Maurizio Campagna em Milão, atrás da lápide em memória do irmão, o policial Andrea Campagna, colocada na Vida Modica, exato local onde ele foi morto pelo grupo de esquerda do qual Battisti fazia parte: “Na minha opinião, [o ex-presidente Lula] foi mal aconselhado”| Foto: Rosana Félix/ Gazeta do Povo

Novela jurídica

Confira os fatos mais marcantes do caso envolvendo o italiano Cesare Battisti, 56 anos, preso no Brasil desde 2007:

- Battisti é preso na Itália em 1979 e fuge da cadeia em 1981. Passou um ano na França e depois se mudou para o México.

- Em 1985, o ex-presidente francês François Mitterrand cria a doutrina que a França não irá extraditar ex-guerrilheiros que largaram a luta armada e constituíram família em território francês. Por volta de 1990, Battisti vai para a França.

- Em 1991, Battisti é preso na França, pelo pedido de extradição que havia sido feito da Itália, que acaba negado por causa da doutrina Mitterrand. Ele havia sido condenado na Itália pela participação em quatro homicídios e outros crimes, com pena de prisão perpétua.

- No início dos anos 2000, Silvio Berlusconi, primeiro-ministro italiano, faz novo pedido de extradição. Com a guinada à direita no governo francês, comandado por Jacques Chirac, o pedido começa a ser analisado. E, em 2004, a Justiça francesa autoriza a extradição. Battisti recorre à Corte de Cassação da França, mas não obtém sucesso. Ele foge novamente, enquanto seus advogados recorrem à Corte Europeia de Direitos Humanos.

- Em 2006, a Corte Europeia não acata a argumentação de Battisti, que afirmou que foi julgado à revelia na Itália e não teve chance de se defender. Ele continuava foragido.

- Em 2007, Battisti é preso no Brasil. A Itália faz o pedido de extradição, julgado pelo STF em dezembro de 2009. Fica decidido que o italiano deve ser extraditado, mas que a decisão final cabe ao presidente Lula.

- Em 31 de dezembro de 2010, Lula diz não à extradição. O governo italiano recorre ao STF e promete acionar organismos internacionais contra o Brasil. Battisti atualmente continua preso em Brasília.

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Alessandro Santoro, filho do agente penitenciário Antonio Santoro, assassinado em 1978:
Veja no mapa as cidades ondem foram mortas as vítimas de Battisti
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Udine e Milão, Itália - "Eu, meus irmãos e minha mãe nunca falávamos da morte do meu pai. Agora eu falo apenas porque isso pode ajudar a equilibrar uma situação muito injusta, que é a de haver um assassino que ainda não pagou por isso. É muito injusto, mesmo depois de 30 anos."

O depoimento é do italiano Alessandro Santoro, de 42 anos, sobre o homicídio de seu pai, Antonio Santoro, ocorrido em 1978, em Udine, Norte da Itália. O assassino a que ele se refere é Cesare Battisti, beneficiado pela decisão do ex-presidente Lula de não extraditá-lo para a Itália. Battisti se declara inocente do assassinato. Mas foi condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana, no começo dos anos 90, pelo homicídio de Antonio Santoro e de outras três pessoas.

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O discurso de inocência de Battisti se tornou conhecido dos brasileiros desde que ele foi preso no Rio de Janeiro, em 2007, portando documentos falsos – o que deu início ao imbróglio com as autoridades italianas, que exigem a extradição. O que ainda não se conhece muito bem são as histórias e expectativas dos familiares das pessoas que a Justiça italiana diz que foram mortas por Battisti e seu grupo de esquerda, o Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). A Gazeta do Povo foi até a Itália para conversar com parentes das vítimas e, a partir de hoje, começa a publicar reportagens sobre o caso.

Anos de chumbo

No fim dos anos 70, a Itália vivia os seus anos de chumbo. A situação, entretanto, era muito diferente da que existia no Brasil, que naquela época estava sob o jugo de uma ditadura militar. Após a queda de Benito Mussolini, em 1945, os italianos sempre tiveram governos eleitos democraticamente. "Era um estado democrático. Ainda não muito maduro. Mas, de qualquer forma, democrático", diz Alessandro.

Os grupos de esquerda – e alguns de extrema direita também – pegaram em armas e cometeram muitos crimes, entre eles o assassinato do ex-primeiro ministro italiano Aldo Moro, executado em 1978 pelas Brigadas Vermelhas.

O PAC de Battisti era uma dessas organizações extremistas. Segundo as investigações, o grupo queria fazer justiça com as próprias mãos, eliminando policiais ou civis suspeitos de maltratar presos e ativistas de esquerda.

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Antonio Santoro foi a primeira vítima do grupo. O filho conta que houve uma campanha difamatória na mídia local contra o pai, que era agente penitenciário, chefe da guarda da prisão da cidade. Antonio era acusado de torturar ativistas de esquerda.

Em 6 de junho de 1978, foi baleado em frente de casa. Alessandro tinha 10 anos na época, e estava quase saindo para ir à escola. Ouviu alguns disparos e, da janela da sala, viu um automóvel parado, com o motor ligado.

"Saí de casa e vi o meu pai no chão, em uma poça de sangue. O carro já tinha ido embora. Para mim, ficou claro de imediato o que tinha acontecido. Todos os dias havia um homicídio ou atentado naquele tempo. Já havia acontecido o assassinato de Moro, era um outro nível de violência, não se sabia bem o que esperar", relata Alessandro, sentado em um café em Udine, na manhã gelada inverno europeu, n o último sábado.

Segundo o inquérito policial, um jovem rapaz, que fingia estar namorando uma garota de cabelos ruivos, se aproximou e disparou dois tiros de pistola nas costas de Antonio. No carro que os aguardava, havia outros dois rapazes. Segundo as investigações, Battisti foi o autor dos disparos. Ele estava acompanhando de Claudio La­­vazza e Pietro Mutti – este último um dos líderes do PAC, que depois de preso tornou-se o principal delator de Battisti. A garota era Enrica Migliorati.

No dia 31 de dezembro de 2010, Alessandro, programador de informática com formação em história da arte, estava sereno e confiante. Achava que Lula iria anunciar a extradição de Battisti. "Eu tinha certeza que Lula faria uma declaração de acordo com a justiça. Talvez pela simpatia que sentia por ele, por tudo que ele conseguiu fazer pelo Brasil. Não foi assim que aconteceu. Não fiquei com raiva, mas ele não tomou uma decisão justa."

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O policial

Maurizio Campagna, 49 anos, morador de Milão e técnico da Telecom Itália, estava mais pessimista no fim do ano. Para ele, uma decisão tomada por Lula no último dia de mandato não poderia ser boa coisa. "Ele não queria deixar espaço para outras discussões ou reclamações. Na minha opinião, foi mal-aconselhado", diz o irmão de Andrea Campagna, policial morto pelo PAC em 19 de abril de 1979, em Milão. "Até entendo que Lula, por ser de uma ala da esquerda, possa ter alguma simpatia por Battisti e achar que ele é inocente. Infelizmente não é assim. Ele é um delinquente, da pior espécie."

Andrea foi morto na rua em frente à casa de sua namorada, Cecilia Manfredi, com quem tinha almoçado. O pai dela, Lorenzo, estava junto e viu Battisti. O assassino saiu de trás de um carro parado e deu 5 tiros no policial.

O nome de Andrea tinha aparecido nos jornais por causa de uma denúncia de maus-tratos contra ativistas detidos em Milão. "A gente estava aqui nesta sala, e minha mãe perguntou a ele sobre a denúncia. Ele disse assim: ‘Até eu ir embora, não tinha acontecido absolutamente nada’. Depois foi feita uma investigação e se comprovou que realmente não ocorreu nada", lembra Maurizio no apartamento onde mora desde quando era criança. "O PAC [Proletários Armados pelo Comunismo] tinha esse nome, mas eles matavam proletários. A gente era uma família proletária. A gente não era rico ou morava em uma mansão. Os outros também. Foram mortos sem ter culpa."

Apesar das decepções recentes, Alessandro e Maurizio mantêm a esperança de que a Itália consiga a extradição de Battisti. "Tenho certeza de que teremos uma solução justa", diz o primeiro, mais otimista. Mas, se isso não ocorrer, eles duvidam de que o italiano opte por morar no Brasil. "Se o Battisti conseguir colocar seus pés para fora da penitenciária brasileira, ele fugirá. Aí não será mais um problema para o Brasil", lamenta Maurizio.

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Leia no dia 20/01: as vítimas civis.