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A morte de Renné de Souza Senna, ganhador de R$ 52 milhões da Mega-Sena em 2005, deixou para sua família uma intrincada briga judicial que não deve terminar tão cedo. Acusada pela família de Reneé de ter mandado matar o ex-marido, de 54 anos, a cabelereira Adriana Ferreira de Almeida, de 29 anos, pode até ser excluída da herança, mas seus três filhos, mesmo não sendo filhos de Renné, podem herdar os bens deixados à mãe em testamento. Adriana pode perder o direito à herança se for considerada "indigna" pela Justiça, mas o artigo 1.816 do novo Código Civil prevê o reconhecimento do direito dos herdeiros dela.

Segundo o advogado Gustavo Nicolau, especialista em Direito Civil, o artigo 1.816 do novo código prevê o instituto conhecido como "direito de representação", que garante aos herdeiros de Adriana aquilo que caberia a ela na partilha dos bens de Reneé. O advogado explica que a lei trata o herdeiro indigno como se ele estivesse morto, mas permite que os bens que lhe caberiam passem para seus sucessores, não só no caso de sucessão legítima como também na testamentária. O artigo 1.816 diz que o "herdeiro do excluído herda como se o indigno morto fosse". Ou seja, mesmo que Adriana perca o direito à herança se for considerada indigna e, portanto, morta, seus filhos podem recorrer ao direito de representação para exigir a parte dela. É preciso mover uma ação específica na Justiça para que ela seja considerada indigna.

- São pessoais os efeitos da exclusão (só valem para Adriana). Os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão - afirma Gustavo Nicolau, professor do Complexo Jurídico Damásio de Jesus.

Esta mesma regra se aplicaria, por exemplo, a Suzane Richthofen, condenada a 39 anos de prisão por matar os pais com ajuda do namorado, caso tivesse filhos. Neste caso, mesmo que Suzane fosse retirada da sucessão legítima de seus pais, ainda assim a herança deixada por Manfred e Marísia von Richtofen poderia ser dividida entre os filhos dela e Andreas, seu irmão. A diferença entre os dois casos é que os filhos de Suzane brigariam pela parte dela na sucessão legítima. No caso de Adriana, a disputa é na sucessão testamentária.

Como a lei diz que a pessoa só pode dispor de 50% dos seus bens no testamento, Adriana dividiria os 50% com a filha de Reneé, Renata de Almeida Sena, de 20 anos, se as duas realmente figurarem no testamento. O restante da herança é de Renata, herdeira legítima. Adriana também teria direito a uma parte dos bens conquistados pelo casal enquanto viveram juntos, mas esse deve ser um valor pequeno perto dos R$ 52 milhões da Mega-Sena, a não ser que ela fosse casada legalmente com Renné, caso em que dividiria todos os bens com Renata.

Segundo o advogado, o melhor caminho para a defesa de Adriana, caso ela seja excluída da herança, é recorrer ao direito de representação, por meio de seus três filhos. Com isso, os filhos dela criariam um grande problema para a Justiça decidir: a sucessão testamentária é considerada "personalíssima", ou seja, só cabe à pessoa citada no testamento, e não a seus descendentes. Mas como o novo Código Civil abre espaço para que o direito de representação, normalmente aplicado nos casos de sucessão legítima, seja usado também no caso de sucessão testamentária, está criado o problema.

Já para a família de Rennê, Gustavo Nicolau acredita que o argumento mais adequado é recorrer à parte do Código Civil que trata da sucessão testamentária (a partir do artigo 1857). Segundo ele, há uma lacuna no Código que prevê, em caso de morte da pessoa indicada no testamento, que a parte que lhe cabe na divisão dos bens volte para os demais herdeiros. Ou seja, se Adriana for considerada indigna e, portanto, morta, os bens iriam para a família de Reneé, e não para os filhos dela. Com isso, curiosamente, a parte que trata da sucessão testamentária do novo código não ajuda Adriana, a herdeira no testamento, e sim, à herdeira legítima.

- A lei devia prever a indignidade do herdeiro testamentário, mas só fala da morte do herdeiro, não fala da indignidade. Se ela estivesse morta, os bens voltariam (para os demais herdeiros), então, o advogado da família deve argumentar que ela foi considerada indigna. Como na sucessão testamentária quando o herdeiro está morto a herança volta para os demais herdeiros, é o melhor argumento. Essa é uma lacuna da lei - afirma.

Como os dois argumentos encontram respaldo no novo Código Civil, Gustavo Nicolau prevê uma boa briga judicial.

- No mínimo dá uma boa briga judicial. Mas se eu tivesse que apostar, pelos princípios gerais de direito, pela noção de justo e injusto, apostaria nos filhos de Rennê, mas ela tem chance, sim - afirma o advogado.

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