Brasília – Enquanto o Congresso se debate para tentar estabelecer ligações entre os vários indícios de corrupção no serviço público em esfera nacional, a Polícia Federal continua realizando seu trabalho normalmente, dando seqüência à série de grandes operações que vem marcando suas ações nos últimos meses. Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o diretor de Combate ao Crime Organizado da PF, Getúlio Bezerra Santos, diz que o órgão consegue manter independência em relação ao governo federal e que "está operando milagres". Gazeta do Povo – A que o senhor atribui os expressivos resultados da Polícia Federal nos últimos meses?Getúlio Bezerra Santos – Estamos operando milagres. O efetivo é praticamente o mesmo, é uma questão de foco, de estratégia. Isso foi resultado de um trabalho que foi maturando ao longo dos anos, buscando reprimir redes, focar as grandes organizações e fazer das pequenas um trampolim para as grandes.

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– De que forma isso ocorreu?– Foi uma série de coincidências positivas, foi um processo. Entendemos que é mais fácil subirmos o elevador panorâmico do que tentar subir no morro furando pé com prego, com cachorro mordendo. Ficou mais fácil prender o engravatado. É uma questão de condução, de estratégia. O restante é milagre.

– Existe cooperação entre os órgãos de segurança?– Temos apoios que são indispensáveis para nossa operacionalidade, como da Força Aérea Brasileira (FAB), por exemplo. Temos operações com 50, 100 pessoas, normalmente. Essas pessoas aparecem no local da operação e somem no outro dia como se fosse por mágica, mas há toda uma estrutura de apoio que não é só nossa.

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– O senhor sente falta de recursos para trabalhar? – Não temos o recurso que desejaríamos ter. Eu diria até que agora temos dinheiro, mas não temos recursos humanos. Mas é assim mesmo, temos que trabalhar com o que temos.

– Hoje as operações são praticamente diárias. Isso vai continuar? – É claro que essa ascensão não vai ser aritmética, não vai chegar no céu. Agora a direção-geral tem dado um enfoque de preocupação com o pequeno erro, porque já estamos criando uma rotina de acerto, ficou monótono. Hoje, as grandes operações da Polícia, se não houver alguma coisa muito excepcional – um homem voando, um elefante ou algo assim – já viraram rotina. Nossa preocupação agora é o pequeno erro, quer dizer, evitar quebrar um vidro, botar algema numa pessoa que reclame, coisas deste tipo.

– Há setores que criticam as operações, que teriam um caráter demasiadamente "cinematográfico". O senhor concorda?– As grandes operações realmente têm um componente emocional muito grande. Cria-se uma expectativa muito grande entre as próprias pessoas que estão envolvidas. E nem sempre são agentes de um mesmo nível. Tem um pessoal mais novo, que se entusiasma mais. Em uma operação como a "Cevada", na (cervejaria) Schinchariol, teve 600 pessoas envolvidas na operação. Segurar uma operação dessas para a mídia é difícil. Isso faz parte. Chama a atenção porque é uma coisa relativamente nova – não as grandes operações, mas a seqüência das grandes operações. Essas movimentações chamam a atenção porque são realmente interessantes. O mundo todo trabalha com isso.

– O fato de se tratar de casos de corrupção também exerce influência? – Sim, porque é um fenômeno diferente: corruptos sendo presos, lavagem de dinheiro. Vemos que não há mais castelos inexpugnáveis. Estamos chegando a todos os lugares.

– O senhor considera que há excessos nas operações? – Em alguns setores, pode haver. Mas há dois canais para isso: o administrativo, interno; e o judicial, que é o dano. Se alguém se sentir incomodado, é perfeitamente aceitável que reclame. Há também reclamações sobre as algemas. Mas a regra é algemar. A regra internacional é algemar. A polícia americana, por exemplo, só lê aquele livrinho com os direitos do detido depois que o suspeito está deitado no chão, algemado, com as mãos para trás e com um policial com a pistola na cabeça dele. Somente quando não representa mais nenhum perigo.

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– E a exposição dos acusados? – Realmente, a imagem é um patrimônio da pessoa. Mas não podemos cercear o trabalho da imprensa. É uma relação da imprensa com a pessoa. Se a pessoa achar que foi exposta, ela pode muito bem reclamar. O choro é livre. Qualquer um pode reclamar e vamos receber com a maior naturalidade qualquer desvio que possa ocorrer.

– Há também a reclamação de abusos por parte dos advogados. Como o senhor vê isso?– Na maioria das buscas que temos feito, a Polícia não orienta seus atos, é sempre um pedido do Judiciário. O juiz, quando dá a ordem, fundamenta seu pedido porque tem elementos de convicção. O Ministério Público concorda ou não concorda. Assim, quando um mandado chega para nós, é para cumprir – e vamos cumprir. Quando temos alguma informação sobre um escritório de advogados, dizemos que é um escritório, ninguém está maquiando.

– Muitos dos detidos são soltos em seguida por ordem da Justiça. Isso atrapalha? – Não. A previsão já é mais ou menos essa. No primeiro momento, a prisão é temporária, serve para arrecadar os documentos. A pessoa já está na mão e já presta os esclarecimentos necessários. É uma forma até de pressão. Na Itália, qualquer mafioso que for preso tem de passar 24 horas na cadeia, para quebrar um pouco a resistência. É cultural. Mas isso não quer dizer que estejamos pedindo prisões desnecessariamente. Quando o juiz determina a prisão, ele sabe que está dando a prisão temporária. A prisão só se sustenta se houve outros fatos, mas no momento aquela prisão está justificada.

– Mas na Operação Curupira houve pessoas aparentemente inocentes que foram presas.– Nesse caso, e eu ouvi o ministro da Justiça confirmar, nós havíamos pedido dezenas de mandados, mas o Ministério Público fez uma investigação por conta própria e incluiu mais 20 mandados. Isso causou até um embaraço para nós, pois não tínhamos tanta gente para cumpri-los. Não temos fábrica de agentes. Foram os mandados do Ministério Público que depois foram questionados. Não foi a gente que pediu. Normalmente, quando a gente pede, se algum juiz der, é porque tem algum fundamento.

– Há casos de resistência nas operações? – A área mais violenta que temos é a de assalto a banco e roubo de cargas. No ano passado, morreu em confronto um agente, houve dois feridos e morreram 14 marginais. É uma área muito dura, onde não há boas maneiras. Nas outras áreas, não há mortes, tiro disparado, nem pancada. E nessas operações, é possível conseguir um material incrível. A operação Farol da Colina é um exemplo. Começou como Banestado, passou para Beacon Hill. Agora uma equipe nossa foi para os Estados Unidos e ficou 21 dias preparando 68 mil documentos com informações para fazermos outras operações. Agora, ninguém vai ter problema de tédio ou de não ter o que fazer.

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– O senhor vê algum tipo de ingerência política na PF?– Na minha experiência, não. Eu sempre trabalhei na área de drogas, nunca chegou a mim nenhum político, nenhum dirigente para defender ou para desviar investigação, até porque era um negócio muito sujo. Percebo é que, se chegamos a um deputado ou a um ministro, vamos trabalhar com mais capricho para evitar problemas. Mas eu nunca senti influência. A polícia Federal sempre teve independência, é muito técnica.

– A PF é acusada de estar sendo usada pelo governo para evitar as CPIs. Isso é possível?– São instâncias diferentes, a PF é uma área criminal, a inteligência produz provas para a Justiça. Já a CPI é política. Elas têm componentes que muitas vezes servem como prova para uma e não para outra.