Produção
Relevo já publicou José Castello e Miguel Sanches
Parece escolha arriscada por esses tempos, ainda mais para alguém com "tão baixa auto-estima" quanto Daniel Zanella. Mas lidar com livros e jornais impressos é a sina do sujeito que começou a distribuir fardos de jornais com o pai, aos 18 anos, depois do insucesso nos campos de futebol. Animou-se com a coisa e começou a mandar textos para alguns periódicos. Tentava a sorte. Uma antiga namorada o convenceu a fazer faculdade de Jornalismo. Passou raspando. Além do jornal União, de onde saiu "para não infartar", Zanella já trabalhou no jornal Cândido, da Biblioteca Pública do Paraná. Hoje, edita o Relevo, jornal mensal de literatura que existe há três anos e roda Curitiba. Seu objetivo é dar voz a novos autores, mas já publicou José Castello, Paulo Cleto e Miguel Sanches Neto. Observador atento, Zanella também se tornou um cronista puro sangue, à moda antiga. Alguns de seus textos começaram a ser publicados no blog Cenas Urbanas, no site www.gazetadopovo.com.br/blogs. Vale cada vírgula.
Nem cucas de farofa e sonhos de goiaba fresquinhos foram capazes de desviar a atenção dos 11 adolescentes que participam da oficina de jornalismo e literatura do projeto ProJovem, na Vila Verde. Espichados em cadeiras na Casa da Comunidade, eles discutiam o texto "Da Paz", de Marcelino Freire: "A paz só aparece nessas horas, em que a guerra é transferida. Viu? A paz é uma senhora que nunca olhou na minha cara."
Pode parecer descabido tratar de um texto desses em uma antiga invasão da Cidade Industrial, bairro mais violento de Curitiba foram 24 homicídios nos três primeiros meses do ano, segundo a Secretaria de Estado da Segurança Pública. Mas é esse o segredo de Daniel Zanella para conquistar a confiança desses adultos precoces.
Aos 28 anos, já tem certa sapiência estampada em sua cara grande, redonda e simpática. Leitor contumaz, bolsista de Jornalismo da Universidade Positivo e ex-boleiro jogou em categorias de base do Coritiba e do Paraná Clube, e no time profissional de futsal do Joinville , hoje ele dedica seu tempo a editar o jornal literário Relevo e às oficinas do ProJovem, uma parceria do governo federal com as prefeituras. O objetivo: criar ciclos de capacitação para adolescentes de 15 a 18 anos em situação de risco por meio de aulas semanais, de segunda a quinta-feira.
Decidido, Zanella largou o cargo de editor-chefe do jornal União, de Campina Grande do Sul, para se dedicar exclusivamente ao projeto. A bem da verdade, o fã de Julio Verne deixou para trás duas pneumonias que ganhou "por causa da pressão e dos maus hábitos da vida na redação" para encarar os "rebeldes com causa", com os quais se identifica.
E é dose. "Acabei de descobrir que uma das meninas está grávida", confessa Zanella, falando baixinho. O mais difícil é lidar com o histórico de rejeição, intrínseco aos moradores da vila. Pior ainda é quando os laços começam a se afinar e a violência irrompe. "Alguns não aparecem mais porque morrem ou são presos." É assim.
Tempos de UPS
Um dos projetos em andamento na oficina é o periódico trimestral Terceira Opinião, planejado e escrito pelos jovens e editado por Zanella. A primeira edição, de quatro páginas, teve como manchete "Tempos de UPS". Os adolescentes repercutiram com a comunidade e com PMs o que mudou na Vila Verde depois da instalação das Unidades Paraná Seguro ou o que não mudou. Outro texto fazia menção ao cheiro "muito desagradável" que sai da chaminé de uma fábrica vizinha. Dona Leila, uma das fundadoras da Vila Verde, foi lembrada em outra matéria.
"Eles têm um espírito crítico forte, mas não fazem o exercício de alteridade, de olhar o outro lado. O jornalismo promove isso", diz Zanella. A impressão de mil cópias do jornal custou R$ 300. O valor foi dividido entre três coordenadores do projeto. Zanella ganha um salário mínimo como professor do ProJovem. E sempre lembra de Caco Barcellos quando os caraminguás pingam na conta. "Mesmo não querendo, levo a sério o que ele disse: jornalistas não deveriam receber mais que um salário mínimo para não se distanciar dos desfavorecidos."
"O pessoal começou a olhar para a gente", diz adolescente
Daniel Zanella é sucesso entre a piazada. Não só por seu rabo de cavalo, mas pela relação franca e descontraída que têm com os alunos do ProJovem. "A gente vê as coisas por outro ponto de vista. Não é burocrático", resume Alessandro de Miranda da Silva, 16 anos. O garoto, que frequenta o programa pela manhã, trabalha como jardineiro à tarde e estuda à noite, fala com uma maturidade impressionante. Ele morou na rua por dois anos e lembra que o mais doído era a indiferença dos que passavam na sua frente.
Hilessor Londer, de 16 anos, diz que as oficinas proporcionam conversa e diálogo com outros jovens, sem que haja cobranças ou interesses, contrapartida comum por aquelas paragens. "É diferente de tudo." A participação na edição do jornal Terceira Opinião mudou a sua própria relação com a comunidade. "O pessoal começou a olhar para a gente, viu que não estamos aqui só de brincadeira."
Sobre o texto de Marcelino Freire, diz ser difícil escolher um trecho, mas se identificou com aquele que relaciona a paz ao poder público: "A paz tem hora marcada. Vem governador participar. E prefeito. E senador. E até jogador. Vou não."
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