Fim do foro privilegiado e corte exclusivamente constitucional tornariam combate à corrupção mais efetivo| Foto: Rodolfo Büherer/Gazeta do Povo

A falta de resultados nos processos de políticos envolvidos em casos de corrupção que chegam ao Supremo Tribunal Federal (STF) perpetua a sensação de impunidade no país. Segundo especialistas, a distorção está no desvirtuamento da corte, cuja função deveria ser exclusivamente constitucional, cabendo às instâncias inferiores julgar casos de corrupção, inclusive dos beneficiários do foro privilegiado.

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Atualmente, 378 procedimentos envolvendo deputados, senadores e ministros de estado correm no STF, a quem cabe conduzir processos contra autoridades com foro privilegiado. São 275 inquéritos e 103 ações penais em que políticos aguardam o veredicto da corte. São casos de desvio de dinheiro público, crimes de responsabilidade, crimes contra o sistema financeiro e fraudes em licitação.

Há 20 anos na carreira, o promotor José Reinaldo, professor de Processo Penal na Faculdade de Direito do Mackenzie, avalia que, se o STF fosse uma corte exclusivamente constitucional, a resposta aos casos de corrupção poderia ser dada nas instâncias inferiores de forma mais efetiva.

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Ele defende a delação premiada sistematicamente para os crimes de grande potencial ofensivo, como ocorre nos Estados Unidos. "O acordo resolveria o problema da sociedade e do próprio acusado, que não teria de suportar uma demanda indefinidamente. Acabaria com a sensação de impunidade, que é real", firma.

Para o subprocurador-geral da República Wagner Gonçalves o foro privilegiado gera distorção. "O STF não é uma corte para ações penais originárias, decorrentes de denúncia. Não é estruturado para fazer instrução. Quem está apto a fazer a instrução de ação penal é o juiz da primeira instância. A estrutura do tribunal é feita para revisão da decisão do juiz", interpreta.

Gonçalves, 27 anos de Ministério Público Federal, ressalta que nos casos de foro cabe a defesa preliminar. "Antes do recebimento da denúncia, ouve-se o investigado que, de um modo geral, conta com advogados excelentes. Se esse tipo de ação tivesse solução rápida, ninguém iria querer foro privilegiado", assevera o subprocurador, coordenador da 2ª Câmara Criminal do Ministério Público Federal.

"Há 3 classes de pessoas na sociedade brasileira. Os invisíveis, aqueles que estão limpando a rua, o pedinte que você não enxerga; os demonizados, traficantes de drogas, o pessoal do morro que é preso sem camisa e algemado com os braços para trás; e os imunes, dificilmente atingidos, a turma do colarinho branco, da prerrogativa de foro".

O promotor de Justiça José Reinaldo Guimarães Carneiro, secretário executivo dos Grupos de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaecos), braço do Ministério Público de São Paulo também aponta a quantidade de recursos previstos no Código de Processo Penal como fator que dificulta o combate à corrupção. "O colarinho-branco tem uma facilidade extraordinária no acesso aos recursos que inviabiliza prestação de jurisdição séria", afirma o promotor.

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"O STF é uma corte muito pesada, não tem agilidade para fazer a instrução criminal", atesta a subprocuradora-geral da República Ela Wiecko, da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.

Com 34 anos de instituição, autora de pesquisa de doutorado sobre crimes contra o sistema financeiro, Ela, há dez anos, fez uma alerta sobre a fragilidade do sistema. "Porcentagem mínima de processos chegava à sentença. Era menor ainda o índice de condenação. O modelo é o mesmo".

"A conduta de certas pessoas, pelos cargos que ocupam, é interpretada de forma mais benevolente", aponta. "Ainda é forte a presença de oligarquias nos Estados. A escolha de desembargadores e ministros de tribunais é uma troca de favores. Passa sempre pela chancela do Executivo, é tudo um compadrio. Às vezes tem uma decisão contrária, mas depois percebe-se que aquilo é só um faz de conta para dizer que apertou", avalia. "Para os pequenos, o sistema é inflexível. Os fortes, políticos e empresários corruptos, esses sempre fogem das malhas", adverte Ela, professora de Direito penal e criminologia na Universidade Nacionas de Brasília (Unb).