Supremo Tribunal Federal: ministro Toffoli aceitou pedido da defesa de Bibinho e trancou duas ações penais| Foto: Nelson Jr./ STF do Povo
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A melhor defesa é o ataque. Essa máxima foi aplicada com sucesso pela defesa de Abib Miguel, ex-diretor-geral da Assembleia Legislativa. Em vez de tentar alegar a inocência do acusado em relação às irregularidades cometidas na Casa nos últimos anos, os advogados de Abib Miguel, conhecido como Bibinho, fizeram uma investida contra a investigação criminal feita pelo Ministério Público Estadual. Argumentaram que a Justiça Estadual não era competente para analisar os fatos noticiados pela Gazeta do Povo e RPC TV na série Diários Secretos. A alegação foi aceita pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) José Antonio Dias Toffoli, que suspendeu duas ações que tramitavam nas varas criminais de Curitiba e mandou soltar Bibinho, que estava preso havia 49 dias no quartel-geral da Polícia Militar, em Curitiba.

Na argumentação apresentada ao STF, o advogado José Roberto Batochio, que representa Bibinho, vinculou o nome de seu cliente a outro grave escândalo do Legislativo estadual: o esquema Gafanhoto. A fraude, que ocorreu entre 2001 e 2004, consistia no desvio de recursos da Assembleia por meio do depósito do salário de vários servidores em uma única conta bancária. Os titulares das contas eram parlamentares ou chefes de gabinetes de deputados. Apesar da conexão negativa, o caminho foi escolhido para garantir a liberdade de Abib e, de forma indireta e não necessariamente intencional, atrasar o julgamento das irregularidades mostradas na série Diários Secretos (leia mais nas próximas páginas).

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A estratégia da defesa é completamente legal e está prevista na Constituição Federal, mas suscita debates sobre a atuação de policiais, promotores, juízes e ministros das cortes superiores. A maioria dos especialistas consultados pela reportagem faz sugestões para que o combate à corrupção no Brasil prospere, sem ferir as liberdades individuais.

O promotor José Augusto Peres Filho, ex-procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Norte, destaca que é muito comum os acusados tentarem desqualificar as investigações ou as provas contra eles. Muitas vezes, pondera, eles têm razão. Na terça-feira passada, o STF declarou a nulidade de algumas provas apreendidas pela Polícia Federal envolvendo um advogado, que estava sendo investigado por suposto envolvimento em esquema de fraude em licitações de obras públicas. A decisão foi embasada em um erro no mandado de busca e apreensão, o qual falava que ela iria ocorrer na residência do advogado. Mas, na verdade, o local era o escritório de advocacia.

"As questões que ficam: a PF errou conscientemente, acreditando que não haveria problema em não informar que se tratava de um escritório de advocacia e não de uma residência? Ou foi falta de informação? Por conta de um ‘detalhe’, foram perdidas provas muito importantes", observa Peres Filho. Segundo ele, para eliminar situações como essa é preciso um grande investimento na capacitação de policiais e promotores. "A atividade de inteligência, infelizmente ainda associada à arapongagem no Brasil, precisa ser aprimorada". Ele também destaca que alguns magistrados não compreendem bem os sistemas de investigação e às vezes veem irregularidades onde elas não existem.

Indignação

O promotor afirma que as mudanças são possíveis, sem risco à ordem legal. "Não quero dizer que o rito constitucional não deva ser respeitado. Mas às vezes há um superdimensionamento de uma suposta violação à liberdade individual, em detrimento da segurança de uma sociedade ou do patrimônio dela."

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Peres Filho, que coordena um site na internet sobre o combate à impunidade (www.crimesdecolarinhobranco.com.br), diz que é normal a sociedade ficar indignada com decisões como a de Toffoli. "O sentimento de frustração é verdadeiro, mas é inerente ao combate aos crimes de colarinho branco. Só vamos acabar com esse sentimento com o avanço dos processos e das instituições."

Por outro lado, o filósofo Roberto Romano, professor da Unicamp, questiona algumas decisões judiciais. "Não podemos ignorar o direito de defesa. Mas, no Brasil, muitas vezes um juiz toma uma atitude que corresponde mais ao desejo de sua corporação do que aos anseios da população", observa. Segundo ele, uma maneira de fazer com que desembargadores e ministros se aproximem mais da sociedade é instituir a eleição para juiz. "Isso já ocorre nos Estados Unidos e seria uma forma de evitar que o juiz se encastele em tecnicalidades. Às vezes, por causa de pequenos detalhes, acaba se deixando passar uma situação escandalosa de impunidade."

Garantias

O professor da Escola da Magistratura do Paraná Fernando Knoerr diz que a sociedade não deve ficar frustrada com decisões como a de Toffoli, a ­­qual colocou em liberdade Abib Miguel. "A sociedade tem de se sentir res­­paldada, por saber que eventuais conclusões sobre o caso estarão no ca­minho certo. Caso contrário há o risco de se apurar, apurar, e lá na frente esse trabalho ser perdido", afirma. Para Knoerr, é errado classificar o trabalho dos advogados de defesa – em qualquer situação – como uma "artimanha". "É uma garantia constitucional. Se os meios legais não são observados, há um comprometimento do conteúdo."

Segundo Knoerr, eventuais demoras nos julgamentos não podem ser cre­­ditadas à atuação dos advogados de defesa. "Se um processo não anda, a culpa­ não é das garantias previstas na Constituição. Não é à toa que estão ­na lei. Elas estão lá porque ao longo do tempo se concluiu que eram boas. Mas as leis precisam de tempo para amadurecer. É preciso vivenciar a lei, para melhor aplicá-la."

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