Grupo extremista
PAC queria ser um poder autônomo
O objetivo do grupo extremista Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), do qual Cesare Battisti fazia parte, era ser um poder autônomo, que agia contra aquilo que considerava fazer mal aos trabalhadores. A prisão, dentro dessa visão, era algo a ser combatido.
"A palavra tortura é exagerada [para definir o que se passava com os detentos da Itália na década de 70]. Mas estivemos bem próximos disso. Vivi no cárcere; sei o que isso significa", diz Arrigo Cavallina, 65 anos, um dos idealizadores do PAC e espécie de "mentor" de Cesare Battisti. As condições dos presos foram uma das razões para o PAC ter matado pessoas como Antonio Santoro, chefe da guarda penitenciária da cidade de Udine onde Cavallina e Battisti se conheceram.
Cavallina não faz nenhuma acusação contra Battisti. Ele diz que só teria interesse em denunciar alguém com potencial para ainda fazer o mal aos outros "o que não é o caso de Battisti". Ele diz até estar feliz com a decisão de Lula de não extraditá-lo. "O cárcere é a coisa mais estúpida e impede a reparação do preso. Ainda mais se é prisão perpétua, que é a contradição do escopo educativo que a pena deveria ter", afirma ele, que ficou preso por 12 anos e hoje trabalha em uma associação de apoio a detentos. Cavallina diz que a mídia e o governo italiano exageram ao falar do caso, já que há outros italianos condenados que também não foram extraditados pela França.
O ex-mentor de Battisti ainda estava no PAC quando Santoro foi morto, em 6 de junho de 1978. Mas conta que, logo depois, se dissociou do grupo, por não concordar com o rumo que a organização estava tomando. A sorte é que o principal delator dos crimes cometidos pelo PAC, Pietro Mutti, confirmou que Cavallina saiu do PAC. Com isso, livrou-se da prisão perpétua que havia pedida à Justiça pelo Ministério Público italiano. (RF)
Cronologia
Relembre os fatos marcantes do caso envolvendo o italiano Cesare Battisti, 56 anos, preso no Brasil desde 2007:
- Battisti é preso na Itália em 1979 e foge da cadeia em 1981. Passa um ano na França e depois se muda para o México.
- Por volta de 1990, Battisti volta para a França. Em 1985, o ex-presidente francês François Mitterrand havia criado a doutrina que determinava que a França não iria extraditar ex-guerrilheiros que largaram a luta armada e constituíram família em território francês.
- Em 1991, Battisti é preso na França depois de um pedido de extradição feito da Itália. O pedido é negado por causa da doutrina Mitterrand. Battisti havia sido condenado à prisão perpétua na Itália.
- No início dos anos 2000, Silvio Berlusconi, primeiro-ministro italiano, faz novo pedido de extradição. Com a guinada à direita no governo francês, a Justiça autoriza a extradição em 2004. Battisti foge novamente.
- Em 2007, Battisti é preso no Brasil. A Itália faz novo pedido de extradição. Em dezembro de 2009, o STF decide que o italiano deve ser extraditado, mas que a decisão final cabe ao então presidente Lula.
- Em 31 de dezembro de 2010, Lula diz não à extradição. O governo italiano recorre ao STF. Battisti continua preso.
Cesare Battisti é um terrorista. E deveria cumprir a pena que recebeu da Justiça italiana pela participação em quatro homicídios ocorridos entre 1978 e 1979. Essa é opinião generalizada das autoridades e do povo italianos, e não apenas dos familiares das vítimas ou de políticos que possam ter algum proveito com a extradição de Battisti. Durante uma semana, a reportagem da Gazeta do Povo esteve na Itália e constatou o desgosto generalizado com a decisão tomada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia de seu mandato.
Os cidadãos italianos se dizem ainda mais indignados com a "falta de arrependimento" de Battisti. O italiano preso no Brasil desde 2007 por uso de passaporte falso se declara inocente, e por isso não haveria do que se desculpar. Outro fato que mexe com os brios da população é que, se Battisti não tivesse fugido da Itália em 1981, já poderia ter saído da prisão. Apesar de ter sido condenado à prisão perpétua, a lei italiana garante a liberdade condicional após 26 anos. Isso ocorreu, por exemplo, com os extremistas de direita Giuseppe Fioravanti e Francesca Mambro, condenados por vários homicídios e pelo planejamento do ataque à bomba na estação de trem de Bolonha, em 1980, que resultou na morte de 93 pessoas.
Quase unanimidade
"Não sei por que essa decisão [de Lula] foi tomada, e espero que ele não saia da prisão. Mas uma coisa é certa: da justiça divina o Battisti não escapa", afirma o taxista Ermanno Sasselli, de Novara (a 50 quilômetros de Milão), apontando para o crucifixo que tem em seu carro.
Não há uma pesquisa de opinião pública recente sobre a extradição de Battisti na Itália. Mas dá até para entender. O assunto é quase uma unanimidade, a não ser pelos familiares e algumas poucas vozes contestadoras o irmão de Cesare, Domenico Battisti, afirmou à Gazeta do Povo que há muitas pessoas apoiando a causa, mas que a mídia não dá espaço para elas.
O fato é que, andando nas ruas, no comércio ou nos cafés da Itália, todos os cidadãos comuns que conversaram com a reportagem sobre o caso são da opinião de que Battisti deveria ser extraditado e mandado à cadeia. "As pessoas mortas pelo PAC [Proletários Armados pelo Comunismo, grupo extremista de esquerda do qual Battisti fazia parte] não eram políticos nem tinham influência sobre grupos ou organizações. Era gente comum, que não tinha nada a ver com a disputa pelo poder", diz Marina Menasci, proprietária de uma loja de brinquedos em Roma.
Criminoso
Essas pessoas comuns, junto com os familiares das vítimas, representantes da Justiça italiana e políticos de todas as ideologias da esquerda à direita também fazem coro para dizer que, em nenhuma hipótese, Battisti pode ser classificado como preso político.
"Se eu estivesse na mesma situação que Battisti, convicto da minha inocência, a primeira coisa que teria feito ao chegar ao Brasil seria procurar a polícia e dizer que eu era um perseguido político da Itália, condenado injustamente, e que precisava de ajuda. Mas ele preferiu usar um passaporte falso e ficar escondido. Como é que um presidente da República pode acreditar em uma pessoa desse tipo?", diz o milanês Maurizio Campagna, irmão do policial Andrea Campagna, morto em 1979 pelo PAC.
O deputado italiano Fabio Porta, do partido de esquerda PD, que faz oposição ao primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi (de direita), segue a mesma linha. "O Battisti era um criminoso comum que, depois, se infiltrou no movimento terrorista. Fico preocupado vendo que, no Brasil, uma certa esquerda fale desse assunto não sabendo ou não querendo entender que a esquerda italiana também sofreu muito com o terrorismo."
Ele ressalta que grupos como o PAC queriam desestabilizar um governo democrático. "Não era um movimento político em favor da liberdade. Pelo contrário", afirma Porta, que é sociólogo. Ele ressalta que a situação era muito diferente dos regimes militares que comandaram o Brasil, Argentina e Chile no mesmo período. Segundo o deputado, as ditaduras sul-americanas se assemelham mais ao regime imposto à Itália por Benito Mussolini entre 1922 e 1945.
"Não consideramos terroristas os italianos que explodiram bombas durante a resistência ao fascismo, por exemplo. Era uma guerra justificada porque o governo do Mussolini era opressor e fascista. Mas a Itália dos anos 70 e 80 era uma democracia, e nessa época o terrorismo foi combatido por todos os partidos, inclusive os de extrema esquerda, como o Partido Comunista", ressalta Porta.
O deputado Giovanni Bachelet, também do PD, é outro que defende a extradição de Battisti. O pai dele, Vittorio, foi morto em 1980 pelo grupo de esquerda Brigadas Vermelhas. "Sinto muita falta dele. O consolo é que, para um cristão, a morte não acaba com tudo", conta de seu escritório na Universidade La Sapienza, em Roma, onde é professor de Física licenciado para cumprir mandato na Câmara. Segundo ele, a situação italiana era mais parecida com a da Irlanda, que sofreu décadas com os ataques promovidos pelo IRA, o Exército Republicano Irlandês.
Com muita serenidade, Bachelet lembra que os grupos de extrema direita também praticaram atos terroristas. Muitos terroristas de direita também foram condenados, como Giuseppe Fioravanti e Francesca Mambro. Mas não se tem notícia de nenhuma pessoa que tenha obtido o status de preso político na Itália.
* * * * * * * *
Interatividade
A falta de conhecimento da história italiana atrapalha a decisão brasileira sobre a extradição de Cesare Battisti?
Escreva para leitor@gazetadopovo.com.br As cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.
Deixe sua opinião