Opinião
Liberdade prevaleceu
Faz parte do bom jornalismo informar aos leitores quando há algo errado no uso do dinheiro público. Quando os cidadãos, por meio da imprensa, têm acesso a esse tipo de informação, a democracia funciona melhor. Por isso um jornal não pode ser impedido, desde que tenha boas provas disso, de informar que houve desvios graves como os que foram registrados na Assembleia Legislativa do Paraná. A Gazeta do Povo, ao contrário do que diz a ação de Abib Miguel, não tem intenção de perseguir ninguém nem de distorcer os fatos. Quer apenas contribuir com a democracia paranaense impedido que os erros se repitam ou se perpetuem.
O juiz Tiago Gagliano Alberto, da 9.ª Vara Cível de Curitiba, negou a liminar pedida pela defesa do ex-diretor-geral da Assembleia Legislativa do Paraná Abib Miguel, o Bibinho, para que a Gazeta do Povo fosse impedida de publicar novas reportagens sobre ele. A ação judicial também pedia que fosse decretado segredo de Justiça nos processos que envolvem Bibinho e que o jornal publicasse direito de resposta em igual quantidade e nos mesmos espaços em que as reportagens da série Diários Secretos foram veiculadas. A série de reportagens, divulgada pela Gazeta e pela RPC TV, revelou um esquema de desvio de dinheiro que, segundo o Ministério Público, chega a pelo menos R$ 100 milhões.
Bibinho, que é acusado de liderar o esquema de corrupção, foi denunciado à Justiça e responde a processo criminal. Ele perdeu o cargo e está preso, assim como dois outros ex-diretores do Legislativo, José Ary Nassiff e Cláudio Marques da Silva. Na ação, os advogados de Bibinho afirmam que o jornal estaria tentando persegui-lo e distorcendo a verdade.
O juiz destacou, na decisão, que acolher o pedido de direito de resposta feito pelo advogado de Bibinho, como é conhecido, significaria dizer que os fatos divulgados pela imprensa são inverídicos. Alberto ainda acrescentou que "a leitura atenta de todos os recortes de notícias jornalísticas juntadas aos autos, no entanto, não revelou a utilização de expressões pejorativas ou que extrapolem a própria situação que ensejou a investigação noticiada".
O magistrado descartou a hipótese de proibir o jornal de publicar reportagens sobre o ex-diretor, enfatizando que a Constituição Federal estabelece a liberdade de expressão e que a legislação prevê a possibilidade de reparação em caso de abuso confirmado na divulgação de informações. Alberto ainda avaliou que não existe motivo para decretar segredo de Justiça nos processos. Dos pedidos feitos na ação, o juiz só acatou o que pede celeridade no andamento do processo com base no Estatuto do Idoso, que prevê prioridade para ações de pessoas com mais de 60 anos. Bibinho tem 70.
Em diversas oportunidades, Bibinho foi procurado pela reportagem para se pronunciar sobre as denúncias e sempre se recusou a falar. Em uma das poucas imagens em que ele aparece antes das denúncias ele frisa que não costuma dar entrevistas. Advogados de defesa também foram procurados em várias oportunidades e, na maioria das vezes, informaram que preferiam não comentar as reportagens. O advogado Joe Robson Coppi, que representa o ex-diretor na ação judicial contra a Gazeta do Povo, foi procurado ontem por telefone no escritório e por celular, mas não foi localizado para falar sobre o processo e a decisão.
Na quinta-feira, Bibinho deve estar no banco dos réus, na 9.ª Vara Criminal de Curitiba, respondendo a uma das acusações já ajuizadas pelo Ministério Público.
Interesse público
Para a advogada Rogéria Dotti, que integra a comissão de Liberdade de Expressão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Paraná, os casos divulgados pelas reportagens são de interesse público e verdadeiros, "sem qualquer ofensa aos direitos do acusado". Ela reforça que não se trata de assunto que exija segredo de Justiça e que o Judiciário tem se manifestado destacando que o interesse público prevalece sobre o direito à privacidade. "É uma decisão judicial muito precisa e bem posta, já que é claro que o jornal não teve a intenção de denegrir a imagem e sim de relatar os fatos", afirma.
O diretor-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Ricardo Pedreira, disse que lamenta e condena a iniciativa do processo por acreditar que fere o princípio constitucional de liberdade de expressão." Isso só tem um nome e é tentativa de censura prévia", afirma.