Vanilda Leal, que tem uma conta em seu nome onde foi depositado R$ 1,2 milhão em cinco anos, diz que não sabe que dinheiro é esse| Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo

"Um inferno"

Agricultora nega envolvimento

A agricultora Vanilda Leal, 33 anos, moradora da zona rural de Cerro Azul, a 100 quilômetros de Curitiba, continua afirmando que não sabe como uma conta bancária foi aberta em seu nome. Ela chegou a ser presa em abril e, quando lhe apresentaram uma ficha bancária com uma assinatura, disse que não sabia se era sua. Vanilda nega qualquer participação no esquema, mas o Ministério Público suspeita de que ela tinha conhecimento e inclusive se beneficiava de uma parte pequena do dinheiro.

Passados quase dois meses da revelação do escândalo, a reportagem voltou à casa de Vanilda para saber como está a vida dela desde então. "Está um inferno", define ela. Basta ver um carro diferente encostar em frente da casa de madeira simples onde mora que começa a chorar. Humilhação e vergonha são as palavras que ela mais cita.

Vanilda conta que estava no hospital Angelina Caron, em Campina Grande do Sul, com a filha que tinha caído de uma árvore quando viu a primeira reportagem na tevê. Diz que ficou sem entender o que estava acontecendo e que não sabia que dinheiro todo era aquele – foram depositados salários que somaram R$ 1,2 milhão em cinco anos na conta dela. Quando voltou a Cerro Azul, ela e a mãe, Jermina Leal, 60 anos, também funcionária fantasma da Assembleia, eram o assunto da cidade. "Ficavam tirando sarro e perguntando o que eu fiz com o dinheiro", relata. "Na escola disseram que a minha mãe era ladrona", afirma uma filha de Vanilda.

Na prisão, documentos e o cartão do Bolsa Família foram levados pelos policiais. Desde então, está sem os R$ 134 mensais que recebia como reforço de renda. Além da agricultura de subsistência, depende do trabalho do marido e de um dos filhos no corte de pinus. Mas isso não rende um salário mínimo por mês. Vanilda conta com o apoio financeiro e psicológico de membros da congregação evangélica que frequenta. "Tem dias que eu não tenho mais vontade de viver", conta ela, acrescentando que está tomando remédio para depressão.

Jermina mora a 50 metros da casa de Vanilda e é mais arredia para falar com estranhos. "Minha cara não aguenta o peso de tanta vergonha", diz. Ela evita falar do irmão João Leal de Mattos, funcionário de carreira da Assembleia que é acusado pelo Ministério Público de ter aliciado ela e outros seis parentes como fantasmas na Casa. A sogra de João, Maria José da Silva, e a cunhada Nair Terezinha da Silva Schibicheski confessaram em depoimento que ganhavam R$ 150 para participar do esquema. A estimativa do MP é que só por meio da família Leal tenham sido desviados R$ 13 milhões do Legislativo desde 1994. Jermina diz que o irmão é muito bom para ela, que sempre a ajudava, e que desde a prisão em abril está sem falar com ele, que mora em São José dos Pinhais. "O telefone está grampeado", diz.

Vanilda e Jermina ficaram cinco dias presas em abril. O MP informou que basta Vanilda pedir a documentação retida que esta será devolvida.

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Passados 117 dias da revelação de um esquema milionário que desviava recursos públicos da Assembleia Legislativa do Paraná, ainda não foi esclarecido como era feita a movimentação financeira desse montante. Havia contas bancárias abertas em nomes de funcionários laranjas, as quais eram movimentadas sem que os titulares aparecessem nos bancos ou no Legislativo.

O caso mais emblemático é o da agricultora semianalfabeta Vanilda Leal, que mesmo dizendo que não tinha conta bancária, teve depositado R$ 1,2 milhão em uma conta em seu nome. Como clientes que recebiam mais de R$ 20 mil por mês passavam despercebidos no sistema bancário e como aconteciam os saques são perguntas ainda não respondidas.

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A investigação que poderia responder a essas dúvidas foi interrompida. O principal foco do inquérito aberto pela Polícia Federal era apurar o envolvimento ou conivência de agentes bancários no esquema. Pela lei, crimes contra o sistema financeiro são apurados apenas na esfera federal, já que não existe autonomia dos estados para legislar sobre assuntos bancários.

As normas de funcionamento do sistema financeiro determinam que o Banco Central seja sempre informado sobre movimentações suspeitas ou acima de R$ 10 mil – e a conta de Vanilda chegava a receber salários mensais de até R$ 35 mil. Foram 60 pagamentos desde 2004, na média, com depósitos de R$ 20 mil. Pelas normas do BC, os bancos também devem verificar a compatibilidade e a atividade econômica dos correntistas e os beneficiários finais das movimentações.

Com suspeitas de participação ou omissão de algum funcionário de banco, a PF instaurou procedimento no dia 25 de março. Contudo, uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) de 8 de junho, suspendeu todas as investigações criminais sobre o caso e, por isso, o inquérito da PF foi paralisado. O ministro José Dias Toffoli entendeu que o Ministério Público Estadual não tinha prerrogativa para cuidar do caso, pois este teria ligação com outras irregularidades da Assembleia, o esquema gafanhoto, que está sendo investigado pelo STF. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, solicitou reconsideração da liminar.

Sindicância

Duas instituições financeiras concentram a folha de pagamento dos funcionários da Assembleia: HSBC e Itaú. Em resposta à reportagem, o HSBC informou que a sindicância aberta em março para apurar irregularidades na movimentação da conta de Vanilda Leal ainda está em curso. O banco já havia anunciado, em abril, que encontrou indícios de fraude no caso. Em nota oficial, declarou que a "conclusão ainda preliminar [da sindicância] indica que a conta pode ter sido aberta de maneira fraudulenta".

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O HSBC confirmou também que "existe uma investigação interna para determinar outros relacionamentos que pudessem ter vínculo com o incidente na Assembleia Legislativa do Paraná" e que as informações relacionadas ao caso estão sendo encaminhadas aos órgãos públicos envolvidos na investigação. Procurado insistentemente durante uma semana, o Itaú não respondeu aos questionamentos da Gazeta do Povo. Nem sequer confirmou se abriu sindicância para apurar o caso.

O escândalo envolvendo desvio de recursos públicos da Assembleia Legislativa do Paraná veio à tona em março, a partir da série de reportagens "Diários Secretos" di­­vulgada pela Gazeta do Povo e pela RPC TV, que mostrou que funcionários fantasmas e laranjas recebiam altos salários no Le­­gis­­lativo estadual. A estimativa do Ministério Público é de que pelo menos R$ 100 milhões tenham sido desviados.