O afastamento de todos os suspeitos de envolvimento no escândalo dos Diários Secretos é a única forma de garantir que a investigação seja isenta e transparente. Esta é a posição da Associação Paranaense dos Juízes Federais (Apajufe). Segundo o presidente da entidade, o juiz Anderson Furlan, as revelações feitas pela série de reportagens da Gazeta do Povo e RPCTV dão indícios de que até mesmo crimes federais foram cometidos, e que a manutenção dos suspeitos em cargos de comando na Assembleia Legislativa poderá comprometer a apuração dos fatos. Segundo Furlan, seria de bom tom que integrantes da mesa diretora da casa se afastassem dos seus postos. Em caso de recusa, poderia ocorrer até mesmo o afastamento por via judicial. "Esperamos do poder competente e das instituições responsáveis que atuem de forma célere para que sirva de exemplo e para que casos como esses não voltem a acontecer."
Qual sua avaliação a respeito do escândalo envolvendo a Assembleia Legislativa do Paraná?
A revelação do escândalo é um trabalho que pode ser visto como um marco divisório no jornalismo investigativo do Paraná. Trouxe à mostra muito do que estava escondido debaixo do tapete. Esse escândalo descoberto tem muito a ensinar para o povo paranaense. Em um momento em que todas as instituições falharam, seja em auditorias que não conseguiram descobrir a existência de funcionários fantasmas, seja o Tribunal de Contas ou o Ministério Público, a imprensa investigou, descobriu e trouxe para a população muito do que havia de errado. Agora é importante que a sociedade e os poderes não empurrem de novo para debaixo do tapete esta podridão que foi colocada à mostra, e sim que investiguem e condenem os culpados. Como já disse um Juiz da Suprema Corte dos EUA, a luz do sol é o melhor desinfetante. Os atos institucionais da Assembleia, assim como todos os gastos do poder público, precisam ser feitos às claras, como determina a Constituição Federal. No caso de irregularidades, elas têm que ser trazidas para debaixo do nariz da população, de forma que o cheiro incomode e de modo que a sociedade e as instituições atuem para apurar e condenar os culpados.
A Apajufe defende o afastamento do toda a mesa diretora como forma de garantir o bom andamento das investigações?
Não. Não defendemos o afastamento de toda a mesa diretora. Isso seria prejulgar e condenar pessoas que integram a mesa diretora, mas não têm poderes para fazer qualquer nomeação ou autorizar despesas públicas. São apenas figuras simbólicas que substituem os titulares em determinadas ocasiões. O que nós defendemos, é que as pessoas que sejam inequivocamente suspeitas, por nobreza de caráter e para preservar a instituição que integram, se afastem dos cargos pela própria vontade, para possibilitar que a investigação seja a mais ampla e profunda possível. Essa é nossa posição para qualquer caso de desvios de agentes públicos no Brasil, não apenas nesse ou naquele caso. É a regra geral. Não se pode admitir que os suspeitos de fatos irregulares tenham poderes sobre as provas e sobre as pessoas que poderão servir para a condenação dos mesmos. Então, para preservar a instituição, e para que deem indícios de que estão com a consciência tranquila, os suspeitos devem se afastar para oportunizar a investigação. Essa é a posição de todos os juízes federais do Paraná. Pesa muito mal contra o servidor o fato de não largar suas funções, ainda mais quando ele tem poderes sobre as provas. Isso é muito ruim, pois pode acabar em afastamento determinado pelo Poder Judiciário e até mesmo prisão, já que a pessoa que prejudica a colheita de provas pode inclusive ser presa.
Existem exemplos dessa possibilidade?
Sim. O governador do Distrito Federal foi afastado e preso porque estava prejudicando a colheita de provas. Ele resolveu permanecer no cargo, e com isso utilizava seus poderes para atrapalhar a investigação.
Há alguma mudança no rumo do processo se o afastamento for por via jurídica ou por vontade própria dos suspeitos?
Isso vai depender do juiz que vai analisar as provas. O que acontece, é que a pessoa que toma essa iniciativa, demonstra um elevado espírito republicano. Ela sabe que a instituição que ela integra é mais importante do que ela própria. Além disso, mostra para sociedade que não tem o que temer.
Quais são as outras medidas que podem ser tomadas no andamento do processo?
Os órgãos envolvidos na investigação, principalmente a polícia e Ministério Público, podem requerer ao Poder Judiciário medidas como bloqueio de bens dos envolvidos, sequestro de valores em bancos, indisponibilidade da venda de imóveis e apreensão de documentos que sejam importantes para o inquérito. Tudo para que, eventualmente, comprovada a culpa e o desvio, os cofres públicos possam ser ressarcidos. O dinheiro apreendido ou bloqueado deve ser devolvido ao legitimo proprietário, que é povo do Paraná.
Em que estágio da investigação essas medidas podem ser adotadas?
Eu não tive acesso ao inquérito, então não posso dizer qual o estágio das investigações. Mas, havendo indícios fundados de que houve um desvio e de quehá pessoas que possam ser consideradas culpadas, as medidas preventivas podem ser tomadas para que essas pessoas não consigam se desfazer dos bens, transformá-los em dinheiro, depositar em outras contas, colocar em nomes de laranjas ou mesmo levantar o dinheiro. Para que a Justiça seja feita por inteiro, os culpados devem ser condenados e os cofres públicos ressarcidos. As varas federais criminais de Curitiba já atuaram dessa forma diversas vezes, inclusive com devolução de dinheiro para União e entrega de fazendas ao INCRA para reforma agrária.
Além das denúncias de funcionários fantasmas e supersalários, a imprensa vem noticiando o sumiço dos diários oficiais da Assembleia há cerca de dois anos. Somente agora o Ministério Público resolveu iniciar inquérito. Isso não demonstra que a atuação do MP tem sido aquém do esperado?
Não tenho condições de avaliar a atuação do Ministério Público. Como cidadão, eu confio na atuação do MP. Ouvi notícias que o MP Estadual constituiu uma força-tarefa específica para sedebruçar sobre o escândalo da Assembleia. Minha expectativa é que ele aja de forma séria, eficaz e enérgica e dê as respostas que a sociedade espera.
O senhor foi um dos primeiros a levantar a tese de que poderia haver uma investigação federal sobre o caso. Quais crimes federais podem ter sido cometidos?
Em princípio, parece-me que a competência da Justiça Federal poderá ser justificada pela existência de crimes fiscais, principalmente a sonegação de imposto sobre a renda. De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, mesmo os recursos provenientes de atividade ilícita devem ser tributados. Configurado o crime fiscal, a competência será da Justiça Federal, a qual abrangerá o julgamento de todos os demais crimes, como formação de quadrilha, peculato, etc. Isso aconteceu no caso envolvendo o desvio de verbas públicas na prefeitura de Maringá, em 2000. Naquela ocasião, o Secretário da Fazenda foi preso, processado e julgado pela Justiça Federal porque, entre os crimes cometidos, havia o crime de sonegação fiscal de tributo federal.
É possível acreditar numa solução rápida e na condenação dos possíveis culpados?
Infelizmente não. É muito triste, principalmente para os juízes, constatarmos a baixa eficácia dos meios e instrumentos legais de investigação e de punição, especialmente em se tratando de criminosos de colarinho branco. No Brasil, existe uma matemática financeira da corrupção. O agente público desvia dinheiro. Com o dinheiro público ele contrata bons advogados, que utilizam de todos os expedientes necessários para a defesa de seu cliente o que é legítimo. Eles contam também com o elevado número de processos que tramitam nas varas e tribunais, para que com a morosidade, isso leve à impunidade. Então, infelizmente, não podemos esperar muito.
Pela conta dos especialistas, o Supremo Tribunal Federal, em mais de 100 anos de história, nunca condenou uma autoridade do primeiro escalão. Seria porque nenhum deputado federal ou governante tenha cometido crime?
Eu particularmente não acredito. Isso acontece porque o sistema favorece a impunidade. Enquanto não houver uma reforma penal e processual séria, que prestigie o juiz de primeira instância, que diminua o número de recursos aos tribunais superiores, a impunidade continuará sendo uma constante em nosso país. O problema não é que nós temos mais corruptos que outros países. Simplesmente aqui não se consegue punir os criminosos. Os exemplos disso estão ai. Vemos na mídia há muito tempo acusações de desvio de dinheiro público, e quantas dessas pessoas foram presas?
É preciso mobilizar a sociedade sobre este tema? De que forma as instituições podem colaborar?
Esse escândalo na instituição paranaense, juntamente com outros que já ocorreram em todo o país, apresenta uma face muito negativa: o estado letárgico da sociedade. Temos uma sociedade que encontra-se anestesiada com tantos escândalos e que é incapaz de reagir a eles. Pior. Ainda encontramos situações onde os corruptos, criminosos e pessoas sobre as quais pesam suspeitas de desvio de dinheiro público são prestigiados pela sociedade em que vivem. Continuam frequentando lugares públicos e são muitas vezes aplaudidos e reeleitos. É algo tão esquizofrênico quanto o cidadão conviver com a pessoa que tirou a televisão da casa dele ou que roubou seu carro. Só que nesse caso é muito mais grave, pois o cidadão continua prestigiando e votando na pessoa que tira a vacina de seus filhos, que tira o material escolar e a merenda, que tira a polícia da porta da sua casa porque esgotou o dinheiro para segurança pública. Essas pessoas continuam circulando e sendo agraciadas pela sociedade. Às vezes recebem até prêmios de câmaras de vereadores do interior. Essa é a face negativa dos escândalos: a sociedade não se mobiliza. A Apajufe tem conversando com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que historicamente é uma grande defensora da moralidade e da transparência, para que seja feito um evento onde a sociedade e os setores organizados possam manifestar sua voz. E o mais importante: levar para os representantes do povo no Congresso um documento indicando medidas que possam ser tomadas para que a impunidade dos agentes públicos corruptos não seja uma prática corrente em nossa sociedade. Esta é a triste realidade do Estado brasileiro. Realidade que apenas poderá ser alterada com um conjunto de medidas que passem pela efetiva valorização das decisões judiciais de primeira instância, diminuição de recursos, reestruturação do sistema carcerário e reformulação da política remuneratória e de investimentos nos setores de segurança pública. Apenas quando o cidadão voltar a acreditar que vale a pena ser honesto e que bandidos, ricos ou pobres, servidores públicos ou não, fatalmente serão punidos e retirados de circulação, é que os Poderes da República poderão ser levados mais a sério e se transformarem em verdadeiros instrumentos da cidadania.
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