"Passou da hora", afirma especialista
Um dos principais estudiosos do modelo de orçamento participativo nos municípios brasileiros, o professor Luciano Fedozzi, do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diz que "passou da hora" de a União adotar formas de participação popular na elaboração do orçamento federal.
Fedozzi lembra que a União concentrou o recolhimento e a distribuição de impostos nos últimos anos. Com isso, esvaziou o protagonismo das cidades e centralizou decisões na burocracia de Brasília e nos gabinetes do Congresso. "Por isso tem de implementar [o orçamento participativo]. É claro que é diferente do modelo da cidade, em que o cidadão está bem mais próximo. O país é muito diferente, desigual e tem proporções continentais. Mas tem de pensar formas de a população participar", diz.
Segundo o professor, o modelo criado na gestão petista de Olívio Dutra em Porto Alegre (RS), no começo da década de 90, foi adotado em várias cidades brasileiras, de diferentes portes, e mostrou resultado. "Estudos do Banco Mundial mostram que cidades com o orçamento participativo contam com sistemas de saneamento básico muito melhores do que as cidades sem participação popular."
Nos últimos anos, o modelo participativo passou a ser visto com algum ceticismo em algumas cidades, exatamente pela incapacidade das prefeituras em operacionalizar o orçamento decidido nas consultas. "É o problema do pacto federativo. As prefeituras passaram a ter mais obrigações, mas o dinheiro não veio. Passou a ficar mais concentrado na União."
Risco
Fedozzi alerta para um risco comum nos modelos de orçamento participativo: o "assembleísmo". Isso ocorre, segundo ele, quando grupos mais organizados politicamente conseguem, nas assembleias para decidir o uso dos recursos, um direcionamento da verba para determinadas áreas em detrimento das demandas de grupos menos organizados e marginalizados. "Isso pode sim acontecer e é preciso adotar formas para que se evite o quem grita mais, ganha mais", diz ele.
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Uma das principais marcas das gestões de prefeitos petistas, o orçamento participativo vai ganhar espaço no governo federal. Neste ano, pela primeira vez a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) absorveu propostas sugeridas por conselhos federais e outras entidades da sociedade civil. Mais de 60 contribuições também foram dadas para a Lei Orçamentária Anual (LOA) da União, mas ainda precisam passar pelo crivo dos ministérios afetados.As sugestões foram dadas em reuniões virtuais e audiências públicas, segundo Daniel Avelino, diretor de Participação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República. Segundo ele, em 2014 o processo ganhará mais apoio. "Vamos promover mais encontros e queremos mais gente participando, pela internet e em eventos abertos."
A participação popular no orçamento ocorreu pela primeira vez em 2003, no governo do então presidente Lula, na elaboração do Plano Plurianual (PPA). Elaborada a cada quatro anos, o PPA é uma das leis que formam o tripé do orçamento público, junto da LDO e da LOA. Tem caráter mais estruturante que os dois outros instrumentos, que efetivamente definem a divisão do dinheiro do governo federal para o ano seguinte.
"Com o PPA, temos coisas concretas como, por exemplo, metas para a construção de casas populares ou de cisternas. Mas também temos aspectos pouco mensuráveis: [a meta de] aprovar no Congresso o Estatuto da Juventude, por exemplo. Com o PPA, já vínhamos tendo o debate", diz Avelino.
Manifestações
Embora a necessidade da participação popular na elaboração do orçamento já aparecesse como tese no programa petista, na prática a ampliação do sistema é vista como resposta do Planalto à insatisfação demonstrada nas manifestações de rua de junho.
Dadas as diferenças entre o orçamento da União e dos municípios, porém, é difícil prever o peso das escolhas dos cidadãos na totalidade do orçamento. Uma sugestão aceita na LDO, por exemplo, foi garantir uma interface livre para o site governamental "compras.net", permitindo assim maior controle da sociedade sobre as compras governamentais.
"Temos de achar a abordagem certa. O tipo de participação que temos nos municípios e nos estados é impraticável no orçamento federal", ressalta Avelino. Além disso, o orçamento do Executivo é bastante modificado quando passa pelo Congresso e as inclusões da participação popular podem ser derrubadas.
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