O professor de história Daniel Medeiros garante: sua geração tem o grande desafio de fazer a próxima se interessar por política. Sócio-proprietário de uma empresa de educação digital e atuante em cursos pré-vestibulares, o professor e advogado por formação tem uma preocupação extra com o assunto e diz que a formação cidadã é artigo escasso nas salas de aula, e nem mesmo os pais se importam com o assunto. "Um pai padrão faz um monte de perguntas à escola: se é segura, se prepara para o vestibular, se tem língua estrangeira, sem tem balé ou tem judô. Mas ninguém pergunta se há uma formação para a cidadania", afirma.
Para ele, as redes sociais já demonstraram seu poder de mobilização. "Um evento muito bem sucedido é a Vinada Cultural do Passeio Público. Mobilizou agentes culturais, a prefeitura, ganhou a adesão da mídia, mobilizou a cidade... É um exemplo da articulação do cidadão para gerar uma reocupação de um espaço público importante da cidade." Falta agora uma perenidade nas ações e a reformulação na educação de base. Confira nessa entrevista algumas de suas ideias sobre o tema.
Como o tema da política e da cidadania para o jovem é tratado hoje na sociedade?
O grande o problema é que não é tratado. Não há nada voltado para o jovem. O que temos é a mídia que, evidentemente, tem sua comunicação política por meio de notícias. Mas não há nenhuma forma de tratamento voltada para a formação política. Um ou outro programa sazonal apenas.
E nas salas de aula?
A mesma coisa. Hoje não existe, nem no ensino fundamental e nem no médio, uma disciplina, ou mesmo um programa interdisciplinar, não existe nada no gênero associado à formação da cidadania. Temos pontos esporádicos, como meio ambiente e empreendedorismo, coisas não obrigatórias. Mas o conhecimento dos direitos e dos deveres, a função dos poderes, os espaços de atuação no mundo público, nada disso está presente na escola. E os pais também não se interessam. Um pai padrão faz um monte de perguntas à escola: se é segura, se prepara para o vestibular, se tem língua estrangeira, sem tem balé ou tem judô. Mas ninguém pergunta se há uma formação para a cidadania. Se tem grêmio, ou se os alunos são protagonistas de ações na escola, por exemplo.
A apatia política do jovem é reflexo de uma apatia geral ou é algo a mais?
Eu creio que a apatia se deve a essa vinculação entre política e políticos. A população em geral vê a política como algo relacionado aos agentes políticos, e como eles têm dado péssimos exemplos, todos tendem a ver a política como algo ruim. Esquecem que a política é um exercício diário, dinâmico e frequente, e não está ligado apenas ao exercício dos representantes políticos. Quando há espaço na escola para conversar com os alunos para mostrar a ele o que é uma formação cidadã, desperta-se um interesse muito grande.
Por exemplo, eu ministro uma disciplina chamada Mundo Contemporâneo, em que mostro algumas das questões jurídicas e políticas nacionais sob um enfoque de abordagem de comunicação, e fiz uma página no Facebook chamada Reflexão e Diálogo, onde elenco alguns temas e filtro algumas das questões apresentadas na disciplina. A resposta foi muito intensa, ela tem um transito diário de mais de mil alunos que curtem ou visitam a página. Fiz isso como uma iniciativa pontual.
Eu acho que o grande responsável pela apatia política no Brasil é a minha geração, que não se mobiliza para criar políticas de formação para a cidadania, seja em casa, seja na escola, seja no poder público. E a mídia, quando faz esse tipo de trabalho pontual, imagina que o jovem só entende uma linguagem que esteja associada ao funk, ao grafite... Esses modismos e estereótipos com que as pessoas acham que é a única maneira de falar com o jovem. Eu sou advogado por formação e, quando falo com linguagem jurídica para eles, se interessam muito, porque não estão acostumados a isso. O que é uma PEC, o que é o conceito da democracia, o conflito entre o Legislativo e o Judiciário... A gente vive em torno de um conceito muito mesquinho de política, e isso é prejudicial.
Que papel tem a mídia na formação cidadã?
Quando a liberdade de imprensa e o poder investigador do Ministério Público foram instaurados, no fim da ditadura, começaram a aparecer os escândalos na política. Isso foi muito importante. Porém, com o tempo, a fiscalização da mídia acabou gerando uma banalização da política. São tantos os exemplos de escândalos, que acabam criando na nova geração que não tem nenhum vínculo com a ditadura que todo político é corrupto. A imprensa precisa começar a refletir sobre essas denúncias que são feitas sem qualquer oferta de solução. Ela poderia se articular mais com os professores, com os poderes públicos, poderia se pensar em suplementos com essa temática e distribuir para as empresas, por meio de convênios, etc. É preciso mostrar que a política não é só a obra dos políticos. E não só pela imprensa.
Como criar esse interesse no jovem então?
Por meio do fomento, no sentido de estimular a informação e o protagonismo. É preciso criar oportunidades de participação. Dar ao aluno, no caso do jovem na escola, o poder de analisar, apresentar propostas e participar das soluções, inclusive ensinando a ele que as coisas que ele quer fazer precisam passar pelo filtro da realidade, com capacidades técnicas e limites financeiros. Essa geração cresceu sem nenhuma bagagem de formação política. Como cobrar envolvimento deles assim? Como vamos ter um cidadão participativo se ele não tem formação para isso? É como você me chamar para a ópera e eu dizer que não gosto de ópera, mas não porque eu sou ignorante, mas sim porque eu nunca tive tempo para aprender sobre ópera.
E, claro, o trabalho tem que ser permanente. Não se pode resumir a iniciativas boas, mas com prazo para acabar. Precisamos de projetos permanentes. Esse talvez seja o grande desafio da sociedade como todo.
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