Sem espaço na política, esquerda partiu para luta armada
O jornalista Aluizio Palmar, filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), não era um aliado de primeira hora do governo de Moscou longe disso. Mas, nas circunstâncias do momento, não viu outra opção para resistir à ditadura recém-instalada. Na impossibilidade da luta política, partiu para a guerrilha.
Aluizio ajudou a fundar o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), em homenagem ao dia da captura de Che Guevara. A organização começou roubando ou expropriando, como diziam os guerrilheiros estátuas de bronze. Logo, partiram para o assalto a bancos para financiar o grupo.
Já na clandestinidade, Aluizio foi enviado para Foz do Iguaçu em 1967 com a missão de estruturar bases do MR8 na região. Acabou preso em Cascavel dois anos depois. A partir dali, conheceria todos os tipos de tortura: afogamento, pau-de-arara, telefone, choque elétrico. Foi condenado a seis anos de prisão e encarcerado no presídio da Ilha Grande, no Rio. Saiu de lá, ao lado de outros 69 presos políticos, trocado pelo embaixador da Suíça, Giovanni Bucher, que havia sido sequestrado por guerrilheiros. Viveria exilado no Chile e na Argentina, até retornar ao Brasil no momento em que os militares brasileiros já negociavam a elaboração da Lei da Anistia.
Massacre
"Nenhuma organização [de esquerda] tinha um programa político imediato para o país. Buscávamos o caminho da resistência, pensando numa guerra prolongada. Apostávamos em fomentar uma crise política de longo prazo, mas a guerra foi curta. Fomos massacrados", reconhece.
Não havia meio-termo. Não havia em cima do muro. Cada um devia escolher um lado: comunista ou capitalista. A Guerra Fria polarizou o mundo da segunda metade do século 20. Cindiu uma geração inteira. É nesse contexto que se desenrola o golpe de 1964 e a ditadura militar: como uma peça no tabuleiro do conflito geopolítico das grandes ideologias.
Principal país do continente no Hemisfério Sul, o Brasil era foco de enorme preocupação dos EUA no fim dos anos 50 e início dos 60. Antes de João Goulart, Jânio Quadros havia causado calafrios em Washington com sua política externa de aproximação da China e da União Soviética (URSS). A preocupação atingiu níveis alarmantes diante da decisão do governo de condecorar o revolucionário argentino Che Guevara, em 19 de agosto de 1961, com a Grã Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Uma semana depois da polêmica, Jânio renunciou e deu lugar ao vice, Jango. O novo presidente estava no radar dos EUA desde 1953, quando tomou medidas a favor de sindicatos trabalhistas como ministro de Getúlio Vargas. Apesar de ser fazendeiro e grande latifundiário, Jango era enquadrado como comunista pelos americanos, Forças Armadas brasileiras e a elite conservadora local.
Em 1961, Jango reatou relações diplomáticas com os soviéticos, depois de 14 anos de rompimento. A fogueira, que já ardia em chamas altíssimas, aos poucos receberia mais gasolina, jogada desta vez pelo governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango, Leonel Brizola. No início de 1962, ele estatizou a empresa de telefonia norte-americana ITT, transformando-a em Companhia Rio-Grandense de Telecomunicações. Em 1959, já havia feito o mesmo com a companhia de energia Bond and Share, também dos EUA.
Não bastasse isso, irritado com a lentidão de Jango em fazer com que o Congresso tirasse do papel as reformas de base, o governador gaúcho passou a conclamar a população a pressionar os parlamentares. Os discursos inflamados de Brizola transmitidos pelo rádio culminaram na formação dos Grupos dos Onze, células de 11 pessoas que, em apenas três meses, ultrapassaram 5 mil integrantes em todo o país. O objetivo era formar o Exército Popular de Libertação para a guerra revolucionária.
Para os EUA, era mais um indício de que o Brasil corria risco efetivo de passar a orbitar a esfera da URSS. Em 1959, as chamadas Ligas Camponesas, fundadas originalmente pelo PCB ao fim da Segunda Guerra Mundial, começaram a ganhar corpo. De início, a intenção era aumentar o número de eleitores do partido e defender os direitos dos trabalhadores rurais. Aos poucos, o grupo foi se encorpando e praticamente tomou conta do Nordeste, encampando a bandeira da reforma agrária, sob o comando do advogado Francisco Julião. Em outubro de 1960, o jornal The New York Times mencionou uma nova "situação revolucionária" na América Latina, alimentada pela miséria. Para a imprensa dos EUA, era o prenúncio de uma repetição do que havia ocorrido em Cuba com Fidel Castro, em 1959.
Apoio cubano
Fidel, de fato, tinha interesse em estimular a esquerda brasileira, tanto que recebeu Julião em mais de uma oportunidade. Antes do golpe, ofereceu ajuda financeira e treinamento a guerrilheiros das Ligas Camponesas. Depois de instaurada a ditadura no Brasil, passou a dar apoio e dinheiro para a resistência comandada por Brizola.
Maior interessada nos desdobramentos em território brasileiro ao lado dos EUA, a URSS não se envolveu diretamente na situação. Ao menos nunca se teve acesso a registros ou documentos oficiais demonstrando que isso tenha ocorrido. Ministro do Planejamento no regime militar, Reis Velloso, no entanto, disse certa vez que os soviéticos tinham conhecimento do que se passava por aqui: "Segundo o embaixador da URSS, havia três golpes em preparação: um do Brizola, que queria instalar uma república sindicalista; um do Jango, para continuar presidente; e o que aconteceu, por parte das forças militares mais impetuosas".
"Havia uma desconfiança enorme dos EUA em relação ao fantasma do comunismo, da esquerdização da América latina, da perda de hegemonia no continente. E eles ainda não tinham um braço forte e destacado no Hemisfério Sul", explica Marion Brephol, professora de História Contemporânea da UFPR. Com os olhos voltados ao Brasil, os norte-americanos tinham dois interesses diretos: manter e expandir negócios e garantir uma base geopolítica na região.
Diante desse cenário, organismos ligados ao governo dos EUA decidiram enviar dinheiro ao Brasil para financiar campanhas de candidatos conservadores, nas eleições de 1962. As doações se deram por meio do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes), organizações anticomunistas e antirreformistas que faziam campanha ostensiva contra o governo Jango.
No início de 1964, os EUA passaram do financiamento eleitoral para a articulação do golpe. Disposto a acabar de vez com qualquer ameaça comunista no resto do continente, o governo liberou a CIA e o FBI para atuarem em conjunto com a Embaixada do país no Brasil, comandada por Lincoln Gordon desde 1961. À medida que acompanhava de perto os passos de Jango, Gordon formou convicção de que o presidente preparava um golpe com o apoio da esquerda, que se daria por meio do fechamento do Congresso. Informado da situação, o presidente dos EUA, Lyndon Johnson, autorizou no dia 20 de março o deslocamento de uma esquadra ao Brasil para dar suporte às Forças Armadas brasileiras na destituição de Goulart. Era o plano Contingência 2-61.
Porém, não foi preciso colocá-lo em ação. Ao tomar conhecimento do apoio americano ao golpe deflagrado no dia 31, Jango nem sequer ofereceu resistência e se asilou no Uruguai. Os militares assumiram o poder. E, à força, escolheram o lado que o Brasil deveria estar.
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