Desde o final do ano passado, duas cassações estão em discussão na Câmara dos Deputados, em Brasília. Os assuntos mais comentados na Casa são o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e a cassação do presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB) pelo Conselho de Ética.
De um lado, a presidente Dilma é acusada de crime de responsabilidade pelas pedaladas fiscais. De outro, Cunha é julgado por supostamente ter mentido na CPI da Petrobras ao afirmar que não possuia contas no exterior – o que ficou comprovado pelas investigações da Lava Jato que não era verdade.
Como presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB) tem nas mãos a possibilidade de dar o ritmo aos procedimentos. Ritmo esse que é bem diferente entre os dois processos. Enquanto o impeachment caminha a todo vapor na Câmara, o processo no Conselho de Ética é constantemente atrasado por manobras do presidente da Casa.
A última manobra foi anunciada na terça-feira (29) para mudar a formação do Conselho e levar vantagem no placar com a indicação de pelo menos mais três integrantes a seu favor. A proposta de Cunha usa como base a janela partidária, que levou mais de 80 deputados a mudarem de partido neste início de ano, para redefinir a composição de todos os Conselhos da Casa.
As manobras para impedir a conclusão dos trabalhos do Conselho de Ética são possíveis graças ao extenso conhecimento de Cunha em relação ao regimento interno da Câmara. “Eu não identificaria ninguém dentro do Congresso que saiba mais do regimento que ele”, diz o deputado federal Osmar Serraglio (PMDB). Para o deputado, a técnica de Cunha é parecida com a tática de advogados que buscam nulidades em processos penais. “Quando você tem dificuldade de ganhar no mérito, você ataca no procedimento”, diz Serraglio.
“Ele manipula resultados, troca participantes, ele tem as jogadas burocráticas que ele faz”, reclama o deputado federal Ênio Verri (PT). “A verdade é que nós temos hoje um presidente da Câmara em várias denúncias envolvendo milhões de dólares e vários deputados que o protegem na comissão”, completa.
Toma lá, dá cá
O processo de impeachment da presidente Dilma teve o pontapé inicial na Câmara dos Deputados depois que um “acordão” com Cunha foi quebrado. Até aceitar a denúncia que embasa o impeachment, o presidente da Casa negociava com deputados do PT uma saída para não ser denunciado no Conselho de Ética da Câmara.
No início de novembro do ano passado, porém, o Conselho de Ética abriu o processo contra Cunha. Dois dias depois a Procuradoria Geral da República pediu o afastamento de Cunha do mandato de deputado. Cunha aceitou o pedido de impeachment quase um mês depois, no início de novembro.
Apesar de instaurado o processo no Conselho de Ética, Cunha até agora conseguiu atrasar o trabalho dos colegas. “É evidente que o presidente da Câmara utiliza o cargo para impedir que prossiga o processo de cassação do seu mandato e é evidente que isso não é de hoje, é de muito tempo atrás”, reclama o deputado Zeca Dirceu (PT).
“A comissão de impeachment tem um rito já pré-estabelecido e essa comissão tem a obrigação de seguir esse cronograma. Já no caso do Conselho de Ética, está sob possíveis intervenções por parte do presidente da Câmara. O presidente da Casa tem muito poder de agenda”, explica o cientista político Davi Fleisher.
“O trâmite é diferente, mas ele poderia ser mais rápido ou mais lento dependendo da articulação política que existe por trás de cada trâmite”, disse um deputado do PMDB que preferiu não ser identificado. “É evidente que o processo de impeachment poderia demorar seis meses, um ano. Está acontecendo com tanta rapidez porque existe o interesse direto do presidente da Câmara nisso”, completou.
Afastamento
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem em suas mãos um pedido de afastamento de Cunha, feito pela PGR em novembro do ano passado. Os deputados contrários ao presidente da Câmara têm tentado convencer os ministros a decidirem o quanto antes sobre a questão.
“O afastamento do Eduardo Cunha faria não só que os trabalhos da comissão mais eficientes e mais transparentes, como acalmaria a própria Casa. A Casa vive em crise por conta de um presidente que não é reconhecido pela maioria dos deputados”, diz o deputado Ênio Verri (PT).
“A percepção que se tem é que é muito difícil ele cair no mandato dele”, avalia o deputado Osmar Serraglio (PMDB). Isso porque o presidente da Casa tem um poder de agenda muito grande, que pode impedir os trabalhos da Comissão de Ética. De acordo com o regimento, as reuniões do Conselho não podem ocorrer de forma paralela a sessões plenárias na Casa. “Ele ainda tem todos os poderes da presidente da Casa a seu dispor para manipular a comissão”, analisa Fleisher.
Outro lado
O presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB) nega que tenha motivações políticas para acelerar o procedimento do impeachment da presidente Dilma. “Eu tenho que cumprir meu papel. Cumprir a lei, cumprir a constituição, cumprir o regimento, é o que eu vou fazer”, garante Cunha.
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