Campanha
Ex-vizinho diz que faltou "sensibilidade"
A penúltima mudança de residência de Dilma Rousseff em Brasília causou furor no Lago Sul, bairro nobre da capital. A casa alugada para servir de moradia-comitê da petista durante a campanha presidencial fica numa rua estreita e pacata. A nova moradora atraiu uma legião de jornalistas que deram plantão ao longo da disputa eleitoral.
Os repórteres se multiplicaram por três após a vitória no segundo turno. Foi então que o administrador Robério Simionato resolveu dar uma mão à imprensa. Vizinho da casa alugada pelo PT, ele abriu a garagem e organizou uma espécie de comitê para ajudar na cobertura jornalística.
Simionato espalhou mesas, extensões de tomadas, ofereceu banheiros, água, café, frutas, biscoitos e até pilhas para os repórteres. O comitê de imprensa durou uma semana, quando Dilma se mudou para a Granja do Torto para deixar de atrapalhar a vizinhança. Simionato, no entanto, não demonstra saudades da futura presidente. "Nunca falei com ela." Para ele, faltou "sensibilidade" à petista, tanto no contato com os vizinhos quanto com os jornalistas. "Custava ser simpática e dar uma passadinha aqui? Engraçado que ela ia comer pastel na feira para pedir votos, mas esqueceu da gente".
Ainda assim, ele diz que votou em Dilma. "Mas votei mais pelo programa do partido do que por ela mesma."
Brasília - Faltavam 48 dias para Lula tomar posse no Palácio do Planalto quando uma técnica quase desconhecida vinda de Porto Alegre aterrissou em Brasília. Dilma Rousseff era uma novidade entre os especialistas em energia escalados para compor a equipe de transição. Em oito anos, a tecnocrata sem bagagem política viveu uma escalada vertiginosa passou por dois ministérios, tornou-se gerente do governo e a primeira mulher presidente do Brasil.Desde o princípio, a mudança para a capital virou do avesso a vida de Dilma. Primeiro, porque o convite feito pelo então coordenador da transição, Antonio Palocci, exigia uma resposta imediata. Menos de 24 horas após a decisão, ela já estava no Aeroporto Juscelino Kubitschek e, de lá, seguia direto para o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde a equipe trabalhava.
Imediatamente se integrou a um time que deu feição à era Lula. Além de Palocci (ministro da Fazenda entre 2003 e 2005 e escolhido por Dilma para assumir a Casa Civil a partir de janeiro), foi colega de José Sérgio Gabrielli (presidente da Petrobras), Miriam Belchior (atual coordenadora do Programa de Aceleração do Crescimento e futura ministra do Planejamento) e Erenice Guerra (sucessora de Dilma na Casa Civil, derrubada em setembro por um escândalo de favorecimento de parentes). Na convivência, reforçou a fama de exigente e durona.
"Ela sempre foi uma mulher de resultados", define a senadora eleita Gleisi Hoffmann (PT), que também participou da transição. Ela se lembra de um trabalho em parceria com Dilma, que envolvia uma missão delegada pessoalmente por Lula. "O presidente havia passado uma orientação para que fizéssemos um estudo para que os investimentos da Petrobras fossem concentrados no Brasil. Na época, quase todos os recursos iam para fora, principalmente para Cingapura." Do resultado, saiu o embrião que levou ao projeto de retomada da indústria naval brasileira, um dos feitos mais mencionados por Dilma durante a campanha eleitoral deste ano.
Ao todo, foram dois meses de serviço pesado na transição até a posse de Lula e sem qualquer garantia de emprego ao final do período. Dilma encerrava o expediente quase sempre depois da meia-noite. O esforço não passou despercebido.
Há controvérsias, entretanto, sobre quando ela foi escolhida para o Ministério de Minas e Energia. Desde 2001, a referência entre os petistas e mais cotado para a vaga era o engenheiro nuclear Luiz Pinguelli Rosa. A opção por Dilma, no entanto, teria sido tomada pessoalmente por Lula.
Pesou a favor dela o fato de ter sido secretária estadual de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. O presidente queria alguém com experiência prática para evitar a repetição do apagão elétrico de 2001, um duro golpe na credibilidade da gestão Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Na época, o problema não atingiu os gaúchos.
Apesar da relativa surpresa pela nomeação de Dilma, ela logo teve carta branca para reestruturar todo o setor. Novamente, os destinos dela e de Gleisi se cruzaram. Então diretora financeira de Itaipu, a petista conta que a presidente eleita sempre se preocupou com a defesa dos direitos das mulheres.
"Ela apoiou a criação de um grupo pró-equidade de gênero no setor elétrico, que incluiu instituições como Eletrobras, Eletrosul, Furnas e Petrobras e passou a estimular a participação de mais mulheres nos cargos de direção." No Planalto, Dilma se aproximou do então ministro da Casa Civil, José Dirceu, e ganhava a simpatia de Lula pelo estilo diferenciado em relação à maioria dos colegas era de poucas palavras e de muitos objetivos concretos.
Quando José Dirceu deixou o governo abatido pelas denúncias de envolvimento com o mensalão, em junho de 2005, Lula quis mudar o perfil da Casa Civil. No lugar do articulador, entrou a "gerentona". No primeiro ano, Dilma teve uma série de atritos com o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, sobre a política de juros.
Ela queria que os juros diminuíssem para facilitar os investimentos, enquanto ele defendia a estratégia vigente como uma defesa contra a inflação. Em 2006, Palocci deixou o governo após envolvimento no escândalo da quebra de sigilo do caseiro Francenildo Costa. E Dilma ganhou ainda mais força.
Além do poder, a mudança para a Casa Civil deu mais conforto a Dilma. Ela se mudou para uma residência oficial no Lago Sul, na região conhecida como Península dos Ministros, uma das regiões mais nobres de Brasília. Todas as manhãs saía para caminhar na beira do Lago Paranoá, acompanhada pelo labrador Nego, que herdou de José Dirceu, antigo morador da casa. Entre a vizinhança milionária, ninguém quer se expor em entrevistas com nomes ou declarações mais reveladoras sobre a presidente.
Bronca terceirizada
No governo desde março de 2005, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, foi um dos poucos que participaram de momentos mais descontraídos com Dilma. "Paulinho", como é chamado pela presidente eleita, diz que ela gosta de música e poesia e leva jeito na cozinha o que pode ser um talento tardio, já que era tida como péssima cozinheira entre as colegas de cela no presídio Tiradentes, onde ficou entre 1970 e 1973. O paranaense também tem outra explicação para a fama de durona de Dilma. "Na verdade, o Lula transferiu as broncas para a Dilma. Ele, como presidente, não podia desgastar a relação com os ministros e deixou isso para quem tinha a função de coordenar o governo."
Paulo Bernardo foi, talvez, o ministro que mais conviveu com Dilma no governo, graças ao PAC. "Sempre nos demos bem. Comigo ela é até bastante afetuosa."
Desde 2007, o programa serviu como credencial para que Dilma concorresse à Presidência. Nos bastidores, a tese é que Lula já havia escolhido a ministra para sucedê-lo logo após a reeleição, em 2006. Mas foi em 2008 que ela passou a ser chamada de "mãe do PAC".
Em 2009, já como a mais lembrada entre os petistas para o Planalto, teve de superar um câncer linfático. Reduziu as aparições públicas, mas não a carga de trabalho. Até que, em março de 2010, desincompatibilizou-se do ministério para dedicar-se à candidatura.
Entre viagens por todo o país, preferiu manter a residência-comitê em Brasília historicamente, os presidenciáveis sempre preferiram o eixo Rio-São Paulo. Venceu as eleições e, depois de Belo Horizonte e Porto Alegre, parece ter feito de Brasília sua nova verdadeira casa. Pelo menos até 2014.
Mas essa será outra história.
* Chico Buarque
Os títulos da série fazem referência a composições de Chico Buarque que marcaram os períodos retratados pelas reportagens.
Todos os olhos te olham (1979). Composição de Pablo Milanés, versão de Chico Buarque.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura
Deixe sua opinião