhões (R$ 1,16 bilhão).

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Resposta

A assessoria do BNDES afirmou em nota que a instituição tem atendido, "dentro dos limites estabelecidos pela lei", todas as solicitações de informações realizadas pelos órgãos de controle. "Todos foram plenamente atendidos, salvo quando havia algum impedimento legal", anotou. A instituição ressaltou que o respeito à lei que protege o sigilo bancário "não é uma escolha do BNDES, mas uma obrigação legal do banco".