Entrevista
"Clima era o mesmo das Diretas Já"
Entrevista com Ricardo Costa Oliveira, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná
O que fica da manifestação?
Foi um movimento extremamente bem-sucedido. O centro foi tomado pela campanha, os populares com bandeirinha, famílias, uma participação cívica da mais alta qualidade. Havia trabalhadores, estudantes, parlamentares comprometidos com a causa pública. Foi extremamente bonito.
Qual foi o clima na Boca Maldita?
Lembra as Diretas Já, o impeachment do (ex-presidente Fernando) Collor e as manifestações contra a venda da Copel. E todos esses foram movimentos vitoriosos. A noite de ontem marcou uma geração. Houve a geração das Diretas Já, a do impeachment do Collor, a da luta contra a privatização da Copel. O que vai marcar estes anos é a campanha pela moralização da Assembleia e pela transparência na política.
Os deputados vão ouvir esse clamor?
Eu acho que já ouviram e alguns já estavam contribuindo com o movimento. Eles viram que um número expressivo de pessoas está comprometido com essa causa. A campanha ganhou uma grande maturidade. A mesa diretora está profundamente isolada do ponto de vista político. E do ponto de vista da moral já está derrotada.
O que levou as pessoas às ruas?
A indignação com conhecimento de causa. O tamanho do desfalque (desvio de recursos públicos) impressionou. Essa onda vai crescer até que haja uma resposta da Assembleia Legislativa.
É viável a permanência da Mesa Diretora depois dessas manifestações?
Não é mais viável. Isso só aumentaria o tamanho do buraco deles. É um desastre político. Nem na Assembleia Legislativa reunirão apoio, ainda mais em um ano eleitoral. Eles têm que se afastar para que haja uma apuração independente.
A mudança extrapola o Legislativo?
Por ora começa no Legislativo, mas tem uma cobrança para que os candidatos ao Executivo se posicionem em relação a essa crise política. Se não atenderem a essa exigência, perderão muitos votos. E a campanha já está atingindo os outros poderes, como Ministério Público e o Tribunal de Contas, que estão sendo questionados sobre a sua eficiência.
Os paranaenses foram às ruas ontem e fizeram da Boca Maldita, novamente, um espaço de protesto. De forma pacífica, trabalhadores, comerciantes, estudantes, empresários e profissionais liberais cobraram respostas para as irregularidades apontadas pela Gazeta do Povo e pela RPC TV na série de reportagens "Diários Secretos".
Em grupo ou solitários, barulhentos ou silenciosos, os manifestantes se uniram para defender a saída da Mesa Executiva da Assembleia Legislativa (AL) e a adoção de medidas moralizantes no Legislativo paranaense. "É um absurdo. Os deputados que estão lá ou são coniventes e incompetentes ou participaram do esquema. Eles formam uma elite feudal que se protege. Por isso temos de pressionar", disse o comerciante Ivan de Oliveira, 68 anos, que segurava um cartaz em que se lia: "Ali Bibinho e os 40 ladrões", em uma referência ao ex-diretor geral da AL, Abib Miguel.
O militar aposentado Varner Nóbrega, 72, foi com a esposa, Angela Nóbrega, 54, para dar seu incentivo ao movimento e mostrar seu descontentamento. "A gente imaginava esse tipo de coisa em outros lugares, lá em Brasília. Foi uma surpresa muito grande quando as matérias mostraram isso na Assembleia do Paraná, em Curitiba."
A manifestação "O Paraná Que Queremos" despertou um sentimento cívico que parecia adormecido. "Eu estive aqui, como advogado recém-formado nas Diretas Já e a sensação é parecida. A sociedade civil, em seus mais diversos setores, está aqui cobrando respostas e o afastamento dos deputados da Mesa", afirmou o advogado Wilson Grube Filho, 51.
A estudante Ana Paula Lorenzetti, 19, ainda estuda para ser uma advogada e nem era nascida durante o movimento das Diretas Já. Mesmo assim, ela diz que o ato de ontem entra para a história política do Paraná. "Os estudantes estão nas ruas. O movimento estudantil parecia adormecido e hoje está aqui, junto com os outros setores da sociedade ", disse. Ao definir as denúncias contra a Assembleia, Ana é técnica, sem deixar de ser direta: "Foi uma grande ofensa ao estado democrático de Direito."
A consciência política que se manifesta em Ana começa a aparecer em Franco Rovedo. Estudante da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), ele conta que seu interesse pela questão política começou há pouco tempo e, logo em seguida, vieram as reportagens da série "Diários Secretos". "Eu parei para pensar. Como pode isso? Como podem ter deixado a Assembleia chegar nisso. Vi que tinha que fazer minha parte. Não sou político, mas busco entender o que está acontecendo e me manifestar."
Aos 17 anos, Rovedo já se mostra um bom analista político, até porque o discurso dos deputados que têm o poder, hoje, na Assembleia, é exatamente o do "não é minha culpa", do "isso era uma prática antiga". Ontem, na Boca Maldita, a sociedade mostrou que não tolera a corrupção, assim como não tolera a omissão.
"São práticas antigas que vieram de outros presidentes, mas por que ninguém mudou isso? Por que o presidente da Casa não agiu? Precisou a imprensa fazer o trabalho", disse a advogada Dóris Maria Battistella, 57.
Batuque e alegria
Os estudantes da UniCuritiba estiveram em peso na manifestação de ontem da Boca Maldita. Incentivados pela direção da faculdade e pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE), os acadêmicos da universidade protestaram no ritmo da bateria. Quinze percussionistas (todos acadêmicos) foram do campus da instituição, na Avenida Água Verde, até a Boca Maldita com bumbos, caixas e repiques. Para respeitar os discursos, economizaram no batuque. Mesmo assim chamaram atenção de quem esteve na Boca. "A UniCuritiba tem uma tradição de engajamento político e os estudantes de Direito também têm", disse o presidente do Centro Acadêmico de Direito, Ludwig Cozer Von Staa.
Tudo democrático
Centrais sindicais, entidades estudantis e partidos políticos estavam representados ontem na Boca Maldita. Com bandeiras, camisas, cartazes e broches eles dividiram o espaço democraticamente. Além dos militantes, o evento ainda contou com a presença de caras-pintadas, caça-fantasmas e "fantasmas", todos devidamente paramentados.
Espaços alternativos
A maior parte do público da manifestação estava em frente do palco na Boca Maldita e do telão instalado ao lado do Palácio Avenida. Mesmo assim muita gente acompanhou o evento dos cafés da Boca Maldita, do alto dos edifícios da Rua XV, e até dos bares em frente ao Bondinho. Apesar do grande fluxo de pessoas, o protesto ocorreu na mais perfeita tranquilidade. Até o término do evento, a Polícia Militar não tinha registrado nenhuma ocorrência.
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Interatividade
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